Para conter o avanço do coronavírus, boa parte do Brasil adotou, como medida inicial, o isolamento geral, combinando um movimento de conscientização popular com decretos que proíbem eventos e fecham estabelecimentos comerciais, com exceção de atividades consideradas mais essenciais. A ação foi recomendada pela comunidade médica e segue a tendência mundial, mas tem custos altos e inegáveis. O dano econômico, por exemplo, é certo e intenso; sua dimensão concreta só ficará clara ao fim da pandemia, mas ele se manifestará na forma de uma quebradeira sem precedente de empresas, com consequente aumento do desemprego e até mesmo desabastecimento.
E não há como relativizar ou minimizar o impacto que a paralisação de várias atividades terá, mesmo no curto prazo. Quando o presidente da Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos), Tito Bessa Junior, afirma ao site BBC Brasil que “as empresas não têm reservas para fazer a folha de pagamento”, não exagera. A maioria absoluta das pessoas jurídicas no Brasil é de micro e pequenas empresas, que simplesmente não chegarão ao mês seguinte se não houver receita. O que ocorre com as empresas também se aplica aos indivíduos: em um cenário no qual o isolamento geral se mantenha por muito tempo, os mais pobres e parte da classe média não têm economias com as quais podem se manter caso percam o emprego ou tenham o salário suspenso ou reduzido. Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que, com apenas uma semana de quarentena, 72% dos moradores de favelas tiveram redução em um padrão de vida já baixo. Pior ainda: um terço desta população já tem dificuldade para comprar os itens básicos para a sobrevivência, como alimentos.
O dano humano do desarranjo econômico causado por uma paralisação é tão certo quanto o dano sanitário
Com a chegada da pandemia ao Brasil, o país se viu na escolha entre o confinamento geral e as restrições apenas para grupos de risco. A impossibilidade de realizar testes em massa trouxe incerteza quanto à possibilidade de que o vírus estivesse circulando livremente pelo país sem ser detectado até o momento em que fosse tarde demais. A demanda por uma resposta rápida das autoridades levou a decretos de restrição de atividades em vários estados e municípios, uma decisão compreensível à luz dos eventos mundiais e que pareceu bastante razoável à medida que as mortes se acumulavam em outros países. Prevaleceu o foco exclusivo na contenção do surto em detrimento dos custos humanos da paralisação da economia, mas agora a percepção destes custos, que já estava presente para muitos, se aguçou.
Uma vez decretadas as quarentenas, no entanto, melhor respeitá-las que cumpri-las pela metade, o que combinaria o pior de dois mundos: os negócios começariam a quebrar sem achatar a curva de contaminações. Este tempo, que os decretos estabeleceram, em média, entre 10 e 15 dias, tem de ser aproveitado com ações no campo da saúde, reforçando os meios de conter a pandemia; e no campo da economia, com governos, empresas, sindicatos e bancos buscando os meios de amenizar o inevitável impacto econômico. Mas, principalmente, é a hora de estabelecer uma cooperação entre órgãos e esferas de governo para, após uma reação inicial conturbada, com ações descoordenadas e governos atropelados pelos acontecimentos, decidir em conjunto, de forma coordenada e muito bem informada, os próximos passos.
É por isso que a injeção de recursos na forma de crédito, repasse direto ou adiamento de obrigações, medida já adotada pelo governo, é importantíssima como ação emergencial, mas o principal é ter a reabertura dos negócios no horizonte da tomada de decisões. E as autoridades precisam estar pensando nisso neste exato momento. À medida que a quarentena se desenrola, cada estado e cada cidade tem uma ideia melhor de qual é a sua realidade. Pode não fazer sentido, por exemplo, que um estado mantenha uma regra unificada para municípios repletos de casos e regiões inteiras sem um registro sequer. O problema, como disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em coletiva na quarta-feira, dia 25, é a impressão de que o país entrou em uma situação e não sabe como sair dela.
O dano humano do desarranjo econômico causado por uma paralisação é tão certo quanto o dano sanitário, embora este último esteja irregularmente distribuído pelo país. Mandetta pediu a cooperação de governadores e prefeitos para que a decisão política a respeito da maneira de realizar a quarentena seja feita também com base em critérios técnicos, sabendo dar o peso adequado à questão sanitária e à questão econômica. Como afirmou o ministro, é possível que regiões diferentes exijam abordagens diferentes. A avaliação dos riscos pode apontar para uma possível retomada gradual ou imediata das atividades econômicas – especialmente aquelas que precisam da presença física dos funcionários –, sem descuidar das atitudes individuais de prevenção, do desencorajamento de aglomerações, e das medidas sanitárias exigidas sempre que se confirmar um caso de Covid-19. Não é nosso objetivo neste momento discutir qual o melhor ritmo e estratégia de relaxamento – especialistas vêm sugerindo vários modelos que merecem consideração –, mas apenas ressaltar que tanto a evolução do surto quanto a quebradeira e o desemprego podem ser freados se as autoridades tiverem aproveitado a quarentena geral e preparado o país para suportar melhor a continuação da pandemia.
Este debate precisa ocorrer, na esfera pública e nos governos em todo o país, de forma desapaixonada e respeitosa quanto aos posicionamentos divergentes (algo natural em tema tão complexo), evitando arroubos como os do presidente Jair Bolsonaro em seu pronunciamento de terça-feira, dia 24. Afinal, também do ponto de vista econômico há vidas em jogo: a de famílias que perderão todo seu sustento e talvez não possam contar com apoio suficiente da comunidade ou do governo. O coronavírus cobrará – já está cobrando – um preço alto do país; mas ele não pode ser ampliado por decisões tomadas por impulso, por conveniências políticas ou por informação deficiente.
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