A morte de Soleimani e as complexidades da política internacional

Qasem Soleimani| Foto: AP

O general iraniano Qasem Soleimani foi morto em um ataque por drones coordenado pelos EUA, em Bagdá, no Iraque. Ele era um dos principais arquitetos da política externa do Irã e uma importante figura política no país; foi responsável pelo envolvimento iraniano em praticamente todos os conflitos recentes do Oriente Médio, atuando de forma direta e indireta no Iraque, Síria, Iêmen e Líbano. O objetivo do general era contrapor a influência dos EUA na região, bem como de seus aliados locais, a saber, Israel e Arábia Saudita.

Para isso, realizou atentados contra uma refinaria de petróleo saudita, fortaleceu o Hezbollah no Líbano, aproximou-se do Hamas, armou milícias xiitas no Iraque e planejou ataques contra Israel por meio de bases na Síria. O estopim foi o cerco à embaixada estadunidense em Bagdá, no final de dezembro de 2019. A ação foi vista pelos EUA como uma grande afronta, relembrando alguns episódios traumáticos na memória norte-americana, como os reféns da embaixada de Teerã, em 1979, e o ataque ao complexo de segurança em Benghazi, na Líbia, em 2012. A resposta, contudo, foi muito além do que os especialistas e a comunidade internacional esperavam.

A morte de Qasem Soleimani já é considerada por estudiosos um dos eventos mais importantes da história recente do Oriente Médio. Diferentemente de Osama bin Laden e Abu Bakr al-Baghdadi, Soleimani não era líder de um grupo terrorista transnacional como a Al-Qaeda ou o Estado Islâmico. Pelo contrário, era uma figura importante do governo iraniano, o equivalente a quase um vice-presidente. Além disso, foi morto por meio da violação do espaço aéreo de outro Estado soberano, o Iraque. Como já era de se esperar, o Irã afirmou que haverá retaliações. Diante disso, muitos têm se perguntado se a ação de Trump foi legítima e apropriada.

Quanto ao primeiro quesito, a minha resposta é sim. Embora a sociedade internacional tenha normas e leis, o ambiente ainda é de uma anarquia, na qual, diferentemente dos âmbitos nacionais, não há instituições capazes de impor o cumprimento de tratados. Nesse sentido, é preciso destacar que Suleimani foi um dos responsáveis por grande parte da atual instabilidade política do Oriente Médio e pela morte de um número significativo de civis no Iraque, na Síria e no Iêmen. Pensar em levar Suleimani ao Tribunal Penal Internacional é ingenuidade, para dizer o mínimo, tendo em vista a incapacidade do órgão de fazer valer suas sentenças. Omar Al-Bashir, presidente do Sudão condenado por crimes contra a humanidade, é um exemplo disso, haja vista sua condenação em 2010 sem qualquer consequência efetiva. Penso que, a exemplo do necessário pragmatismo na política partidária, deve-se valorizar o realismo na política internacional. E é exatamente por isso que é complicado analisar se a ação foi realmente adequada. Em outras palavras, realisticamente, dá para considerar a ação estadunidense legítima, mas não dá para ter tanta certeza de sua adequação. Quanto a isso, só o tempo dirá.

Não é a primeira vez que a morte de Soleimani havia sido cogitada. Outras duas vezes o ataque esteve em pauta entre israelenses, mas a ação acabou sendo vetada pelos EUA. Logo, fica claro que Trump não tomou a decisão de matá-lo sozinho, tendo necessitado de informações de setores da inteligência. O difícil é saber quais serão consequências desse ato, se há uma grande estratégia por trás ou não. Para alguns analistas, a medida foi um erro, tendo o potencial de acirrar ainda mais as relações internacionais no Oriente Médio, com uma escalada nos conflitos dessa região em que tanto os EUA como o Irã atuam de modo indireto. Para outros, porém, a morte de Suleimani foi coerente com o isolacionismo proposto por Trump, demonstrado de forma clara pela retirada das tropas estadunidenses do norte da Síria em outubro do ano passado. Por essa lógica, tudo que o presidente fez foi demarcar uma clara linha vermelha contra o expansionismo iraniano, principalmente no Iraque pós-Estado Islâmico. Logo, o objetivo seria exatamente o de evitar um enfrentamento direto.

Por enquanto, ainda é cedo para prever o que acontecerá no Oriente Médio. Porém, já podemos esperar um pouco mais do mesmo: conflitos sectários no Iraque, instabilidade na Síria, continuação da guerra civil no Iêmen e ataques do Hezbollah a Israel. A novidade, adicionalmente, é que talvez tenhamos atentados contra alvos norte-americanos ao redor do mundo, além de ataques cibernéticos. Descarto, contudo, uma provável eclosão da temida Terceira Guerra Mundial, como pintam youtubers e influenciadores sensacionalistas nas redes sociais.

Tudo isso ressalta as complexidades da política internacional. Nas relações entre Estados, matar opositores ou assassinos, mesmo que seja em uma guerra, pode até ser moralmente legítimo, mas nem sempre apropriado. Cabe ao Brasil prudência e pragmatismo.

Igor Sabino é Bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e alumnus do Philos Project Leadership Institute. Realizou trabalhos humanitários em ONGs de Direitos Humanos ligadas à American University of Cairo, no Egito, e pesquisas de campo na Polônia, Israel, Territórios Palestinos, Líbano e Jordânia relacionadas a migrações forçadas e perseguição religiosa.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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