Rhillary Barbosa, de 16 anos, usou técnicas do jiu-jitsu para escapar e também ajudar vários alunos a fugirem da escola.
Rhillary Barbosa de Sousa, de 16 anos, ajeita o quimono e pisa no tatame com a firmeza de uma campeã. Há três anos, ela pratica jiu-jitsu em um projeto social em Suzano. Graças às técnicas que aprendeu, a adolescente salvou a própria vida e a de colegas no massacre da Escola Raul Brasil, há um ano.
Na manhã de 13 de março de 2019, Rhillary lutou com um dos dois ex-alunos que invadiram a escola – um com uma arma de fogo e outro com outros tipos de arma, como uma machadinha. Antes de entrar no prédio, eles mataram o tio de um deles. Na unidade, mataram cinco estudantes, duas funcionárias e, depois, o mais novo matou o mais velho e se matou, segundo a polícia.
Depois de ouvir disparos, Rhillary pensou rápido e, apesar do medo e de não saber que havia um segundo assassino, trombou de propósito em um deles, que havia acabado de deixar cair uma machadinha. O assassino tentou derrubar a adolescente com uma rasteira, mas ela firmou os calcanhares no chão e ele ficou surpreso. Foi então que os alunos começaram a sair.
Um ano após a tragédia, a vida da adolescente mudou, mas uma coisa não ficou de fora da rotina da garota: os treinos de jiu-jitsu.
“Ela continuou treinando forte, competiu o Campeonato Paulista e o Circuito Paulista e foi campeã. Ela estava centrada dentro e fora do tatame. Lógico, meio abalada, mas mostra que o esporte deu forças para ela seguir em frente. Muita gente inspira isso nela e ajudou bastante. Ela canalizou tudo de ruim e jogou dentro do tatame para o lado bom”, observa o treinador dela, Ângelo Máximo Leite de Oliveira que está à frente do Projeto Bonsai.
Rhillary reconhece que o jiu-jitsu salvou sua vida naquele dia. E, por isso, a garra que tem pelo esporte aumentou ainda mais. “Porque foi algo que salvou minha vida. Se não fosse o jiu-jitsu eu não sei o que teria acontecido ali, coisa boa não iria ser com certeza. Quando você olha para uma certa coisa e fala ‘isso salvou a minha vida’, você acaba automaticamente se dedicando mais, tentando se empenhar mais.”
Depois do massacre, a adolescente ganhou uma bolsa em um colégio particular da cidade e concilia as aulas e os treinos.
Rhillary também passa por atendimento psicológico em uma unidade básica de saúde perto de casa. “Ainda não me adaptei à escola, ao pessoal todo, sabe? Somente algumas pessoas que tenho um pouco mais de afinidade. Porém a questão de ensino, o resto da galera… está sendo um pouco difícil para mim. Porém não dá para desistir, tem que seguir. É mais um desafio”, afirma com ar sério a adolescente que sabe ter amadurecido vários anos em uma manhã.
Mesmo em uma nova escola, Rhillary pretende rever os amigos da Raul Brasil e ver como vai ficar a estrutura depois da reforma. “Eu quero ver como ficou a estrutura da escola. Coisas boas aconteceram também porque não vivi só um ano ali. O ruim aconteceu somente em 2019, os outros anos foram superagradáveis.”
Desde o massacre, Rhillary encontra força nas mensagens que recebe de muitas pessoas que souberam de sua história.
“Eu recebi várias mensagens das pessoas falando que começaram a fazer jiu-jitsu por minha causa. Isso é gratificante porque hoje as coisas não são fáceis, nunca foram, mas agora está piorando mais. Então você aprender a se defender e aprender a conciliar as coisas dentro da sua própria cabeça é uma coisa bem produtiva para a sua vida.”
Olhar de Mãe
Para Marilene Barbosa de Oliveira, de 46 anos, mãe de Rhillary não foi só a rotina da filha que mudou. Desde o massacre, ela observa com atenção cada reação da menina, orientando a adolescente para que tente, na medida do possível, levar a vida com normalidade.
“Ela está mais assustada, ela é uma pessoa que qualquer coisa dentro de casa, ela pula, fica de pé, como se estivesse atenta se acontecer algo. E eu não acho isso bom. Porque ela é muito jovem e precisa saber lidar com essa situação”, explica a mãe.
Para Marilena, ficar sempre de prontidão pode desgastar a adolescente. A mãe observa em alguns momentos, uma tentativa de afastamento e reclusão da menina.
“De vez em quando ela não quer muito falar com a gente, não sei se é coisa de adolescente. É uma das coisas que ela não apresentava antes. Ela gosta de ficar no canto dela. Refeições na minha casa sempre a gente fez todo mundo sentado em volta da mesa. E hoje, às vezes, ela quer se retirar e eu não deixo. Faço ela voltar. Então, algumas coisas assim mudaram o jeito dela eu percebo que pode ser por causa disso e puxo ela de volta para cá.”
No dia do massacre, Marilene estava na casa de um dos filhos em Poá. Ela soube por meio de uma ligação da filha da tragédia na escola. Um dia que, segundo a mãe da menina, nunca será esquecido.
“É um luto que não sai da gente. Eu graças a Deus estou com a Rhillary. Mas confesso que passo pela escola, sinto ainda muito mal mesmo. Não vou mentir, mas passa na nossa mente… Quando chega na escola todo mundo se cala, fica um silêncio. Eu creio, pela minha parte, isso vai ser inesquecível.”
Apesar das dificuldades e das lembranças, Rhillary tenta manter os olhos no futuro para realizar os sonhos que carrega desde a infância.
“Minha mãe diz que seu eu tenho um sonho tenho que correr atrás. Meu sonho é fazer faculdade de direito, ser delegada e quem sabe ser atriz como hobby, né?”
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