Estudo da TMF Group, uma das consultorias empresariais mais prestigiadas do mundo, apontou que investidores ainda temem investir no Brasil, e aguardam reformas econômicas antes de apostar no país. Segundo o levantamento, o país poderia atrair até US$ 150 bilhões se tivesse um ambiente de negócios melhor.
Na prática, o Brasil está deixando de atrair investimentos e empresas, de gerar empregos e aumentar a renda dos brasileiros por conta de um ambiente de negócios hostil ao empreendedorismo.
Segundo o estudo anual do Banco Mundial, o país ocupou em 2019 a 124.ª colocação no ranking de facilidade de se fazer negócios. Em janeiro de 2019 o presidente Jair Bolsonaro prometeu no Fórum Econômico Mundial de Davos que estaremos entre os 50 melhores até o final de seu mandato. Contudo, apesar de melhoras em alguns indicadores, outros países estão evoluindo mais rapidamente, dificultando a concretização da promessa e também tornando outros países comparativamente mais interessantes de se investir do que o Brasil.
Há diversas reformas que precisam ser feitas para mudar esse panorama e fazer o país atrair todo esse dinheiro. A Gazeta do Povo elencou as principais, com diagnósticos de estudos e especialistas, além de relatar o que o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional estão fazendo a respeito de cada uma dessas áreas.
Reforma tributária
Segundo o levantamento Doing Business, uma empresa no Brasil gasta, em média, 1.501 horas por ano apenas para pagar impostos. O segundo país com maior complexidade tributária é a Bolívia, em que uma empresa gasta um terço a menos de horas. Além de Brasil, Bolívia, Venezuela e Equador, nenhum outro país sul-americano gasta mais que 400 horas ao ano para pagar impostos.
O resultado prático é que, em vez de investirem em inovação, competitividade e baratear produtos, as empresas que atuam no Brasil precisam contratar um exército de advogados e contadores. Eles ficam responsáveis por fazer planejamentos tributários, elisão fiscal e calcular a quantidade de tributos que o Fisco exigirá da empresa.
Um levantamento realizado ao final de 2017 pela Endeavor constatou que 86% das empresas brasileiras têm alguma pendência no pagamento de tributos ou no cumprimento de determinações de órgãos federais.
Segundo o economista e mestre em Estatística Thales Nogueira, isso significa que o sistema tributário brasileiro inibe não apenas investimentos de grandes grupos empresariais interessados em atuar no país: “A atuação de empreendedores que buscam transformar uma boa ideia em um negócio promissor também acaba sendo prejudicada”, alerta.
Nogueira aponta ainda a necessidade de uma reforma que diminua as distorções distributivas do sistema: “Sócios de empresas de lucro presumido ou do Simples, por exemplo, pagam muito menos impostos sobre seu trabalho do que um trabalhador formal por causa da tributação da folha de salários e Imposto de Renda”, afirma.
Por fim, o economista diz que o sistema tributário brasileiro têm distorções competitivas. Segundo ele, “há efeitos muito negativos sobre a produtividade por causa de distorções em virtude basicamente do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços”.
No último dia 18, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) anunciou a criação de uma comissão mista para analisar a reforma tributária. Ela terá três meses de duração, e será formada por 15 deputados federais e 15 senadores. A ideia é conciliar as propostas sobre o tema que tramitam nas duas Casas.
De acordo com levantamento da Arko Advice, a maioria dos deputados federais (66%) está otimista quanto à aprovação da reforma tributária no próximo ano. Porém, na avaliação do analista político e colunista da Gazeta do Povo Thiago de Aragão, em virtude do ano eleitoral, a atividade parlamentar pode ficar restrita a 120 dias. “Isso dificulta a capacidade de articulação de um governo que não demonstrou ainda poderio nessa área”.
Segurança jurídica e recuperação de crédito
Estudo de 2015 publicado pelo Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil apontou que a despesa brasileira com o Judiciário é 10 vezes superior ao gasto de países como Espanha, Argentina e Estados Unidos em relação ao PIB. Apesar de tantos recursos, o Judiciário brasileiro é considerado moroso, ineficiente e abarrotado. Não à toa, segundo o Datafolha apenas 20% dos brasileiros com ensino superior confiam na Justiça.
A ineficiência das proteções legais a credores faz com que o país tenha apenas a 104.ª posição em facilidade de obtenção de crédito, segundo o Doing Business.
Essa também foi a conclusão de levantamento de pesquisadores da Ibre/FGV: a cada US$ 1 emprestado no Brasil que não foi pago em dia, apenas US$ 0,13 são recuperados pelo credor, um dos piores indicadores do mundo e apenas um terço da média mundial. Tudo isso após, em média, quatro anos e meio de processo de execução judicial.
Para efeito de comparação, no Reino Unido a taxa de recuperação é de US$ 0,89 para cada US$ 1 emprestado, e o processo de execução dura cerca de um ano e meio.
Segundo o advogado e doutor em direito civil Luciano Timm, ordenamentos jurídicos que conferem maior liberdade aos agentes econômicos tendem a gerar maior prosperidade. A explicação é que eles permitem que o mercado resolva a maioria dos problemas alocativos de produção e de consumo. “Já ordenamentos jurídicos que dão muita possibilidade de interferência de reguladores e de juízes nos contratos, como é o caso brasileiro, tendem a trazer insegurança jurídica e piorar o ambiente de negócios”, afirma.
O advogado e professor de Direito Empresarial da Universidade Federal de Santa Catarina Orlando Silva Neto afirma que há uma série de problemas envolvendo falência e recuperação judicial no Brasil. “Não há obrigação de requerer recuperação judicial, então ela só ocorre quando a dívida da empresa já está praticamente irrecuperável”, afirma.
Segundo ele, não há na atual legislação um sistema adequado que permita ao credor rejeitar o plano de recuperação proposto. “Na prática, ou se aprova ou se decreta a falência, mas no caso da falência o valor a ser recuperado pelo credor tende a ser zero”, explica.
O advogado afirma que muitas vezes há elementos para a falência de uma empresa ser decretada, mas magistrados exigem obrigações além da legislação e não o fazem, em uma forma de ativismo judicial. “Isso encarece o crédito, já que o credor não executa suas garantias e empresas ficam sem incentivos para se reorganizarem”, diz.
“Na prática a legislação não cumpre o objetivo de recuperar a empresa de verdade, não recupera crédito, não mantém a empresa produtiva e ainda pode ser caracterizada como concorrência desleal, já que há alguns privilégios na atuação da empresa, como o não recolhimento de tributo”, critica.
Silva Neto também critica o fato de as normas processuais no Brasil serem “extremamente favoráveis” ao devedor. “Há diversas formas de defesa, recursos e mecanismos processuais para se estender uma dívida por muito tempo, além da morosidade do Judiciário”, afirma.
Ele explica que deveria haver uma reforma para que o Código de Processo Civil tenha medidas mais favoráveis ao credor. “Se há prova de bom direito da existência do crédito, o devedor deveria ficar privado de seu patrimônio desde o início da ação, pois há formas de não haver prejuízos em caso de sentença favorável ao devedor. Se não há expectativa de pagamento imediato, a situação fica muito confortável para o devedor”, complementa.
Portanto, há diversas medidas necessárias para haver maior segurança jurídica no Brasil e melhorar o sistema de recuperação de crédito: os contratos precisam ser efetivamente cumpridos e executados, sendo necessárias maiores garantias de retorno nas cláusulas e maior previsibilidade aos contratos, além de reformar a Lei de Falências e o Código de Processo Civil.
Ainda no governo de Michel Temer, o Ministério da Fazenda encaminhou projeto de lei que tramita em regime de urgência na Câmara para reformar a lei das falências. Entre os principais pontos estão a busca por um maior reequilíbrio do poder dos credores, a restrição do pagamento de dividendos a acionistas e a possibilidade de apresentação de planos de recuperação por eles. O projeto aguarda a Criação de Comissão Temporária para prosseguimento dos trabalhos legislativos.
Desburocratização
O Brasil está entre os 20 piores países para se obter um alvará de construção entre os 190 avaliados pelo Doing Business. É o segundo pior entre os 13 indicadores analisados, atrás apenas do quesito complexidade fiscal.
Na avaliação do engenheiro civil Saint-Clair Côgo, municípios muitas vezes não têm nem sequer padronização de exigências, fora a enorme burocracia para conseguir a liberação de uma prefeitura mesmo para procedimentos mais banais.
“Algo que deveria ser simples acaba envolvendo vários setores. Para reformar uma calçada, por exemplo, é preciso informar a prefeitura, aguardar uma visita do técnico, solicitar interdição da via, aguardar a liberação, solicitar o serviço de avaliação e tosa de árvores… Apenas depois disso tudo as obras podem ser iniciadas. E, após concluí-las, é preciso aguardar novamente uma visita técnica do fiscal do órgão”, explica.
Para ele, o resultado de tanta burocracia é que construções são feitas burlando o sistema para economizar tempo e dinheiro, especialmente para reformas e em regiões longes dos grandes centros, em que a capacidade de fiscalização é menor.
A consequência econômica, segundo o Doing Business, é que operações de grandes projetos acabam ou sendo inviabilizadas ou se tornando menos atrativas financeiramente em virtude da demora em obter alvarás de construção.
Mas o governo federal já aprovou normas para começar a reverter esse quadro: decretado no último dia 19, o chamado Licenciamento 4.0 regulamentou a Lei da Liberdade Econômica. A legislação estabelece uma regra geral de dispensa de atos públicos para liberação de atividades consideradas de baixo risco, como licenças, alvarás, permissões e autorizações.
Assim, municípios terão de classificar o que seriam construções de baixo risco, risco moderado e de alto risco, segmentando o licenciamento conforme esse grau de risco. A ideia é eliminar burocracia ineficaz e concentrar esforços do poder público direcionados às situações que de fato demandem atenção do Estado.
Todos os municípios terão de legislar sobre o tema até 1.º de junho de 2020. Caso isso não seja feito, todos as atividades serão automaticamente classificadas como “risco II”, em que há procedimentos mais simples de liberação, como autodeclaração.
Segundo apurou a Gazeta do Povo com técnicos do Ministério da Economia, para auxiliar os municípios está sendo criado um modelo técnico nacionalmente padronizado para prefeituras poderem adotar. O objetivo é haver uma “supermodernização do alvará de construção”, fazendo a maior parte da burocracia ser dispensada ou automatizada. Mais do que isso: o decreto, já em vigor, possibilita novas perspectivas, como o fato de que as vistorias possam ser feitas por profissionais autônomos.
Equilíbrio das contas públicas
Desde 2014 o Brasil não consegue fechar um superávit primário, isto é, o resultado das finanças públicas antes do pagamento dos juros. Em 2019 o rombo ficará em R$ 137,6 bilhões, segundo a projeção mais recente do governo.
O próprio Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, admitiu que as contas devem ficar no vermelho até 2023.
Isso significa que, ao contrário do prometido por Paulo Guedes nas eleições, o governo Bolsonaro não deve fechar com as contas no azul em nenhum dos quatro anos de seu mandato, mesmo tendo conseguido – já no primeiro ano – ter aprovado a reforma da Previdência, fundamental para as contas públicas.
Para o mestre em economia Guilherme Tinoco, é essencial para um bom ambiente de negócios de um país que o governo consiga reequilibrar as contas públicas. “Desequilíbrios fiscais, que alimentam perspectivas de uma dívida pública crescente, são prejudiciais ao ambiente econômico. Eles trazem bastante incerteza em relação ao futuro”, afirma.
Segundo ele, as contas públicas desequilibradas fazem os agentes econômicos temerem por problemas no futuro, como inflação elevada, alta de impostos ou mesmo calote da dívida. “Isso certamente não favorece a atividade privada, o empreendedorismo e a tomada de risco. É preciso tomar medidas para garantir a sustentabilidade fiscal”, complementa.
A dívida bruta brasileira está na casa dos 80%, enquanto países emergentes têm uma dívida bruta na casa dos 50%, patamar em que o Brasil estava em 2014. Porém, a queda da Selic deve ajudar a torná-la mais sustentável em longo prazo.
Combate à corrupção
Em 2019 o Brasil caiu nove posições no estudo da Transparência Internacional sobre percepção de corrupção. Entre 180 países analisados, o Brasil ocupa a 105.ª posição no ranking que avalia os riscos de integridade no setor público, sendo comparável a países como Argélia, Armênia, Costa do Marfim, Egito, El Salvador, Peru, Timor Leste e Zâmbia.
Já no quesito integridade governamental da Heritage Foundation, publicado com exclusividade em português pela Gazeta do Povo, o score brasileiro é de apenas 28,1, em uma escala que vai até 100.
Há extensa literatura acadêmica sobre como o combate efetivo à corrupção melhora o ambiente de negócios ao impedir concorrentes corruptos de atuarem no mercado e facilitar a operação de empresas íntegras. Leis anticorrupção nivelam a competição, eliminando atalhos, trapaças e aplicações arbitrárias da legislação em benefício dos corruptores.
Em outras palavras, a corrupção faz com que empresas menos eficientes e produtivas sejam favorecidas por meios ilícitos, o que restringe a competição ao afastar investimentos de empresas íntegras, especialmente capital externo.
Para o advogado especialista em compliance e mestre em Corrupção e Governança pela Universidade de Sussex Carlos Henrique Barbosa, a corrupção perpetua uma lógica burocrática ineficiente, sendo uma marca de países subdesenvolvidos. “Pagar propinas é premiar a ineficiência, aumentar os custos de entrada de novos agentes econômicos e afastar investidores estrangeiros cujos países têm leis mais rígidas a respeito”, afirma.
Para ele, a confusão em torno do Coaf e a mudança de entendimento de prisão em segunda instância pelo Supremo Tribunal Federal, em novembro, foram reveses no combate à corrupção no Brasil em 2019.
Além disso, desde dezembro de 2018 a PEC que acaba com o foro privilegiado está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados, mas não foi pautada. Para Barbosa, a prisão é um elemento dissuasório de extrema relevância para efetivo combate à corrupção. Por outro lado, impulsionada por manifestações de rua, projetos acerca da prisão em segunda instância tramitam tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
“Quem comete esse tipo de crime é quem está em posição de poder. O foro privilegiado e a impossibilidade de prisão após segunda instância diminuem as probabilidades de prender um corrupto, o que acaba por incentivo à corrupção”, diz Barbosa.
Privatizações e abertura de mercado
No período da campanha, o Ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que conseguiria entre R$ 700 a 800 bilhões a partir da venda de participação do governo nas estatais. Após assumir o Ministério da Economia, suas projeções aumentaram: R$ 1,25 trilhão para os cofres públicos.
A realidade, porém, é bastante diferente: antes de completar 100 dias de governo, o Secretário de Desestatização Salim Mattar declarou estar “frustrado” com o andamento dos trabalhos.
Mais para o fim do ano, o governo informou que a meta de privatizações, vendas de ações em empresas, concessões e vendas de ativos naturais foi batida com folga: foram cerca de R$ 100 bilhões em 2019, ante um objetivo inicial de US$ 20 bilhões. Mas nem um centavo desse total veio da venda de estatais de controle direto.
O problema é que o processo de venda ou fechamento de uma estatal de controle direto é complexo, podendo levar até dois anos. Entre as etapas obrigatórias estão, por exemplo, a qualificação no Programa de Parcerias e Investimentos, ser incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND) e a realização de estudos de modelagem e viabilidade econômica. Após isso, ainda é necessária a realização de consultas públicas, análise do TCU e publicação de edital. Algumas estatais de controle direto também precisam passar pela aprovação do Congresso.
Entre empresas de controle direto e subsidiárias, o mandato de Jair Bolsonaro começou com 208 estatais, das quais cinco foram privatizadas, incorporadas ou extintas – todas subsidiárias, quatro delas da Petrobras e uma do Banco do Brasil.
Na avaliação do economista e editor do Terraço Econômico Caio Augusto, ampliar a participação privada nos setores é benéfico porque restringe a capacidade do Estado de se corromper e favorecer “empresas amigas”. “As alocações passam a ocorrer por direcionamento de resultado e não de compadrio, o que melhora a competição e o ambiente de negócios”, afirma.
Ele frisa que regulações são necessárias quando o Estado deixa de prover o serviço para evitar a formação de grandes oligopólios. Com isso, as privatizações tendem a melhorar a prestação de serviços ao público e a dar mais eficiência nas administrações, o que atrai mais investimentos.
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