A comparação dos servidores públicos a “parasitas” que estão matando o “hospedeiro”, feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, prejudicou o caminho a ser trilhado pela reforma administrativa do governo federal. As mudanças no regime de trabalho e remuneração de funcionários públicos fazem parte do ajuste fiscal ao qual a União precisa se submeter. Aliada ao teto de gastos e à reforma da Previdência, é a medida que falta para encaminhar o reequilíbrio das contas públicas.
A reforma administrativa é, também, uma das pontas mais complexas desse processo. O setor público tem de prestar bons serviços, o que implica ter funcionários qualificados. Por outro lado, os servidores formam uma categoria muito organizada, com capacidade de pressão e mobilização capazes de dificultar ou mesmo impedir mudanças na lei.
Esses fatores tornam mais difícil a tramitação de qualquer proposta de reforma administrativa, seja sugerida pelo governo ou pelos parlamentares. E o próprio Executivo dá sinais flagrantes de indecisão. Por ordem de Bolsonaro, a equipe econômica desistiu de enviar a proposta ao Congresso ainda em 2019. Depois, o governo chegou a sinalizar que encaminharia o projeto nesta semana, mas na terça (11), em questão de horas, mudou duas vezes de opinião sobre a forma como trataria do assunto – primeiro, deu a entender que poderia apoiar o texto de PEC que tramita no Congresso, para depois reconsiderar e afirmar que vai mandar sua própria proposta.
Independentemente de qual proposta vai avançar, algumas coisas são certas: o projeto será polêmico, haverá resistência e desidratações e a discussão é cheia de nuances. Por isso, a Gazeta do Povo separou sete pontos que ajudam a entender o panorama do serviço público no Brasil.
- Salário dos servidores públicos versus iniciativa privada
Um estudo do Banco Mundial divulgado em 2019 revelou que os servidores públicos federais recebem salários, em média, 96% maiores que os pagos a trabalhadores da iniciativa privada em funções semelhantes.
Esse dado ilustra uma particularidade brasileira: o órgão comparou os chamados “prêmios salariais” de outros 53 países, e a maior diferença entre setor público e iniciativa privada ocorre mesmo no Brasil. Em outros países, o setor público paga um “prêmio salarial” médio de 21% em relação ao setor privado. Nos estados, os servidores públicos recebem em média 36% mais que seus equivalentes no setor privado.
A exceção está no funcionalismo municipal, onde o salário médio é praticamente igual ao pago por empresas privadas, segundo o estudo.
O diagnóstico do Banco Mundial é de que o problema brasileiro não é a quantidade de funcionários, mas sim seus altos salários. E é no funcionalismo federal em que há a maior disparidade.
1- Centenas de carreiras e tabelas de progressão salarial
Parte do “problema” do funcionalismo público brasileiro vem da estrutura complexa: são pelo menos 300 carreiras diferentes, com 117 tabelas de progressão salarial distintas, conforme diagnóstico do Banco Mundial.
Um exemplo dessa complexidade do Estado é o do caso das estatais que foram extintas: como tinham estabilidade no emprego, muitos funcionários não foram reaproveitados em outras empresas públicas porque seus concursos de ingresso eram específicos demais. Por isso, a União tem um Departamento de Órgãos Extintos.
A sugestão é para que o Estado brasileiro diminua o número de carreiras, buscando a consolidação em carreiras transversais com atribuições amplas. Esse foi o caminho seguido por Portugal, que trocou mais de mil carreiras por três tipos mais genéricos e algumas específicas, como professores, médicos e enfermeiros, por exemplo.
2- Estabilidade sem avaliação de desempenho
A estabilidade no serviço público acabou tornando quase impossível demitir um funcionário público, a não ser em casos de adesão a programas de demissão voluntária ou em privatizações. Há razão de ser na estabilidade: os servidores não podem estar sujeitos aos humores da política para fazer a máquina andar. Por outro lado, o arranjo atual permite que servidores com mau desempenho recorrente sigam na ativa.
O Congresso analisa um projeto de lei há alguns anos que regulamenta um dispositivo previsto na Constituição: a avaliação de desempenho dos servidores. Esse sistema estabelece critérios de produtividade e qualidade, além de outros que seriam definidos para cada funcionário. Só seria demitido o servidor que tivesse um desempenho muito baixo – menos de três pontos em duas avaliações seguidas ou média inferior a cinco pontos nos últimos cinco anos.
3 – Bônus de produtividade para aposentados
Os governos, especialmente o federal, pagam uma série de penduricalhos que incrementam os vencimentos dos servidores, até mesmo dos que já se aposentaram. O governo já teve gasto mensal de quase R$ 700 milhões pagando bônus de produtividade para funcionários públicos que já estão aposentados.
Em contrapartida, servidores que já preencheram os requisitos para aposentadoria mas seguem trabalhando recebem o chamado abono de permanência. É uma iniciativa que prolonga o período de atividade de servidores experientes e gera economia para os cofres públicos, pois adia a substituição por novos funcionários. Segundo o Banco Mundial, até 2030 pelo menos 40% dos servidores públicos vão parar de trabalhar.
4 – O tamanho do gasto público com pessoal
O gasto com pessoal é a segunda conta que mais pesa dentro do Orçamento primário da União, ficando atrás apenas da Previdência – cerca de 20% das despesas da União são com salários do funcionalismo, na soma de ativos e aposentados. Em 2019, as despesas com servidores equivaliam a 4,4% do PIB. Um mês da folha de pagamento dos funcionários públicos federais – da ativa, aposentados e pensionistas – banca o equivalente a um ano do programa Bolsa Família.
Essa despesa pode ser ajustada compulsoriamente, caso o teto de gastos seja rompido. Se o teto de gastos estourar, os gatilhos que seriam acionados pela Emenda Constitucional 95 produziriam um congelamento dos gastos de pessoal. As regras estabelecem que não haverá mais reajuste para o funcionalismo e não poderão ser realizados concursos públicos até que as contas entrem em ordem.
Medidas semelhantes estão nas PECs Emergencial e do Pacto Federativo, que também trazem mecanismos de controle de gastos com o fim das promoções e reajustes.
Uma alternativa para o governo federal promover um ajuste fiscal é a redução dos salários iniciais dos servidores públicos. Uma estimativa do Banco Mundial mostra que limitá-los a R$ 5 mil para o início de carreira, aliado a um aumento do tempo necessário para se chegar ao topo da função, pode gerar uma economia de R$ 104 bilhões até 2030.
5- Servidor público não é tudo igual
Servidor público não é tudo igual e existem castas dentro dessa grande categoria. O Atlas do Estado Brasileiro 2019, do Ipea, analisou a evolução do setor ao longo das últimas três décadas, entre 1986 e 2017, e explicitou essa relação.
Dentro do funcionalismo público, há uma escala clara em relação à remuneração que se manteve nessas três décadas: a do Executivo federal é superior à do Executivo estadual, que por sua vez é maior que a do municipal.
Maioria absoluta no funcionalismo – eles são 57% do quadro total –, os servidores municipais recebem, em média, um terço do rendimento dos federais. E os funcionários das prefeituras têm grande contato com o público: cerca de 40% são ocupadas por profissionais do chamado “núcleo-duro” dos serviços de educação e saúde: professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.
Na divisão por Poderes, quem ganha mais são os que trabalham para o Judiciário. Em valores corrigidos, a remuneração na esfera federal passou de R$ 7,4 mil em 1986 para R$ 14,1 mil em 2017, um crescimento anual médio de 2%.
6 – Aposentadoria antes e depois da reforma da Previdência
Às vésperas da aprovação da reforma da Previdência no Congresso, houve uma disparada nos pedidos e concessões de aposentadorias de servidores públicos federais. As antigas regras previdenciárias dos servidores públicos eram bem mais generosas do que as aprovadas na reforma da Previdência. Essas mudanças reduziram a diferença do regime próprio de aposentadoria dos servidores em relação aos dos demais trabalhadores, mas só valem de imediato para os servidores federais. Estados e municípios terão de fazer suas próprias reformas.
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