Último aditivo, fechado na gestão atual, excluiu empresário e ex-ministro da investigação; banco afirmou que eles não poderiam ser obrigados a dar entrevista para a auditoria porque não são funcionários da instituição
BRASÍLIA – O último aditivo do contrato da auditoria que custou R$ 42,7 milhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para abrir a “caixa-preta” nas operações com o grupo J&F poupou o empresário Joesley Batista e o ex-ministro Antônio Palocci de serem investigados.
O contrato foi assinado com a KPMG, que acompanhou a auditoria como revisor, no dia 2 de setembro de 2019, pelo atual presidente do banco, Gustavo Montezano. O documento previa que a empresa, em conjunto com a Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, ampliasse o escopo da auditoria para entrevistar e investigar os alvos da Operação Bullish, deflagrada em 14 de março de 2019.
A auditoria completa mirou R$ 21,2 bilhões desembolsados em oito operações a empresas do grupo J&F (JBS, Bertin e Eldorado Celulose) entre 2005 e 2018. O Estado revelou que, ao final, depois de o BNDES desembolsar R$ 42,7 milhões, nada foi encontrado de irregular na conduta do banco.
O BNDES não esclarece se as atuações de Joesley e Palocci foram investigados em algum momento da auditoria. No fim do ano passado, o Ministério Público Federal de Brasília acusou a JBS de fraude no BNDES e cobrou devolução de R$ 21 bilhões aos cofres públicos. O executivo e o ministro, e outras 12 pessoas, foram acusados de fraudes nas operações de apoio financeiro do BNDES ao frigorífico, especialmente no processo de internacionalização da empresa, como desdobramento da Operação Bullish (mais informações abaixo).
O presidente Jair Bolsonaro, que passou a campanha eleitoral inteira prometendo abrir a “caixa-preta” do BNDES, exigiu explicações do comando do banco sobre o valor do contrato, assim como congressistas e o Tribunal de Contas da União (TCU).
No aditivo para ampliar o contrato da KPMG em R$ 2,3 milhões, assinado por Montezano, há a ressalva de que não vão ser consideradas no escopo da auditoria “custodiantes” que tiveram as denúncias negadas na 12.ª Vara Federal do Distrito Federal.
Apesar de não citar nominalmente Joesley e Palocci, apenas eles e três funcionários do banco tiveram denúncia rejeitada por crimes em financiamentos no BNDES, em 25 de maio de 2019. A decisão foi do juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12.ª Vara do DF.
O Estado consultou especialistas que disseram que uma auditoria, exatamente por não ser um procedimento policial, pode tentar ouvir qualquer pessoa, sem restrições. Serve, a princípio, para implementação de boas práticas.
Bolsonaro reclamou dos aditivos. “Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho”, afirmou, chamando Montezano de “garoto”. Em entrevista coletiva, no entanto, o presidente do BNDES justificou a prorrogação. “Eu entendi que ele (Bolsonaro) quis dizer que parecia que alguém queria gastar todo o dinheiro possível na investigação. E a gente provou aqui que não foi o caso, o banco gastou o necessário para cumprir o mandato do escopo da investigação”.
Perguntado sobre o motivo de os trabalhos serem ampliados quando já se constatava não existirem indícios, Montezano defendeu que foi preciso continuar “varrendo”. “Você tem que exaurir as provas, tem que exaurir o não. Quando você não acha, você vai varrendo”, afirmou.
Em nota, o banco afirmou que Joesley e Palocci não poderiam ser obrigados a dar entrevistas para a auditoria porque não são funcionários do banco. “A equipe de investigação não podia obrigar ex-funcionários e pessoas sem relação contratual de trabalho com o BNDES a participar de entrevistas, nem analisar documentos confidenciais que não estavam sob controle do BNDES ou de seus funcionários”, afirmou. (Veja o outro lado completo abaixo)
No caso de Joesley e Palocci, o juiz considerou que os denunciados, por terem feito acordo de colaboração premiada no âmbito da Lava-jato, deveriam ficar de fora da denúncia não para inocentá-los das acusações, mas porque ambos contribuíram com a Justiça por terem feito as delações. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão do magistrado.
Por se tratar de uma auditoria independente, o próprio banco já admitiu que cabe à própria instituição e à KPMG definir o escopo de investigados. O contrato deixa claro que a escolha por investigar os alvos da Bullish foi uma demanda que surgiu assim que o MPF apresentou os resultados da operação. Para tornar o custo da auditoria menor, a estratégia foi direcionar as entrevistas aos alvos que já tinham sido investigados.
Operação Bullish
Deflagrada em 2017, a Operação Bullish investigou fraudes e irregularidades em aportes concedidos pelo BNDES, por meio do BNDESPar, braço de participações do banco, ao frigorífico JBS. O banco teria beneficiado o grupo com juros mais baixos e agilidade nos empréstimos como, por exemplo, para a compra do frigorífico Bertin.
Na ação penal, o MPF pediu reparação de R$ 5,5 bilhões aos cofres públicos – valor que inclui R$ 1,86 bilhão de suposto prejuízo apurado, em valor atualizado – e outros R$ 3,74 bilhões como indenização.
Em relação ao dono da JBS, acusado de corromper os políticos, o magistrado justificou que não aceitaria a denúncia porque Joesley é delator com benefícios homologados pela Justiça. Bastos ressaltou, na ocasião, que o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou imunidade penal ao empresário quando homologou o acordo de delação premiada negociado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Ao analisar as acusações contra Palocci de formação de quadrilha, corrupção passiva, gestão fraudulenta, prevaricação e lavagem de dinheiro, o juiz federal considerou que não havia provas suficientes.
No entanto, os procuradores da República Ivan Marx e Francisco Guilherme Vollstedt Bastos entraram com recurso e argumentaram que colaboradores premiados, como Joesley e Palocci, não podem receber benefícios sobre crimes não admitidos na delação.
No documento, os integrantes da Operação Bullish afirmam que, embora Joesley Batista tenha abordado em sua colaboração premiada fatos envolvendo o BNDES, o empresário negou a existência de irregularidades nos contratos firmados entre o grupo J&F e o BNDES.
Na avaliação do MPF, Joesley negou nos depoimentos da delação premiada a existência de todos os possíveis crimes contra o sistema financeiro apontados pela Operação Bullish, que foram alvo da denúncia dos procuradores da República de Brasília.
Ao reforçarem as acusações contra Palocci no recurso, o Ministério Público Federal ressaltou que não há informação oficial de que o ex-ministro dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tenha obtido o benefício da imunidade penal.
Outro lado
“Inicialmente destacamos que a investigação forense foi contratada para identificar evidências de corrupção; suborno e influência indevida junto ao corpo técnico do BNDES que pudessem ter impactado a análise, aprovação e contratação de 8 operações relevantes do BNDES com o grupo JBS entre os anos de 2005 a 2018.
Referente ao serviço adicional da investigação, atribuído em julho de 2019 ao Cleary Gottlieb e seu subcontratado Protiviti e ao contrato adicional de shadow firmado em agosto de 2019 com a KPMG Assessores, o BNDES esclarece que todos os empregados do Banco identificados na denúncia do Ministério Público Federal foram objeto da investigação interna conduzida pelos contratados.
Em relação aos três empregados do Sistema BNDES que foram inicialmente abarcados na denúncia apresentada pelo MPF em março/2019 na qualidade de réus, mas que a Justiça recusou as denúncias dois meses após, em maio/ 2019, todos foram considerados custodiantes na investigação do BNDES e entrevistados pela equipe de investigação. Baseado nos dados coletados, a investigação determinou que não seria necessário fazer o “background check”.
Sobre o questionamento a respeito de Antonio Palocci e Joesley Batista, esclarecemos que indivíduos que não eram empregados do banco não puderam ser considerados custodiantes e, por isso, não foram entrevistados, conforme explicitado no Resumo do Relatório de Investigação divulgado em dezembro. A equipe de investigação não podia obrigar ex-funcionários e pessoas sem relação contratual de trabalho com o BNDES a participar de entrevistas, nem analisar documentos confidenciais que não estavam sob controle do BNDES ou de seus funcionários.”
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