Como o PCC “invadiu” o Paraguai e o que a internacionalização significa para o Brasil

PCC expandiu sua presença fora do Brasil nos últimos anos| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Duas fugas em massa nesta semana levam mais uma vez a atenção para uma das principais facções criminosas do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC). No domingo (19), 76 integrantes da organização criminosa fugiram da Penitenciária Regional de Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Em menos de 24 horas, houve outra fuga em Rio Branco, no Acre, quando 26 integrantes do PCC fugiram do Complexo Penitenciário Francisco d’Oliveira Conde.

Ainda não há confirmação de que as duas fugas estejam relacionadas, mas os eventos trazem à tona a internacionalização da facção, que nasceu nos presídios de São Paulo, dominou o país e tem atuado em outras regiões da América Latina.

O PCC está presente em pelo menos quatro países da América Latina, segundo o pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência da FGV e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Bruno Paes Manso. Além do Paraguai, a facção também já foi identificada em presídios da Bolívia e tem relações comerciais no Peru e na Colômbia. Manso é um dos autores do livro “A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”, que fala sobre a expansão da facção.

A internacionalização ocorreu, segundo Manso, a partir de 2005. “É justamente essa história que a gente conta, a mudança de patamar, principalmente depois de 2005, 2006 e 2007, do PCC e dessa liderança nova desse grupo que assume a chefia, do Marcola, que passou a atuar no atacado da droga e para isso foi para as fronteiras da América do Sul, aproveitando a presença que já tinham nas prisões do Paraná e do Mato Grosso do Sul”, explica o pesquisador.

Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, é apontado pela polícia como o líder do PCC. Ele está preso na Penitenciária Federal de Brasília, um presídio de segurança máxima, desde março do ano passado.

O promotor de Justiça do Gaeco de São Paulo Richard Encinas investiga o PCC e classifica a facção como um tipo de megaempresa do crime, que busca a internacionalização. “O PCC acabou sendo uma grande franquia, vamos dizer assim, para diminuir a beligerância entre os criminosos, passou a ser um ponto de referência para os criminosos”, explica o promotor.

Com isso, a facção teve sucesso em São Paulo e passou a se nacionalizar. “As coisas foram aumentando e eles perceberam o seguinte: ‘poxa, se nós somos grandes distribuidores, temos o ponto de venda, temos o transporte, por que não investir na produção?’. E aí eles passaram a ir para os países da América Latina produtores de droga”, completa.

Presença no Paraguai e na Bolívia

Segundo Encinas, Paraguai e Bolívia foram os destinos favoritos de membros do PCC – e não foi à toa. De acordo com o promotor, o Brasil tem uma estrutura judiciária, de Ministério Público e de polícia mais eficaz no combate à organizações criminosas do que esses países.

“Eles acabaram sediados na Bolívia e no Paraguai porque os dois têm a mesma estrutura de acolhimento desses criminosos, que conseguem identidades novas sem serem incomodados. É muito fácil você chegar no Paraguai ou na Bolívia com algum dinheiro, com documentos falsos e começar, entre aspas, uma nova vida lá”, explica Encinas.

Para o promotor, a sensação de impunidade e alguma familiaridade com a língua são fatores que contribuem para esses países serem escolhidos por integrantes do PCC. Ele ainda lembra que esses são países em que há um problema de desigualdade social muito grande, com valorização de figuras que se tornam “benfeitores do crime”, em uma estrutura que viabiliza a impunidade.

Em relação ao Paraguai, o pesquisador Bruno Paes Manso levanta ainda mais um fator para a presença do PCC no país: negócios. “Boa parte da maconha brasileira vem do Paraguai, além de ser um corredor importante da cocaína Bolívia, então acaba sendo estratégico”, explica.

Cidades estratégicas para o PCC

As duas cidades que registraram fuga de membros do PCC são estratégicas para a facção por fazerem parte da rota de distribuição de drogas. A cocaína que é produzida em países como Peru e Bolívia – maiores produtores do mundo – passam pelas cidades antes de chegar aos portos brasileiros. De lá, são exportadas para países da Europa, África e Ásia.

Estima-se que o quilo de cocaína seja vendido nos países produtores a US$ 2 mil e chega ao Brasil custando US$ 6 mil. Depois de passar pelo Brasil e ser escoada pelos portos, a cocaína chega a Europa custando em torno de US$ 35 mil e US$ 40 mil, o quilo.

PCC não quer estar na Colômbia
Apesar de serem países produtores de drogas, o PCC tem uma presença tímida em países como Colômbia e Peru. “O PCC atuar em um país não significa que domine um território, são contatos comerciais. Esse comércio no Peru e na Colômbia também existe”, diz Manso.

Para Encinas, há dois motivos pelos quais o PCC não atua fortemente na Colômbia. O primeiro é não ter interesse em comprar briga com cartéis colombianos. O segundo é evitar entrar no radar do Drug Enforcement Administration (DEA) dos Estados Unidos, unidade de gestão de repressão a drogas.

“É curioso que na Colômbia eles [PCC] não têm grandes penetrações porque os cartéis colombianos são muito fortes. A Colômbia hoje teve um combate eficaz, notadamente à produção de drogas, notadamente pela preocupação dos Estados Unidos, que injetou muito dinheiro, estrutura, capacitação e policiais no combate ao narcotráfico lá. E o PCC não quer o DEA na cola deles”, diz o promotor do Gaeco.

Segundo o promotor, o PCC não chamou a atenção dos norte-americanos porque não exporta drogas para os Estados Unidos. “O PCC não é um problema para os Estados Unidos. O PCC domina rotas para África e Europa, eventualmente para a Ásia”, completa.

Já o Peru, segundo Encinas, ainda é um país em disputa da rota do tráfico, para logística e produção de drogas. Ele lembra que foi a disputa pela rota de escoamento de drogas do Peru que desencadeou um conflito recentemente entre duas facções na região norte do Brasil no ano passado: a Família do Norte (FDN) e o Comando Vermelho (CV).

Além disso, segundo Encinas, é mais prático para integrantes do PCC que estão na região do Mato Grosso do Sul, dominada pela facção, atravessarem a fronteira de Ponta Porã com a cidade de Pedro Juan Caballero do que se deslocarem até o Peru. Já no Paraguai, o trânsito com a fronteira da Bolívia ocorre quase sem impedimentos.

Como foi a fuga de membros do PCC no Paraguai

A Penitenciária Regional de Pedro Juan Caballero fica na fronteira com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. A fuga no Paraguai aconteceu através de um túnel construído a partir da parede do banheiro de uma das celas. Dos 76 fugitivos, 40 são brasileiros e 36 são paraguaios – todos do PCC.

Após a fuga de presos no Paraguai, o Ministério da Justiça, por meio do programa Vigia, reforçou o policiamento na fronteira com o país vizinho, com helicópteros e barreiras. O objetivo é impedir que os fugitivos entrem no Brasil. Pelo Twitter, o ministro Sergio Moro afirmou que se voltarem ao Brasil, os integrantes do PCC que fugiram do Paraguai “ganham passagem só de ida para presídio federal”.

Na lista de fugitivos está, por exemplo, Timóteo Ferreira, brasileiro apontado como líder da facção dentro do presídio paraguaio. Também há integrantes do grupo de matadores de aluguel “Minotauro”, ligado ao tráfico de drogas.

Fuga em Rio Branco

Na madrugada de segunda-feira (20), menos de 24 horas após a fuga no Paraguai, 26 presos ligados ao PCC fugiram do principal presídio de Rio Branco, no Acre. Investigadores brasileiros apuram se as duas fugas podem estar relacionadas. O governo do Acre pediu apoio à Polícia Federal (PF) e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nas investigações.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Acre, os presos fizeram um buraco na parede da cela e usaram lençóis para confeccionar cordas e pular o muro da penitenciária, de cerca de três metros de altura.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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