Concessionária reconheceu pagamento de propinas e concordou em pagar R$ 750 milhões; negociação com o Ministério Público ainda depende de homologação
A Rodonorte é a primeira das seis concessionárias de rodovias do Paraná investigadas pela Lava Jato a fechar acordo de leniência reconhecendo irregularidades, como pagamento de propinas, e concordando em desembolsar R$ 750 milhões. A negociação ainda está pendente de aprovação pela Justiça Federal, mas pode resultar em multa e a maior parte do valor ser destinada para a redução de 30% da tarifa de pedágio e execução de obras.
O que leva a empresa a topar, amistosamente, a pagar uma fortuna? Certamente foi um bom negócio para a concessionária. A Gazeta do Povo fez um levantamento dos motivos que impulsionaram a Rodonorte a aceitar o acordo de leniência. Confira a análise:
Os primeiros são beneficiados
Assim como acontece com as delações premiadas, quem fecha acordo primeiro acaba obtendo vantagens. Os que se sucedem precisam entregar provas novas. Ou seja, quem se antecipa pode conseguir benefícios mais volumosos – a confissão de culpa é bem vista pela legislação e pelo Judiciário. Segundo o próprio Ministério Público Federal, a empresa se comprometeu a entregar documentos e outras evidências das irregularidades, podendo comprometer funcionários públicos, políticos e, principalmente, as demais concessionárias e seus representantes.
Há perspectiva de perdas
O Ministério Público Federal já ajuizou uma ação cível contra a Rodonorte, assim como fez com as demais concessionárias do Anel de Integração do Paraná. Algumas decisões judiciais, como liminares, estão atingindo em cheio a receita das empresas. É o caso, por exemplo, da Caminhos do Paraná, da Econorte e da Viapar. Assim, se o acordo de leniência for homologado pela Justiça, a empresa pode evitar prejuízos que seriam ainda maiores. Dessa forma, a Rodonorte busca fugir de uma guerra judicial – com todos os custos envolvidos. Além disso, caso o acordo seja aceito pelo Judiciário, a ação cível que já tramita contra a empresa pode ser suspensa.
Conta poderia ser maior
O lote 5 do Anel de Integração é o maior em extensão, com 488 quilômetros, e o que mais arrecada: são sete praças de pedágio, algumas em trechos bastante movimentados, como a BR-376, a rodovia do Café. De acordo com o balanço financeiro de 2017 (o de 2018 ainda não consta no site da empresa), a concessionária arrecadou R$ 1 bilhão no ano e registrou R$ 422 milhões de lucro bruto.
De acordo com delações premiadas de participantes do esquema, o valor pago em propina para agentes públicos (servidores e políticos) era proporcional à receita. A investigação trabalha com a hipótese de que os pagamentos foram feitos ao longo dos últimos 18 anos, desde 2000 até a descoberta, em 2018. Além disso, a estimativa do MPF indica que o prejuízo com o esquema no pedágio foi de R$ 7 bilhões (incluindo obras não feitas e tarifas majoradas). Sendo assim, a Rodonorte pode estar se livrando de uma conta que seria maior.
Os efeitos da bolsa de valores
Ao contrário de outras empresas menores, a Rodonorte sofre os efeitos diretos da negociação de ações em bolsa de valores. A empresa pertence ao grupo CCR, com grandes concessões em outros estados, e sujeita às regras de mercado. Tanto que houve uma queda no preço das ações a partir de boatos de delação – inclusive citando políticos – e, depois, com o comunicado do acordo de leniência. Ainda que tenham representado perdas imediatas, a medida estanca a sangria na empresa.
Sem aditivos com o governo
Ao contrário de outras empresas que firmaram vários aditivos contratuais nos últimos anos, a Rodonorte tem no histórico apenas as duas mudanças maiores, lá no início da execução dos contratos, em 2000 e 2002. Sendo assim, não precisa ficar explicando alterações que tiveram impacto nas tarifas, como foi o caso da Econorte. Depois das alterações iniciais, que afetaram todas as concessionárias, a Rodonorte fez apenas algumas modificações pontuais, como a antecipação do contorno de Campo Largo, que foi trocado pelo adiamento da duplicação da PR-151, entre Jaguariaíva e Piraí do Sul.
Mala de dinheiro citada em depoimento
Há um depoimento que compromete sobremaneira a Rodonorte. Um motorista da empresa declarou que levava malas de dinheiro para Curitiba, para ser distribuído em forma de propina. A confissão é forte e coloca a empresa como uma das peças centrais do esquema. Sendo assim, um acordo de leniência, em troca de benefícios eventuais, como o encerramento da ação cível, se mostra como vantajoso num cenário que era até então desfavorável para a concessionária.
É sempre importante lembrar que o acordo de leniência não tem efeito nas ações penais. A leniência beneficia a pessoa jurídica – empresa – enquanto os processos criminais visam a responsabilidade de pessoas físicas. Para o Ministério Público Federal, além das provas obtidas, o acordo de leniência é uma vitória a ser anunciada – e quantificada. Caso o acordo prospere, poderá enfatizar que a redução em 30% nas tarifas foi fruto da investigação, além de apresentar as obras que passariam a ser incluídas entre as obrigações da empresa. Como a negociação do acordo ainda tramita em sigilo, a relação de obras a serem executadas ainda não foi divulgada.
Grupo se manifestou em nota
Procurado pela Gazeta do Povo, o Grupo CCR – que controla a Rodonorte – se manifestou por meio de nota, na quarta-feira (6), confirmando o acordo de leniência. O Grupo CCR também divulgou um comunicado aos acionistas e ao mercado sobre o tema.
“A companhia continua contribuindo com as autoridades para o esclarecimento dos fatos envolvendo o Grupo e suas controladas. O Grupo também mantém o compromisso de comunicar seus acionistas e o mercado eventuais novos desdobramentos que tiverem relação com esse Acordo de Leniência. O Grupo CCR reafirma seu compromisso em manter os investimentos na modernização da infraestrutura brasileira e continuar a prestar serviços de qualidade para seus usuários em todas as concessões administradas pela companhia. Também reitera sua confiança no poder concedente, nas agências reguladoras, nos órgãos de fiscalização e no Poder Judiciário”, diz.
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