Após um período de 120 dias de vacatio legis, entram em vigência os dispositivos da Lei 13.869/2019, erroneamente batizada de Lei de Abuso de Autoridade, quando, no fundo e na forma, trata-se de legislação vocacionada a enfraquecer o Poder Judiciário e sua capacidade de julgar, com independência e sem medo de pressões indevidas, os casos concretos que lhe são trazidos para apreciação.
A Lei 13.869/2019 será lembrada como a Lei da Impunidade, a primeira de uma série, ao que parece, com o indisfarçável intuito de “colocar no seu lugar” os membros do Poder Judiciário, que tanto têm contribuído para o desenvolvimento de um país mais justo e democrático, com menos violência e corrupção. Ao manietar um órgão de soberania nacional, o legislador presta um desserviço à nação e provoca um recuo do desenvolvimento da nossa ainda jovem democracia.
A Lei de Abuso de Autoridade é legislação vocacionada a enfraquecer o Poder Judiciário e sua capacidade de julgar com independência e sem medo de pressões indevidas
A imprensa nacional parece ter entendido como normal uma legislação que reduz a independência judicial. Pouca atenção deu ao tema e o espaço para manifestação dos próprios atingidos pela nova legislação foi mínimo. Parece se esquecer de que a derrocada democrática sempre tem início com o enfraquecimento da Justiça. Como recordou um juiz mais experiente, um regime autocrático sempre necessita de três pressupostos: pagar bem e acarinhar quem tem as armas, acabar com a independência e com a força dos juízes e dos tribunais, e limitar a liberdade de imprensa. Alcançados os dois primeiros pressupostos, não há quem impeça a limitação da liberdade de imprensa e de expressão. Mesmo a cooptação sutil dos grandes meios de comunicação não afasta o fato de passarem a gozar apenas de aparente liberdade.
A “Lei da Impunidade” traz consequências também para o Ministério Público e para outros órgãos de investigação, numa clara reação aos desenvolvimentos das últimas duas décadas, e prejudica a atuação desses atores no combate à corrupção.
Não se percebe qualquer ganho ao cidadão comum. Ao contrário, este estará mais exposto às intempéries de uma sociedade que tem menos meios de fazer cumprir as leis e a Constituição.
Geraldo Dutra de Andrade Neto é presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), secretário de Relações Internacionais da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), secretário-geral da Federação Latino-Americana de Magistrados (Flam) e secretário-executivo da União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa (UIJLP).
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