Contrato fechado mesmo com alertas de fraude revela ‘disfunção burocrática’, diz jurista

O ministro da Cidadania, Osmar Terra Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Reportagem do Estado mostrou que Ministério da Cidadania ignorou alertas e aceitou certificado de serviço que nunca foi prestado por empresa de informática, segundo a PF

O Estado mostrou, nesta terça-feira, 11, que o Ministério da Cidadania ignorou alertas e aceitou um certificado de serviço que nunca foi prestado, segundo a Polícia Federal, para firmar contrato milionário com uma empresa de tecnologia. Segundo documentos obtidos pelo Estado, a Business to Technology (B2T) atestou à pasta sua capacidade técnica usando como base as ações que teria desempenhado anos antes no Ministério do Trabalho.

Apesar de ter sido alertado sobre a suposta fraude no atestado e de ter recebido recomendações da CGU e da AGU para suspender a contratação, o Ministério da Cidadania prosseguiu com o contrato de licitação. O negócio apresentado pela B2T como comprovante de experiência foi alvo, na última quinta-feira, 6, da Operação Gaveteiro e, segundo a PF, nunca foi prestado. A empresa é suspeita de ter sido usada como fachada para desviar R$ 50 milhões dos cofres públicos entre 2016 e 2018, durante a gestão de Michel Temer.

Para o professor de Direito Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Ari Sundfield, o episódio revela uma “disfunção burocrática” no âmbito da Administração Federal e expõe a necessidade de o governo criar um sistema integrado que facilite o controle e fiscaliação de atestados de execução emitidos por órgãos público em relação a prestadores de serviços.

Como o senhor enxerga esse problema?

Esse é um problema que a disfunção burocrática gera. O que acontece é que não existe um sistema de controle centralizado federal sobre esses atestados, o que deveria haver. É uma boa medida para o governo tomar: criar um sistema unificado de atestação de execução de contratos, para quando ocorrer uma suspeita grave de que ele, na verdade, não foi executado, o atestado seja suspenso. Aqui há complicação que é o fato de que o Ministério do Trabalho foi extinto, e por isso até que mostra como é importante ter um controle centralizado.

O Ministério poderia ignorar o atestado por causa da investigação em curso?

Seria preciso que existisse uma autorização, como um decreto. Se um alerta da CGU for considerado suficiente por um decreto do presidente da República para suspender o atestado, o Ministério poderia desconsderá-lo, mas não existe essa regra hoje. É um problema que hoje existe na organização da administração federal que não foi solucionado, e acho até que dá para organizar bem, porque existe a CGU, que inclusive está fazendo investigação. Portanto, isso tem solução na esfera burocrática, mas o Ministério da Cidadania não teria competência para resolver o problema. 

Qual seria a solução?

A solução seria o presidente da República editar um decreto dizendo que fica atribuída à CGU a competência para fazer o registro centralizado de todos os atestados de desempenho e para suspender a eficácia dos atestados de contratos que sejam objetos de investigações que apontem indícios de irregularidades graves. Com isso, a CGU teria competência para suspender cautelarmente. Uma outra solução é uma que se adota na Petrobrás, que baseia em um dispositivo que tem na Lei das Estatais para criar uma espécie de compliance dos seus fornecedores. Há um departamento de compliance, que não tem nada a ver com o departamente que cuida da licitação, que fica o tempo inteiro procurando dados sobre os fornecedores: na internet, nos jornais, nos processos judiciais, nos inquéritos policiais. Surgiu um alerta, eles reclassificam o nível de risco e suspendem a empresa do cadastro. Mas para isso, no caso da Adminstração Direta, precisaria de uma mudança legal.

Confira matéria do site Estadão.

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