Houve uma vitória diplomática na visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA, mas, contrariando a avaliação de alguns otimistas, o vitorioso foi Donald Trump
Houve, de fato, uma vitória diplomática na visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, mas, contrariando a avaliação de alguns otimistas, o vitorioso foi o presidente Donald Trump. Sem o custo sequer de um voo em classe econômica, ele recebeu a homenagem e a promessa de apoio quase irrestrito do chefe de governo da maior economia latino-americana. “Eu apoio em grande parte as decisões do governo americano”, disse a um canal de TV o presidente Jair Bolsonaro, referindo-se a possíveis novas ações contra a ditadura venezuelana. Ele se absteve de indicar até onde estará disposto a aplaudir essas ações e é difícil, neste momento, imaginar um limite. Em Washington, ele chegou a declarar-se engajado na política da Casa Branca. Engajamento, na linguagem do dia a dia, é uma palavra geralmente mais forte que alinhamento. Os fatos poderão mostrar o peso real da linguagem, assim como o custo desse engajamento para o Brasil.
De volta a Brasília, o encarregado formal da diplomacia brasileira, ministro Ernesto Araújo, apresentou à imprensa um balanço da viagem. Segundo ele, a ideia era mostrar um “novo Brasil”, comprometido com as ideias de liberdade e grandeza. Nenhum dos dois compromissos foi mostrado na visita a Washington. O presidente brasileiro aceitou sem discussão renunciar às vantagens de país emergente na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca de uma promessa de apoio a seu ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A perda pode ser irrelevante, mas a delegação brasileira parece ter chegado a Washington desprevenida em relação ao tema. Terá faltado competência na preparação da viagem? A China também é emergente na OMC e o governo americano tem batalhado para mudar esse status, mas os líderes chineses têm resistido.
Segundo o ministro Araújo, o ingresso na OCDE será fundamental para a atração de investimentos e para o êxito do programa de reformas. Há quem acredite. Mas os fatos são mais complicados. Sem ser membro da OCDE, o Brasil tem sido um dos principais destinos do investimento direto. Poderá atrair volumes muito maiores, se o governo avançar na pauta de ajustes e reformas e criar condições para o crescimento. O avanço na pauta independe da OCDE. Alguém poderia explicar esse fato ao ministro Araújo, mas o esforço talvez nem valha a pena. Na visita a Washington, o ministro de fato foi o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. Em recente reunião do Grupo de Lima, a respeito da Venezuela, quem falou pelo Brasil foi o vice-presidente Hamilton Mourão.
A troca de concessões no comércio agropecuário, outro resultado da viagem, poderia ter sido negociada sem visita presidencial. Para isso bastaria, em condições normais, empenho na diplomacia comercial.
No governo anterior, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, conseguiu abrir mercados importantes sem dar trabalho ao presidente Temer. Sua sucessora, a ministra Tereza Cristina, tem exibido disposição para batalhar e negociar. O presidente e os outros ministros ajudarão se deixarem de criar problemas com grandes clientes da agropecuária brasileira, como a China e vários países muçulmanos.
As falas do ministro da Economia, Paulo Guedes, parecem ter agradado ao público empresarial. Mas ele poderia discursar com o mesmo sucesso em abril, em eventos paralelos à reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esses eventos são rotineiramente organizados nessas ocasiões e têm sido bem aproveitados por antecessores de Guedes. Ele poderá confirmar esse fato em menos de um mês, se preparar direito a viagem para a reunião do FMI.
É estranho o ministro Araújo falar de liderança mundial quando mal se cuida de consolidar uma liderança regional. Essa posição foi menosprezada quando Washington foi escolhida como primeiro destino estrangeiro do presidente Bolsonaro. A rigor, nem sequer houve aproximação com os Estados Unidos, mas com um presidente. Bolsonaro disse acreditar “piamente” na reeleição desse presidente. Pode estar certo, mas até no Partido Republicano norte-americano os valores de Trump são com frequência contestados. Bolsonaro confunde os valores trumpianos com os da cultura americana.
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