Automutilação: o que está por trás de mais esta patologia mental da modernidade

Parecia apenas guerra ideológica, mas as consequências do massacre cultural a que os jovens brasileiros foram expostos nas duas últimas décadas começam a aparecer nos consultórios e hospitais psiquiátricos. Uma delas é o crescimento vertiginoso da automutilação entre jovens que, muitas vezes, traz sinais de perdas mais graves e é a antessala do suicídio.

A observação é da médica psiquiatra radicada em Curitiba Ana Cristina Cardoso Lemos Malheiros, com 30 anos de experiência de atendimentos em clínicas e hospitais psiquiátricos.

Hoje, segundo ela, a cada semana chegam de dois a três novos pacientes com quadro de automutilação no Centro de Atenção Psicossocial para pessoas com transtorno mental da prefeitura de Curitiba (CAPS-TM), onde a médica trabalha. Como a média semanal de atendimentos é de 40 pessoas, a autoagressão física atinge em torno de 7% dos casos psiquiátricos atendidos pela médica.

A maioria dos que chegam procurando ajuda para parar de se cortar são mulheres, entre 18 e 25 anos, em geral, sem religião e com histórico de conflitos familiares.

Ela frisa que esse quadro simplesmente não existia até a década passada, quando os atendimentos nos hospitais psiquiátricos eram quase sempre de pessoas com quadros psicóticos, transtornos bipolares ou depressão recorrente.

Quanto à automutilação, a médica psiquiátrica destaca que “são pessoas que não conseguem enfrentar as dificuldades naturais do desenvolvimento humano por não terem um repertório emocional, por causa de uma precarização de cuidados desde a infância, muitas vezes em famílias desestruturadas. E então, em geral, começam a desrespeitar o próprio físico. Não existe espiritualidade, por isso elas não veem necessidade de cuidar do corpo. Cabe todo tipo de profanação. Muitas começam por se tatuar em excesso e seguem para as autoagressões.”

Segundo a psiquiatra, um padrão repetido na guerra cultural é o desprezo à família tradicional e a desconstrução das relações entre pais e filhos, aliados a uma série de outros fatores, como a enxurrada de desenhos, seriados e filmes violentos; vídeos de “influenciadores digitais” desqualificando a família, os costumes, a fé e a religião; livros, artigos e músicas banalizando as relações humanas e o amor, pregando o ódio e a libertação do desejo reprimido, estimulando o sexo precoce e a troca frequente de parceiros.

“Os comportamentos sociais modernos geram uma sequência de fracassos a cada etapa da vida. Com a família desestruturada, não há ambiente propício para o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. A falta de amor gera vítimas. Muitas vezes, faltam o colo, o aconchego, o carinho e a proteção necessários para que a criança supere os desafios de cada etapa do crescimento. Com isso, ela chega à puberdade enfraquecida emocionalmente, desesperançada e se sentindo sem valor. E é nesse quadro que começa a automutilação, já que eles se veem despreparados para enfrentar os desafios da vida adulta”, diz a psiquiatra Ana Cristina Malheiros.

Como identificar e tratar a automutilação

Para os pais, a médica psiquiátrica aconselha observação e atenção a mudanças de comportamento dos jovens. Tendência a se isolar dos adultos é comum na adolescência, mas tristeza, não. Jovens que passam a vestir apenas calças compridas e mangas longas, mesmo nos dias mais quentes, podem estar querendo esconder machucados que tenham sido provocados por eles mesmos. Presença, diálogo e afeto são as melhores formas de evitar que a situação se agrave, mas acompanhamento psicológico é fundamental.

Em Curitiba, quem procura o Centro de Atenção Psicossocial TM (sigla para transtorno mental), normalmente vem encaminhado de um posto de saúde. O CAPS-TM oferece tratamentos com oficinas terapêuticas ou mesmo internação nos casos mais graves.

A Dra. Ana Cristina relata que os pacientes chegam tão esvaziados e desesperançosos e que não veem mais a importância da vida. “Minha missão é mostrar para eles que viver vale a pena. Só assim eles se sentem acolhidos. É preciso ouvir.”

“Há muito sofrimento, por mais banal que pareça o motivo. A última gota do copo cheio é precedida por uma série de sofrimentos. A automutilação é apenas um sintoma, que pode levar ao suicídio se não for tratada”, explica a psiquiatra.

No consultório, o trabalho do psiquiatra, além de medicar quando preciso, é ouvir o paciente e orientá-lo. A psicoterapia pode incluir também o tratamento da família, já que alguns doentes relatam ter sido vítimas de pedofilia e sofrido traumas na infância que culminam no ato de se automutilar, como uma espécie de autodesvalorização ou até mesmo de punição.

Confira matéria do site G1.

Be the first to comment on "Automutilação: o que está por trás de mais esta patologia mental da modernidade"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*