Aposto que você, como eu, fica muito indignado quando passa pela seguinte situação: você está numa fila, esperando a sua vez de ser atendido, e algum “espertinho” se acha no direito de entrar na frente. Se ele se enquadra num daqueles casos especiais em que a lei garante atendimento rápido (idosos, gestantes, mães com filhos de colo ou pessoas com deficiência), tem fila também especial e atendimento exclusivo. Caso contrário, o lugar dele é na fila comum, atrás de você e de todos os outros que chegaram antes.
É dessa ideia do “meu direito é maior que o teu” que eu quero falar hoje.
Voltando ao fura-filas… Quando um sujeito desses aparece a revolta é geral. Não conheço uma única pessoa que concorde com o abuso, mas a maioria se cala para evitar brigas ou até por timidez. O problema é que quando a gente se cala a injustiça se perpetua. Pior que isso: o privilegiado segue achando que tem mesmo mais direito que os demais. E é aqui que eu chego no ponto que eu quero: os dos privilégios que viraram regra no Brasil.
Todo mundo paga imposto, mas tem uma parcela da população que usufrui bem mais do dinheiro público.
Eu nem quero falar dos altos salários dos famosos “marajás”, que lá atrás, em 1989, fizeram o então governador de Alagoas Fernando Collor de Mello ser eleito presidente da República prometendo o fim das mordomias. Conseguiu convencer a maior parte dos eleitores, mas não cumpriu a maior promessa de campanha. E ainda fez tanta coisa errada, garantindo privilégios para si e para o seu grupo político, que acabou sofrendo impeachment.
Os privilégios a que me refiro estão toda hora no noticiário e estão vinculados a cargos e não a salários. Diferentemente do caso do fura-filas, eles são garantidos por lei. O curioso é que o sentimento por trás dos beneficiários das mordomias às custas do dinheiro público é o mesmo do fura-filas. Eles realmente se acham mais no direito do que os outros, só porque conquistaram (ou ganharam) determinado cargo.
Por que raios um desembargador precisa de um elevador diferente daquele usado pelos outros juízes no mesmo tribunal ou os juízes precisam de elevador diferente dos advogados, promotores, funcionários e demais pessoas que frequentam o prédio? Por que eles têm direito a “ajudas de custo” para comprar livros, ternos, até lanches especiais para os gabinetes?
Os famosos “bolsa-livro”, “bolsa-paletó”, “bolsa-fruta” e tantas outras aberrações, existem aos montes pelos tribunais de Justiça Brasil afora. E são poucos os magistrados que abrem mão dos benefícios garantidos por lei, normalmente aprovadas por compadres dos legislativos estaduais, que não raro estão retribuindo cargos dados a seus filhos ou esposas no Judiciário.
Isso sem falar no auxílio-moradia de juízes e promotores, que até 2018 consumia quase 450 milhões de reais dos cofres federais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mudou as regras, conseguiu uma boa economia, mas os nossos “nobres” representantes do Judiciário e do Ministério Público ainda têm direito a R$ 4.377,73 (mais de 4 vezes o valor do salário mínimo nacional) a título de ajuda de custo para pagar aluguel caso não haja imóvel funcional disponível para o magistrado, procurador ou promotor que veio de outra cidade ou nem ele nem o cônjuge possuam imóvel próprio na comarca em que vá atuar.
A imprensa não cansa de denunciar as barbaridades a que esse povo têm direito. Aqui na Gazeta do Povo mesmo o blog do jornalista Lúcio Vaz está recheado de exemplos, que você pode acessar pelos links abaixo. E compartilhar, para que mais gente saiba!
Absurdos intoleráveis
Veja o absurdo a que chegamos. Um ex-presidente condenado tinha motoristas e seguranças particulares à sua disposição, pagos com dinheiro público, mesmo quando estava preso! Collor e Dilma, que sofreram impeachment, têm direito a assessor de imprensa, seguranças, motoristas, carros oficiais, passagens aéreas e diárias de viagens, apesar de terem sido tirados do poder, porque desrespeitaram leis enquanto governavam o país.
E tem ainda as pensões de filhas solteiras de funcionários públicos. Numa reportagem recente Lúcio Vaz mostrou que a farra das filhas solteiras custa R$ 4 bilhões de reais por ano: tem até irmã e neta de 87 anos na “festa”.
A revista Piauí apurou que o Brasil pagou pensão por mais de 100 anos para os herdeiros de um tesoureiro da alfândega do Maranhão, que morreu em 1912. Ele nem tinha um cargo tão importante, fazia o que fazem os auditores fiscais de hoje. Além da viúva, todos os 8 filhos, pequenos na época, passaram a receber pensão, inclusive a menor, que era bebê. O benefício só foi extinto com a morte dessa última filha, em janeiro de 2019, aos 108 anos de idade. O benefício só foi suspenso, porque os filhos dela estavam todos casados na época do falecimento. Se uma das filhas tivesse ficado solteira, a pensão poderia se estender por mais uma geração.
E tem gente que ainda acha que o Brasil não precisava de reforma da Previdência e não precisa de reforma administrativa. O problema é que agora a gritaria precisa ser muito alta, porque quem vai votar a reforma administrativa também usufrui de privilégios. Com raras exceções de deputados e senadores que abriram mão de auxílio-moradia, veículo funcional e tantas outras “ajudas de custo”, são eles que vão decidir os cortes sugeridos pelo atual governo.
Haverá pressão para manter os privilégios também vindo de fora do Congresso, não só do Judiciário como do próprio Executivo, já que muitos servidores públicos não querem perder seus “direitos adquiridos”. A resistência já é explícita mesmo que as mudanças não atinjam os atuais servidores.
O que nós, meros mortais, podemos fazer? Acompanhar tudo com atenção, manifestar nossa opinião nas redes sociais, mandar e-mail e telefonar para deputados e senadores pedindo o fim dos privilégios. E, claro, ficar atento aos discursos e posicionamentos dos nossos representantes, saber como votam e agem quando estão no poder. Se furou a fila da ética é só mandar de volta pro fim da fila, não votando nessa pessoa na próxima eleição.
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