Os grupos proprietários das maiores TVs do Brasil somam dívida de R$ 223 milhões com a Previdência. O número consta de informações do Ministério da Economia obtidas pelo Poder360 via LAI (Lei de Acesso à Informação).
A RedeTV! é a que mais deve: R$ 136,5 milhões. O Grupo Globo aparece em 2º lugar, com dívida de R$ 52,4 milhões. A única das 5 grandes emissoras de TV sem dívidas com a previdência é o SBT. Eis a lista:
O não pagamento da Previdência Social está listado no artigo 168-A do Código Penal, que trata de apropriação indébita:
“Art. 168-A. Deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”.
Neste tipo de crime entende-se que a empresa retirou do salário do contribuinte (seus funcionários) o valor destinado à Previdência, mas deixou de repassá-lo ao governo, apropriando-se, portanto, de valor que nunca foi dela.
A punição ao crime pode ser extinta se a empresa confessar a dívida e prestar as informações devidas à Previdência Social. É o que acontece com a maior parte da dívida das emissoras. Dos R$ 233 milhões de débitos, só R$ 6 milhões da dívida previdenciária da RedeTV! consta nos dados do governo em situação irregular.
O advogado José Carlos Tórtima, especialista em Direito Penal Econômico, afirmou ao Poder360 que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal) recentemente flexibilizaram o entendimento do crime de apropriação indébita previdenciária.
“É 1 caso de ilícito penal fiscal ou previdenciário em que não existe fraude. O contribuinte não faltou com a verdade de que era devedor daquela importância. Mas se considera que neste caso há crime, salvo quando a empresa não teve condições de pagar o tributo a menos que sacrifique a folha de pagamento”, disse.
DÍVIDA TOTAL: R$ 833 MILHÕES
Ao incluir outros débitos, como impostos e multas, a dívida dos grupos de TV quase quadruplica. Levando-se em consideração esses valores, a Rede TV! tem R$ 434 milhões inscritos na dívida da União. A Globo, R$ 242 milhões. Abaixo, as dívidas detalhadas:
Do total da dívida, R$ 820 milhões (98%) estão na contabilidade do governo classificados em situação regular. Ou seja, os créditos podem estar já garantidos, suspensos por decisão judicial e/ou parcelados. Nessa situação, a dívida pode ter exigibilidade suspensa, o que significa que existe, mas que a cobrança está impedida até que se tenha, por exemplo, uma decisão definitiva da Justiça.
Além das 5 grandes redes de TV, destacam-se entre as emissoras na dívida ativa da União:
- CNT – R$ 58 milhões (R$ 27,7 milhões à Previdência);
- Verdes Mares (afiliada da Globo no Ceará) – R$ 34 milhões (sem dívida com o INSS);
- TV Liberal (afiliada da Globo no Pará) – R$ 33 milhões (R$ 9 milhões com a Previdência).
O Poder360– também cruzou os CNPJs de todas as concessões de rádio e TV com a base completa da dívida ativa da União. Há 1.039 concessões com dívidas somadas de R$ 3,6 bilhões. A última atualização dessa base é de setembro de 2019. Os dados são, portanto, mais antigos que os recebidos por meio de Lei de Acesso à informação (que, embora tenham sido enviados à reportagem na semana passada, indicam atualização da base de novembro de 2019), mas mais completos. A maior devedora na época era a Rádio Clube de Pernambuco, ligada ao Diário de Pernambuco, com R$ 458 milhões.
NA MIRA DE BOLSONARO
Em 29 de outubro, Bolsonaro ameaçou de maneira velada a Rede Globo em uma live: “Tem empresa que vai renovar seu contrato brevemente, eu não vou perseguir ninguém. Quem estiver devendo, vai ter dificuldade. Então os órgãos de imprensa jogam pesado para ver se me tiram de combate para facilitar sua vida”.
Após a divulgação de que sua casa foi citada na investigação do caso Marielle, o presidente atacou a rede da família Marinho: “Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram“.
No Brasil, as emissoras de rádio e TV são concessões públicas. A autorização para operar tem de ser renovada a cada 10 anos (rádios) ou 15 anos (TVs). Quem faz isso é o presidente, mas o Congresso pode referendar ou derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal.
A concessão da Globo vence em 15 de abril de 2023, mas o presidente pode decidir sobre ela até 1 ano antes de vencer: abril de 2022, portanto. Alteração de 2017 no Código Brasileiro de Telecomunicações retirou do texto a necessidade de cumprimento de “idoneidade técnica, financeira e moral”, o que enfraquece a ideia de retirar concessões de empresas em dívida, a ameaça Bolsonaro.
OUTRO LADO
- RedeTV: “Os números apresentados absolutamente não conferem com nosso balanço. Como se sabe, a empresa tem capital fechado e não publica seus números, talvez por isso essa informação tão distorcida. Apenas a título de contribuição espontânea, a empresa apresenta EBITDA positivo e endividamento totalmente compatível com sua receita.”
- Globo: “O Grupo Globo paga todos os seus impostos e não tem débitos fiscais. A empresa questiona administrativamente ou em juízo algumas cobranças do Fisco, como garante a lei, por entender que são indevidas. E acatará e cumprirá integralmente as decisões finais, quaisquer que sejam os processos. O Grupo Globo cumpre rigorosamente as suas obrigações legais. Nossa situação fiscal é verificada anualmente por auditoria externa especializada e publicada em nossas demonstrações financeiras.”
- Bandeirantes: “A Rádio e Televisão Bandeirantes S.A. encontra-se em situação regular com os seus tributos e impostos federais, estaduais e municipais, não tendo qualquer dívida que impeça o exercício de suas atividades perante os órgãos públicos.”
- CNT: não enviou resposta escrita. Fez ligação à reportagem, na qual afirmou que tem dívida de R$ 13.1205.199,87 e está na “iminência de liquidá-la”.
- TV Verdes Mares, TV Liberal e Record: foram contatadas e não enviaram resposta até a conclusão deste texto. O espaço permanece aberto.
- SBT: “Há cobranças que estão em discussão e com exigibilidade suspensa. Logo, não podem ser executadas pelo Fisco. A situação é totalmente legal e não há débitos com o INSS. ”
NÚMERO IRRISÓRIO DE RENOVAÇÕES EM 2019
Conforme noticiou o Poder360 em 30 de dezembro de 2019, o governo terminou o ano passado com 1 número irrisório de pedidos de renovação de outorga de serviços de radiodifusão (rádios e TVs) enviados ao Congresso.
De acordo com o presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA), normalmente são encaminhados “em torno de 1.000 pedidos” ao ano. Em 2019, a quantidade “quase não chegou a 50″.
O encarregado de levar adiante as renovações (ou não) é o secretário de Radiodifusão do MCTIC, coronel da reserva do Exército Elifas Chaves Gurgel do Amaral, formado na Academia Militar das Agulhas Negras, em 1978. Graduou-se em Engenharia da Computação pelo IME (Instituto Militar de Engenharia), em 1989.
Elifas Gurgel presidiu a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em 2005, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Integrou uma comissão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que desenvolveu a urna eletrônica –da qual o governo atual é crítico.
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