Além de Fux, outros ministros cogitam reduzir penas de réus do 8 de janeiro

Outros integrantes da Corte têm revelado, internamente e nos bastidores, que estariam dispostos a rediscutir o tamanho da punição aos réus do 8 de janeiro (Foto: Antonio Augusto/STF)

Não é apenas o ministro Luiz Fux que está incomodado, no Supremo Tribunal Federal (STF), com as penas altas impostas aos condenados pelos ataques físicos às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023 sob a influência de Alexandre de Moraes.

Outros integrantes da Corte têm revelado, internamente e nos bastidores, que estariam dispostos a rediscutir o tamanho da punição, mas para isso seria necessário que os casos deixassem a Primeira Turma, dominada por Moraes, e retornassem ao plenário, onde as primeiras ações foram julgadas – hoje, isso não está no horizonte.

Fux manifestou sua discordância com as penas no julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Durante a sessão de 26 de abril, na qual a Primeira Turma o tornou réu, Fux disse que as primeiras penas – que chegavam a 14 e 17 anos e depois se reproduziram para centenas de réus – foram definidas sob “violenta emoção”.

Acrescentou que vai fazer a revisão da dosimetria no caso de Débora Rodrigues dos Santos, a cabeleireira que escreveu “perdeu, mané” na estátua da Justiça, em frente ao STF, e que Moraes quer condenar a 14 anos de prisão. Fux defendeu que as penas sejam definidas com “humildade judicial” e disse que “debaixo da toga bate um coração”.

“Se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado, e o magistrado o faz à luz de sua sensibilidade, de seu sentimento em relação a cada caso concreto […] Eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”, disse.

Fux ainda sinalizou que os réus do 8 de janeiro, e também os réus por tramarem o golpe – como Bolsonaro e outras 33 pessoas – poderiam ser condenados por apenas um dos crimes contra o Estado Democrático, e não dois, como foram.

O ministro ficou isolado no julgamento da denúncia contra Bolsonaro, com os demais da Primeira Turma – Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin – aderindo integralmente ao voto de Moraes. É o que tende a acontecer também no julgamento dos réus do 8 de janeiro, caso permaneça no colegiado.

No início do ano passado, os processos passaram do plenário para a Primeira Turma, após uma mudança no regimento. Apesar de haver pedidos pendentes de réus para que as ações retornem para o plenário, não há perspectiva de isso ocorrer. Se Moraes e a Primeira Turma continuarem rejeitando esse pleito, só uma nova mudança no regimento, hoje improvável, levaria o caso de volta aos 11 ministros.

Ainda assim, o clamor popular e a pressão parlamentar em torno do caso de Débora surtiram algum efeito. Após a manifestação de Fux para rever a dosimetria, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, alinhado a Moraes, pediu que ela fosse para a prisão domiciliar, e o pedido foi rapidamente aceito pelo ministro.

Dentro do STF, a decisão rápida sobre o caso, após dois anos de prisão preventiva e nove pedidos de soltura negados, foi vista entre interlocutores dos ministros como uma concessão, não só para conter a pressão pela soltura da cabeleireira, que tem dois filhos crianças, mas também pela anistia, que pode paralisar o Congresso.

A maioria dos ministros é contra a anistia, porque consideram que o perdão incentivaria grupos radicais a atentar contra a democracia. Além disso, consideram que o principal impulso para a proposta vem de aliados de Bolsonaro, com o objetivo de anular uma condenação provável pelo STF para recolocá-lo nas urnas em 2026.

Ainda assim, há ministros que consideram que as penas duras deixarão o STF ainda mais vulnerável à pressão política. Daí a pretensão de uma revisão. O principal desafio dessa ala é dobrar Moraes, que ganhou da maioria aval para defender a Corte.

Como as penas dos condenados do 8 de janeiro poderiam ser reduzidas

Os invasores foram condenados por cinco crimes, que têm as seguintes penas:

  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que consiste em “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena de 4 a 8 anos de reclusão;
  • Golpe de Estado, definido como a tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, com pena de 4 a 12 anos;
  • Associação criminosa armada, com pena de 1 a 3 anos;
  • Dano qualificado contra o patrimônio da União, com pena de 6 meses a 3 anos;
  • Deterioração do patrimônio tombado, com pena de 1 a 3 anos.
  • Para Fux, seria possível que eles fossem condenados apenas por golpe de Estado (pena de até 12 anos), o que já abarcaria uma tentativa de destruir a democracia e, assim, absorveria o crime de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

A tese de que um crime está dentro do outro, chamado no direito de consunção ou absorção, foi proposta nos primeiros julgamentos, no plenário, pelos ministros André Mendonça e Luís Roberto Barroso, mas rejeitada pela maioria, que seguiu Moraes.

Em setembro de 2023, no julgamento do primeiro réu do 8 de janeiro, Aécio Pereira, condenado a 17 anos de prisão, Mendonça votou para culpá-lo por abolição do Estado Democrático de Direito (pena de até 8 anos), mas não por golpe de Estado (12 anos).

“Houve, inegavelmente, turbação ao exercício dos poderes constitucionais, ainda que não tenha havido impedimento total. O tipo, porém, se satisfaz com a mera restrição ao exercício dos poderes, o que, de fato, houve, em alguma medida”, disse na ocasião.

Quanto ao crime de golpe, Mendonça disse que Pereira e os demais invasores nunca seriam capazes de destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio daqueles ataques. No Direito Penal, não se pune o chamado “crime impossível”, em que os meios para o autor nunca poderiam levar ao resultado que ele pretende. Para o ministro, os invasores estavam num “devaneio golpista”.’

“Ainda que muitos manifestantes bradassem pela intervenção militar ou contra o governo eleito, resta claro que não havia um plano concreto do que fazer exatamente após a invasão, no sentido de efetivamente depor o Presidente da República, senão aguardar que as Forças Armadas atendessem ao reclamo ou que algum evento inesperado, que nem mesmo os manifestantes sabiam precisar, ocorresse”, disse Mendonça, acrescentando que não havia possibilidade de o Exército aderir.

“Sem armamento pesado, com poucas armas de fogo, facas, estilingues, bolinhas de gude, facões, machadinhas, “coquetéis molotov”, a tentativa, em verdade, era inidônea para o fim específico do art. 359-M do Código Penal. Não se criou nenhum risco real de deposição do governo eleito”, concluiu depois Mendonça.

Ele ainda disse que a acusação de associação criminosa armada deveria ser examinada caso a caso, por reconhecer que havia grande diversidade entre os manifestantes.

“É certo que, sim, constituiu-se uma associação criminosa para a prática de atos antidemocráticos. Tal associação existiu, não se nega. E muitos participaram dela. Mas o que se questiona é a automática inclusão, em tal associação, de todas as pessoas que acabaram presas naquela tarde. Isso não é possível dada a já mencionada heterogeneidade do grupo”, disse ainda, durante o julgamento.

No final, Mendonça propunha pena total de 7 anos e 1 mês de reclusão, menos da metade da pena proposta por Moraes e aceita pela maioria.

No mesmo julgamento, Barroso propôs algo semelhante, no sentido inverso: a absorção do crime de abolição do Estado Democrático de Direito pelo crime de golpe de Estado. “São tipos penais diversos, efetivamente, mas penso que se impõe a escolha por um deles. Nesta situação específica a que nos estamos referindo, a tentativa de golpe de Estado, na minha visão, absorve o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, também em modalidade tentada”, disse Barroso. “O estudo do processo me deu a percepção de que seria um bis in idem essa cumulação, ou seja, punir uma pessoa duas vezes pelo mesmo fato”, completou. A pena final que Barroso propôs somava 11 anos e 6 meses.

Havia ainda votos mais benevolentes. Kassio Nunes Marques descartou, em seu voto, os crimes contra o Estado Democrático de Direito e associação criminosa armada. Para ele, não houve violência ou grave ameaça com impedimento ou restrição do exercício dos poderes com “intensidade suficiente para abolir o Estado democrático de direito”.

Não se demonstrou o emprego de violência ou grave ameaça contra nenhum dos representantes dos Poderes da República, em ordem a caracterizar uma tentativa materialmente idônea de abolição do Estado Democrático de Direito, mormente porque as invasões dos prédios públicos se deram em um domingo, em período de recesso parlamentar, de recesso do Poder Judiciário e em momento no qual sabidamente os representantes do Executivo também não se encontravam em atividade”, argumentou Nunes Marques.

Da mesma forma, não haveria condições para um golpe de Estado, por falta de provas de uma “ameaça real e concreta” ao governo Lula. “Os expedientes empregados no domingo 8 de janeiro de 2023 caracterizaram, em realidade, a hipótese de crime impossível, em relação a ambos os delitos, dada a ineficácia absoluta do meio empregado pelos manifestantes para atingir o Estado democrático de direito.”

Ao fim, Nunes Marques propôs uma pena de 2 anos e seis meses, com condenação apenas para os crimes de dano e deterioração a patrimônio público.

Zanin condenou Aécio Pereira por todos os crimes de que foi acusado, mas calculou uma pena pouco menor que a de Moraes, de 15 anos.

Metade das condenações tem penas altas

Os dados mais atualizados do gabinete de Alexandre de Moraes revelam que, das 497 condenações impostas até o momento para os réus do 8 de janeiro, 248 (49,8%) têm penas acima de 11 anos e 6 meses de prisão, em regime fechado. Nesse grupo, há 165 homens e 83 mulheres.

As outras 249 condenações (50,2% do total) têm penas de até 3 anos, que não precisam ser cumpridas no regime fechado (podem ser convertidas em serviços à comunidade); nesse grupo há 174 homens e 77 mulheres.

Os dados ainda mostram que, das 497 condenações, 454 (91,3%) são de pessoas com até 60 anos de idade. Os condenados com mais de 60 anos somam 43 pessoas, sendo 15 mulheres e 28 homens.

Os números foram apresentados por Moraes no julgamento da denúncia contra Bolsonaro para, em suas palavras, “desfazer uma narrativa totalmente inverídica de que o STF estaria condenando velhinhas com a Bíblia na mão, que estariam passeando num domingo ensolarado”. “Nada mais mentiroso, seja porque ninguém lá estava passeando, porque as imagens mostram isso, seja pelas condenações.”

FONTE; GAZETA DO POVO https://www.gazetadopovo.com.br/republica/alem-de-fux-outros-ministros-cogitam-reduzir-penas-de-reus-do-8-de-janeiro/

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