STF sofre pela delinquência em série de seu presidente

Foto: J R GUZZO

Das duas uma: ou o ministro Antônio Dias Toffoli, presidente do STF, tem intenções para lá de ruins, e está cometendo mais um ato de delinquência em série, ou é uma alma extraordinariamente pura, e você pode acreditar em 100% do que ele diz.

Como a segunda hipótese, por força dos atos concretos praticados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, é difícil de ser engolida até por uma criança com 10 anos de idade, não é preciso passar o resto desse artigo explicando qual é a “uma” que sobra das “duas”. Não interessa, aqui, o que o ministro diz que é, nem o que as pessoas acham que ele é. O que interessa é o que ele faz. E o retrospecto do que tem feito é o enredo pronto e acabado de um filme-catástrofe.

Toffoli, em seu último surto conhecido como chefe, ao mesmo tempo, dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, mandou que as autoridades fiscais lhe enviassem as informações financeiras de 600.000 pessoas e empresas brasileiras. Quando voltou atrás, revogando sua própria ordem na noite de segunda-feira (18), o mal já estava feito. Como se sabe, essas informações só podem ser abertas por ordem judicial – e só quando a situação das contas de um indivíduo específico, com nome, endereço e CPF, é relevante para o julgamento de algum processo legal no qual ele é parte.

Nenhum juiz, nem o presidente do Supremo (que, aliás, nunca foi juiz, pois não conseguiu passar nos dois concursos públicos que prestou para o cargo), pode exigir que lhe mandem os extratos bancários de seu vizinho, por exemplo, ou de quem quer que seja. O sujeito, para ter suas contas abertas, precisa estar sendo processado numa vara de Justiça – e é preciso que exista uma razão objetiva para exigirem que mostre seus dados financeiros.

Toffoli não está julgando nenhum processo onde haja, ao mesmo tempo, 600.000 suspeitos, acusados ou réus – nem ele e mais ninguém, no Brasil e no mundo. Não cabe ao ministro, por sinal, julgar coisa nenhuma nesse nível. Cabe menos ainda exigir as informações que exigiu. Porque diabo, então, fez isso – negando, inclusive, as ponderações do procurador-geral da República para que não fizesse?

Sua resposta oficial é um fenômeno do além. Toffoli diz que quer “entender” melhor os sistemas legais que acessam dados financeiros dos cidadãos. Pior: prometeu não ler os dados de nenhum dos 600.000 infelizes escalados para lhe abrirem suas contas. Isso mesmo: exige que lhe entreguem os dados, mas diz que não vai ler nada.

Nada disso tem pé nem cabeça, é claro. Não é da sua conta “entender” coisa nenhuma a respeito do assunto – quem tem de entender, e explicar o que faz com os dados, é o Poder Executivo, através dos Ministérios da Fazenda e da Justiça, basicamente, a PGR e eventualmente alguma CPI do Legislativo. Aos ministros do STF cabe apenas julgar os casos sobre o tema que chegarem à sua apreciação, quando houver dúvidas constitucionais a serem resolvidas.

Quanto à sua promessa de não ler as informações de ninguém – bem, é melhor não dizer nada. Outra alternativa é decidir que tudo isso é história de leigo que não entende de Direito – mais um “Zé da Esquina”, como diz o ministro Gilmar Mendes, que não tem capacidade para entender questões jurídicas de alta complexidade.

O fato é que mais uma vez o STF, pela ação de um dos seus ministros, está assumindo o papel de inimigo número 1 da lei, da ordem e das instituições brasileiras. Estão transformando o Brasil numa republiqueta africana qualquer, dessas onde o mesmo ditador manda há mais de 30 anos – ou em coisa ainda pior. O mundo já começa a perceber essa aberração.

J.R. Guzzo

J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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