Ressentimento e vingança são maus conselheiros

| Foto: tali feld

Ao escrever um texto argumentando que Hans River não é um herói só por ter exposto o PT e a mídia “progressista”, já que nem tudo vale nessa batalha e que há mais do que antipetismo na vida, destaquei que é preciso traçar uma linha divisória da qual não estamos dispostos a cruzar, nem mesmo pelo nobre intuito de atacar o petismo. É onde acaba a civilização e começa a barbárie, onde nos confundimos com o monstro que pretendemos derrotar.

A reação de alguns leitores chamou minha atenção. Um deles disse com todas as letras o que muitos pensam, mas nem todos assumem: “Nao conte comigo, toda imoralidade é moral contra inimigos de uma nação”. Essa frase absurda justifica praticamente tudo. Ao mostrar isso ao leitor, ele não cedeu: “É uma questão de convencimento diretamente proporcional ao quanto sua vida já foi atingida pelos imorais e perversos”. E acrescentou: “Eu vivi e os meus viveram as consequências de toda sorte de crueldade dessa gente aí”.

Outro leitor, já que a questão virou um debate, pontuou corretamente: “Soa exatamente como uma máxima Nazista ou Comunista. Tudo era justificável, pela ótica deles, pq combatiam ‘inimigos da nação’. Cuba e Venezuela ainda o fazem, em nome de um combate aos ‘inimigos da Revolução’…”

No mais, quem define os “inimigos da nação”? Se eu discordar dele, será que me torno um dos inimigos? Essa visão maniqueísta, binária e tribal está na essência da intolerância e da barbárie, uma vez que não há mais qualquer nuance, região cinzenta ou espaço para dúvidas e diálogos. Como o PT é uma quadrilha criminosa que quase destruiu o Brasil, então tudo está liberado na guerra contra o petismo, inclusive atacar quem nunca foi PT na vida, mas não compactua com métodos indecentes.

Para o indivíduo em questão, porém, focar nesses princípios elevados é coisa de “poliana”: “Quem experimentou na pele do que essa gente é capaz, perde esse polianismo na hora”. Sem perceber, ele atesta que essa reação (esse reacionarismo) é puro ressentimento e desejo de vingança, e com tais paixões não se cria nada bom, não se constrói, apenas se destrói o que existe, deixando em seu lugar o caos.

Alexandre Borges resgatou um texto antigo de quando uma professora esquerdista foi espancada por um aluno, e concluiu: “Para ser contra a professora comunista, é preciso ser melhor que ela”. Ele desenvolve o raciocínio com base em Burke:

Burke acreditava na existência de uma “natureza humana” que nos caracteriza e une, construindo os laços de confiança que viabilizam a cooperação voluntária, a solidariedade e a vida em sociedade. É esta nossa “imaginação moral” que fornece, entre outras tendências, uma aversão “natural” à crueldade e à injustiça, algo que não precisa ser imposto, apenas cultivado, para que as virtudes vençam os vícios em cada indivíduo.

Temos visto muitos bolsonaristas que falam em nome do conservadorismo, do cristianismo, e alegam defender o resgate da alta cultura contra a barbárie disseminada pelo “progressismo”. Mas os métodos importam. Quem destila ódio, misoginia, sede de vingança e alimenta o puro ressentimento não está em condições psíquicas de liderar uma luta pela civilização contra a barbárie, pois já aderiu à barbárie e nem se deu conta ainda. É sendo melhor do que os inimigos, não agindo como eles, que poderemos fortalecer os pilares civilizacionais em nosso país.

Por Rodrigo Constantino.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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