Análise: Um presidente sob impeachment e um país convulsionado

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante fala na Casa Branca, em Washington. Foto: Drew Angerer/Getty Images/AFP

Trump vem tentando dobrar os instrumentos do governo americano para benefício próprio desde muito antes do caso Ucrânia

Para o mais imprevisível dos presidentes, foi o mais previsível dos resultados. Seu constante desrespeito às regras fez de seu impeachment apenas uma questão de tempo.

Desde o dia em que assumiu o cargo, Trump deixou claro que não obedeceria às convenções do sistema que herdou. A acusação imediata pela qual os democratas votaram seu impeachment foi a campanha do presidente para pressionar a Ucrânia a ajudá-lo contra seus rivais políticos. Mas, muito antes, Trump havia tentado dobrar os instrumentos do governo para os próprios propósitos, mesmo que isso significasse ultrapassar limites que foram sacrossantos por gerações.

Durante quase três anos no cargo, ele se tornou a figura mais polarizadora, perseguiu inimigos e, como muitos afirmam, minou as instituições democráticas. Trump manteve seus negócios imobiliários a despeito da cláusula de emolumentos da Constituição, pagou a uma suposta amante e tentou impedir investigações que o ameaçavam. Seu fluxo constante de falsidades minou sua credibilidade tanto em casa quanto no exterior, mesmo entre os apoiadores que o viam como questionador de um status quo corrupto, sujeito à perseguição partidária.

Impeachments ocorrem em tempos turbulentos, quando as pressões reprimidas parecem explodir, quando o tecido da sociedade parece frágil e o futuro, incerto. As batalhas de impeachment contra os presidentes Andrew Johnson, Richard Nixon e Bill Clinton ocorreram em momentos decisivos da história americana.

O tempo que produziu Trump provou ser mais um desses momentos decisivos, um momento em que o impensável se tornou rotina e se questionaram preceitos que antes pareciam invioláveis. Trump, em seu sectarismo, é a manifestação de uma nação se fraturando em campos de guerra e tentando redefinir o que são os EUA, exatamente como aconteceu durante a Reconstrução, durante a era do Vietnã e Watergate, durante o surgimento da nova forma de partidarismo irado do início da era da informação.

“Nenhum desses impeachments ocorreu em períodos tranquilos”, disse Jay Winik, eminente historiador e autor de The Great Upheaval (A grande convulsão) e outros livros sobre pontos de inflexão da história dos EUA. “De certa forma, o que estamos vendo é a tampa de um vulcão fervente. Vemos isso em cada um desses presidentes – Johnson, Nixon, Clinton e, agora, Trump. Esses impeachments são emblemáticos de períodos de profunda transição.”

A improvável ascensão de Trump ao poder reflete uma transformação na política americana, com narrativas segregadas, alimentadas por meios de comunicação segregados. Para alguns, sua eleição foi a revolta das pessoas comuns contra as elites costeiras, o que Winik chamou de “a era do homem esquecido”. Ao apontar um showman rico para assumir o sistema, eles o tornaram o primeiro presidente da história americana sem um dia de experiência no governo ou nas Forças Armadas, apostando que ele poderia fazer o que todos os seus 44 antecessores não fizeram.

“Talvez estejamos devendo uma reconsideração de todo o sistema político”, disse John Lewis Gaddis, historiador de Yale. “Há momentos em que a visão não vem de dentro do sistema, mas de fora do sistema. E talvez este seja um desses momentos.” / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.

Confira matéria do site Estadão.

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