Muito bem: o ministro Sergio Moro já foi demitido, o presidente Jair Bolsonaro atingiu seu nível máximo de rejeição pela maioria da mídia e 100% dos analistas políticos já expediram as suas condenações. O governo é descrito diariamente como “morto”. O Brasil já está com um coronavírus nas costas, sua produção está em grande parte paralisada e o cidadão que não pode ficar “em casa” está desesperado com o seu trabalho.
Diante de tudo isso, por que o presidente ainda está na presidência? O general Hamilton Mourão já não tinha de estar despachando no gabinete número 1 do Palácio do Planalto – ele ou algum consórcio de representantes da “sociedade civil”, coisa que se monta com dois advogados, três editoriais, um ministro do Supremo aqui e um presidente da Câmara dos Deputados ali? Enfim: por que a demora?
A demora está havendo por que nada que diga respeito à troca de um presidente da República pode se fazer com a rapidez que os seus inimigos estão querendo. Pode ser uma má notícia, mas o fato que precisa ser levado em conta com urgência é o seguinte: tem de haver calma, já. Não dá, pela legislação em vigor no país, para tirar nem o prefeito de São José do Brejo Seco do seu cargo com a pressa e a ligeireza com que estão querendo tirar Bolsonaro.
Pode ser chato, cansativo e demorado, mas não há outro jeito para “virar mais esta página da nossa história” do que ir pelos caminhos legais. Como Bolsonaro e as forças que o apoiam deixam claro todos os dias que ele não quer e nem vai renunciar ao seu mandato, só há duas coisas a fazer. A primeira é arrumar o mais cedo possível um candidato forte junto ao eleitorado nacional, ir com tudo para a campanha presidencial de 2022 e derrotar Bolsonaro nas urnas. A segunda é um processo de impeachment. As duas coisas levam tempo.
Se o presidente da República é ruim (quem está contra ele, desde o início ou depois das últimas desordens, acha que é o pior que o Brasil já teve), a solução não é “zerar tudo”, como dizem a cada cinco minutos. Não existe essa coisa de “zerar tudo” quando se trata de tirar do posto um presidente da República para colocar outro em seu lugar.
Na vida real, vai ser indispensável ter mais votos que ele nas próximas eleições ou, então, convencer dois terços dos 513 deputados e 81 senadores a aprovarem a sua deposição legal num processo de impeachment – como ocorreu, aliás, com Fernando Collor e Dilma Rousseff, ou seja, com 50% dos quatro presidentes que vieram antes de Bolsonaro de 1988 para cá.
Não é impossível, como se vê – as chances são de meio a meio. Mas não dá para fazer sem trabalho, ainda mais se não houver uma clara pressão nas ruas em apoio ao processo, como foi evidente nos dois casos acima.
Mais útil do que ficar ouvindo, lendo e vendo dizer que o governo acabou é prestar atenção no que acontecerá no Congresso nos próximos dias e semanas. Se o presidente der um cavalo de pau na conduta política que vem tendo nos últimos quinze meses e acertar a sua vida com a maioria decisiva dos parlamentares, aquela que tem interesses antes de ter convicções, não percam mais seu tempo pensando em impeachment.
É bom levar em conta que essa gente toda sempre teve horror a Sergio Moro, Lava Jato e o camburão da Federal; está feliz da vida, e é quem vai decidir as coisas. Se, ao contrário, Bolsonaro continuar em guerra com o baixo, médio e alto cleros do Congresso, aí já serão outros 500.
J.R. Guzzo
J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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