Clube quase centenário na orla da Beira-Mar passará por intervenções para atrair mais público e equilibrar contas milionárias. Mudanças não devem afetar a área externa do equipamento, tombado pelo Município desde 2012
Em junho do ano passado, o Náutico Atlético Cearense completou 90 anos de existência como um dos mais tradicionais clubes de Fortaleza e com um desafio maiúsculo: equilibrar as contas diante da diminuição no número de sócios, quando comparada aos tempos áureos. Para ter êxito, a atual diretoria do equipamento planeja a instalação, até o fim do primeiro semestre de 2020, de um novo teatro, uma cafeteria e dois restaurantes em áreas do espaço interno. Uma parceria deve ser firmada com investidores da Espanha até o dia 15 deste mês.
O Teatro Pedro Coelho de Araújo (TPCA) – que presta homenagem ao jovem fundador e primeiro presidente do Clube – terá capacidade de 200 lugares e múltiplos usos, podendo abrigar shows, palestras e lançamentos de produtos. Ele “inaugurará um novo tempo para o Náutico e para toda a população do nosso Estado, pois será aberto ao público e contará com o que há de mais moderno em equipamentos cênicos, conforto ambiental e acústico”, espera Luiz Deusdara, arquiteto e sócio do Clube que assina o projeto.
Na concepção, foram levados em conta os traços do edifício projetado pelo húngaro Emílio Hinko, ainda na década de 1940. O TPCA terá o uso de painéis de vidro transparentes deslizantes, possibilitando o uso de ar condicionado e servindo de base para cortinas dos tipos blecaute e voal. As 200 poltronas, revestidas em tecido vermelho, serão removíveis e poderão ser utilizadas em outros eventos. Já o palco será remodelado e receberá equipamentos de iluminação e som.
O teatro, orçado em torno de R$ 1,5 milhão, funcionará no Salão Nobre que, segundo a diretoria, será totalmente restaurado, climatizado e integrado com o estacionamento e os restaurantes. Segundo o presidente do Náutico, Jardson Saraiva Cruz, serão dois: um mais formal, com cortinas e lustres, e outro mais “despojado, casual”. “Eles vão se interligar e participar da vida da Nova Avenida Beira-Mar”, adianta o gestor.
O “complexo cultural e gastronômico”, como ele define, deve receber ainda uma cafeteria, no local onde hoje funciona o restaurante. Os novos equipamentos serão abertos ao público. Sócios terão descontos e acessos diferenciados. “Mas não vamos mexer com a estrutura em termos visuais”, garante Jardson, já que a parte mais antiga do imóvel é tombada definitivamente pelo Município de Fortaleza desde 2012.
Modernização
O presidente explica que as novas iniciativas não têm ligação com o projeto “Novo Náutico”, anunciado em agosto de 2013 e que gerou divergências. A iniciativa previa o arrendamento de parte do Clube para a construção de um hotel, um shopping center e torres empresariais, além de quadras de tênis e duas mil vagas de estacionamento, a fim de sanar as dívidas do equipamento. Os contrários alegavam a impossibilidade de execução do projeto devido ao tombamento do prédio.
“Não é que esteja na gaveta. Esse projeto morreu. Ele tinha valor de quase R$ 1 bilhão e não foi viabilizado. Esse projeto atual é de melhoria do Clube. Com essa abertura, queremos que a população conheça e participe das atividades do Náutico, e principalmente trazer de volta os nossos sócios. Em tempos áureos, chegamos a ter 16 mil. Hoje, são 2 mil. A cultura mudou, os costumes mudaram”, avalia Cruz.
Além de suprir uma carência de espaços culturais na área do Meireles, na visão do presidente, as mudanças serão importantes fontes de recursos financeiros. Embora não deva a “nenhum fornecedor ou empregado”, o Clube precisa arcar com tributos “pesados”. “Só o nosso IPTU é de R$ 337 mil por mês, enquanto nossa arrecadação é em torno de R$ 240 mil”, diz.
Imbróglio
As alterações serão implementadas após uma disputa judicial entre os representantes do Náutico e o Ministério Público Federal (MPF). Em janeiro de 2018, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural (Coepa) rejeitou a abertura do processo de tombamento do setor multiesportivo, que havia sido recomendado em 2015 pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). O MPF entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal para anular a decisão.
Em nota, o órgão informou que, em maio de 2019, a Justiça Federal julgou improcedente a ação. A sentença foi assinada pelo juiz federal da 5ª Vara, João Luís Nogueira Matias, para o qual “não há o que se falar em irregularidade na deliberação tomada” na reunião do Coepa. O MPF, por meio do procurador da República Oscar Costa Filho, ingressou com recurso (apelação) em julho do mesmo ano e ainda aguarda nova decisão.
Também em 2019, a União pediu a reintegração de posse do Clube por inadimplência quanto à taxa de ocupação de terreno da Marinha. À época, o acumulado dos valores não pagos chegava a mais de R$ 8 milhões. Ainda não há sentença sobre a ação, mas uma decisão liminar assinada pelo mesmo juiz federal, em abril de 2019, considera que “não há sentido, diante da possibilidade de regularização da posse do promovido, que remonta há 90 anos, determinar a reintegração da área à União”.
O Clube tomou medidas administrativas e judiciais com base no artigo 18-B da Medida Provisória (MP) 852, de 2018, que versa sobre a gestão dos imóveis da União. Segundo a MP, propriedades ocupadas por entidades desportivas de quaisquer modalidades, anteriores a cinco de outubro de 1988, podem ter “condições especiais, dispensado o procedimento licitatório”.
O presidente do Náutico adianta que uma perícia privada já constatou que o Clube não está inserido em terra de Marinha porque os marcos foram atualizados com o tempo. “Hoje, a linha não passa. O juiz negou a liminar porque é uma matéria de prova objetiva. Isso está sendo discutido judicialmente, mas já fizemos perícia e ela comprovou que não está”, diz.
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