Foi instaurado contra a policial Procedimento Investigatório Criminal e Processo Administrativo Disciplinar. Ela está afastada das funções desde fevereiro de 2019. A acusada nega que tenha cometido os crimes
O avanço da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em Fortaleza, supostamente, estaria ligado à facilitação por parte de servidores públicos ao tráfico de drogas.
Foi a partir desta informação, do Serviço de Inteligência dos órgãos da Segurança, que o Ministério Público do Ceará (MPCE) instaurou Procedimento Investigatório Criminal (PIC) e chegou ao nome de uma inspetora da Polícia Civil, atrelado a uma importante liderança do PCC.
Desde o fim de 2015, Vitória Régia Holanda da Silva, à época lotada no 12º Distrito Policial, é investigada por concussão. Conforme denúncia do MPCE, ela estaria ligada a Francisco Márcio Teixeira Perdigão, assaltante, sequestrador e traficante do PCC. Em fevereiro deste ano, a Justiça cearense recebeu a denúncia contra a policial e determinou que Vitória fosse suspensa imediatamente das funções públicas.
Na semana passada, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) instaurou processo administrativo disciplinar para apurar a conduta da inspetora.
Nas centenas de páginas anexadas ao processo que a reportagem teve acesso, há indícios de como Vitória facilitava o tráfico de drogas na região do Bom Jardim. Por meio de interceptações das comunicações telefônicas solicitadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do MPCE, e deferidas pela Justiça, Perdigão expõe a negociação que estaria fazendo com policiais militares e civis, incluindo a inspetora, para que os ‘negócios’ da facção no bairro Bom Jardim não fossem prejudicados pelas autoridades.
As conversas interceptadas em dezembro de 2015 mostram diálogos indicando que policiais serviam “como garantidores do narcotráfico desenvolvido pela organização criminosa de Márcio Perdigão”. Ainda segundo o MPCE, a negociata acontecia e, em troca, alguns policiais recebiam uma quantia de dinheiro repassada pela organização criminosa.
O custo para que os agentes da Segurança Pública não interferissem nas atividades criminosas era alto: “com dinheiro em mãos e na certeza da impunidade, Vitória e sua equipe deixariam os membros da organização criminosa ‘trabalhando’ desembaraçadamente, distante dos olhos da lei”, como indicado em trecho da denúncia.
A acusada nega qualquer envolvimento com Márcio Perdigão e afirma nunca ter recebido propina da facção PCC.
Ligações
Em uma das ligações feita no ano de 2015, o criminoso revela que vai “levar uma proposta pros caros” (sic), se referindo a uma reunião com os policiais. O faccionado cita o nome da inspetora Vitória afirmando ter ido conversar com ela para propor pagamentos mensais: “Ainda tem ela lá, que no mínimo tem que dar dois conto pra ela… Três por mês”.
O traficante chega a pedir a uma advogada e a um ex-policial militar que interviessem para contactar Vitória e avisar que, se ela continuasse extorquindo os integrantes do grupo criminoso, sofreria consequências.
“Se aquela mulher lá ficar me perturbando, que nem ela está querendo me perturbar, pressionar, eu vou pegar o moleque tudim lá e vou mandar os moleques cortar ela na bala tudo de pistola, botar bala dentro do carro dela, no para-brisas, embora que eu não trabalhe mais lá naquela rua…(…) eu faço a cruzeta maior da minha vida com ela, macho…”. Esse é um dos trechos ditos por Perdigão durante ligação. Ainda no mesmo dia, o traficante disse ter mandado um recado para ela e, em resposta, Vitória teria dito que “ia dar uma aliviada”.
Vitória Régia afirma que as falas de Perdigão contra ela aconteceram porque ela realizava muitas prisões enquanto inspetora do 12º DP.
“Ele morava na Granja Portugal e atuava lá. São bairros vizinhos. Com a nossa atuação significativa, as cabeças do tráfico, na época, se chateavam. Eles têm uma visão que a Polícia na área está atrás de dinheiro, mas não. Eu amo o que eu faço. O argumento dele é dizer que eu pedia dinheiro nas interceptações, mas não existe nenhum áudio meu nas conversas”, argumenta.
Defesa
A servidora acredita que Perdigão fez uso do nome dela para despistar outras pessoas que realmente têm ligação com ele e também para insinuar a outros traficantes menores que ele tinha controle da Polícia. “Ele se contradiz várias vezes. Meu celular foi apreendido, fui interceptada por quase um mês. Nunca recebi dinheiro. Tenho dívida para pagar e quero mostrar minha inocência”, afirmou.
Ainda segundo a policial, ela espera a chance de ser ouvida pelas autoridades: “desde fevereiro deste ano, eu fui afastada. É uma vergonha, um tormento. Tenho 13 anos de Polícia Civil. Ninguém nunca me perguntou sobre as ameaças que ele me fazia”, reclama Vitória.
Para o Ministério Público, as interceptações mostraram que a inspetora também praticou o crime de extorsão ao constranger e ameaçar traficantes integrantes do grupo criminoso de Perdigão. Em agosto deste ano, foi deflagrada a segunda fase da Operação “Maçãs Podres”, que expôs um esquema que envolvia policiais militares e traficantes na região do Grande Bom Jardim. Dez policiais militares foram presos na ofensiva.
O MPCE chegou à teia criminosa durante as investigações de outra operação, a ‘Saratoga’, que se debruçava sobre um braço do (PCC), comandado por Márcio Perdigão.
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