O Brasil perdeu uma posição e manteve sua nota no Índice de Percepção da Corrupção, produzido desde 1995 pela Transparência Internacional e que não consiste em uma única pesquisa, mas em uma combinação de 13 avaliações realizadas por diversas entidades. Com 35 pontos em uma escala que vai de zero a 100, o Brasil caiu, em 2019, da 105.ª para a 106.ª posição, a pior desde 2012. O desempenho, infelizmente, não chega a ser uma surpresa, dados tantos revezes no combate à corrupção ocorridos no país ao longo do ano, e que decepcionaram vários brasileiros que, nas eleições de 2018, mostraram sua vontade de colocar um fim na roubalheira e nos privilégios dos corruptos.
Um aspecto importante a se mencionar é que o índice, ao tratar de “percepção da corrupção”, mede o quanto uma nação é vista como corrupta. Isso explica, por exemplo, a queda abrupta do país ocorrida a partir de 2014, quando o Brasil era o 69.º colocado e tinha nota 43. Não é coincidência que o aumento da percepção da corrupção tenha caminhado lado a lado com a Operação Lava Jato, que mostrou ao país o tamanho do esquema montado pelo lulopetismo para fraudar a democracia. Portanto, por mais que o melhor desempenho do Brasil no IPC sejam os de 2012 e 2014, não significa que o país fosse menos corrupto então; na verdade, os esquemas do PT corriam soltos à época, e só não eram conhecidos da população. À medida que o brasileiro soube do tamanho do petrolão, a percepção da corrupção também cresceu.
As grandes derrotas do Brasil no combate à corrupção em 2019 não vieram do Executivo, e sim do Legislativo e do Judiciário
O que fez a diferença em 2019 não foi tanto uma explosão de novos escândalos, mas de retrocessos no combate à corrupção. É verdade que surgiram casos que ainda esperam resposta adequada das autoridades, como o suposto envolvimento do ministro do Turismo em denúncias de uso de candidatos laranjas pelo PSL. Também continua havendo suspeitas sobre movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro – e dúvidas sobre até que ponto Jair Bolsonaro está tentando blindar o filho. A Transparência Internacional mencionou, ainda, o fato de o presidente ter nomeado um procurador-geral da República fora da lista tríplice, mas este fato é secundário, pois esta é uma prerrogativa presidencial; o verdadeiro problema era o fato de o escolhido, Augusto Aras, ter endossado a perigosa (e falsa) narrativa sobre “excessos” cometidos pela Lava Jato.
Mas as grandes derrotas do Brasil no combate à corrupção em 2019 não vieram do Executivo, e sim do Legislativo e do Judiciário. O Congresso Nacional infelizmente cumpriu as previsões tanto do ex-juiz e hoje ministro Sergio Moro quanto dos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, repetindo o roteiro italiano e trabalhando para dificultar o trabalho dos órgãos de investigação e dos bons juízes. A Lei de Abuso de Autoridade, por exemplo, foi desenhada sob medida não para coibir os verdadeiros abusos, mas para amarrar as mãos de procuradores, promotores e juízes. Da mesma forma, o pacote anticrime enviado por Moro ao Congresso foi violentamente alterado, com a retirada de trechos positivos e a introdução de dispositivos que dificultarão medidas como a prisão preventiva. Mudanças em regras eleitorais e partidárias também tornaram mais difícil o controle do uso do dinheiro público destinado às legendas.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal tomou várias decisões que abalaram a esperança do brasileiro de ver os corruptos devidamente punidos. A corte reverteu seu entendimento sobre o início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, enviou casos de corrupção para a Justiça Eleitoral e anulou julgamentos da Lava Jato devido à ordem de entrega de alegações finais de delatores e delatados, inventando um suposto cerceamento de defesa quando o que houve foi a mera aplicação do Código de Processo Penal. Decisões individuais também interferiram no combate à corrupção, como a liminar de Dias Toffoli que paralisou várias investigações envolvendo o compartilhamento de dados do antigo Coaf – o plenário acabou revertendo a decisão.
A Operação Lava Jato e outros esforços de combate à corrupção continuam em marcha, mas a janela de oportunidade aberta em 2014 pode se fechar em breve, sem que tenha surgido um legado que torne mais difícil a vida dos corruptos e facilite a investigação e a punição dos escândalos. Se o marco legal e a jurisprudência que estão sendo construídos agora amarrarem as mãos dos órgãos de investigação e dos magistrados empenhados em combater a ladroagem, haverá mais razões para o Brasil continuar caindo nos rankings de percepção da corrupção.
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