O crescente ímpeto de controle da liberdade de expressão nas redes sociais pelo Estado brasileiro ganhou alcance internacional com o embate entre o empresário Elon Musk, dono do X, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Novos episódios do confronto ocorreram nesta semana, com o retorno temporário do X e uma possível volta atrás de Musk na decisão de não cumprir as ordens ilegais do juiz.
Há meses, o caso do Brasil tem chamado a atenção do mundo e tomado as manchetes de grandes jornais estrangeiros: em um país ocidental acostumado, até não muito tempo atrás, às liberdades democráticas, as empresas donas de redes sociais têm enfrentado um cenário cada vez mais hostil, sendo tratadas como inimigas das instituições e tornando-se vítimas de uma rápida escalada de iniciativas de censura.
Embora a hostilidade ao X seja a mais emblemática, há outros casos relevantes da tendência. Plataformas menores como Rumble e Locals já saíram do Brasil, o Telegram ficou duas vezes suspenso de forma temporária, e empresas como Meta e Google têm sido tratadas como inimigas por parte do Congresso ao mesmo tempo em que são pressionadas a cumprir ordens judiciais que impõem a remoção de conteúdos sob acusações de desinformação, discurso de ódio e ameaças à democracia.
A forma como o Estado brasileiro age para controlar as plataformas digitais lembra o modus operandi de ditaduras como China e Irã, países em que o X também está suspenso.
O Poder Judiciário, em especial com o ministro Alexandre de Moraes, tem sido o principal motor dessas intervenções. Mas também há ameaças importantes vindas do Executivo e do Legislativo.
No Congresso, parte da esquerda já fez pressão pela tramitação do Projeto de Lei 2630/20, que passaria a obrigar as redes sociais a adotarem uma postura proativa na fiscalização de conteúdos online, forçando-as a remover sem ordem judicial certos tipos de conteúdo que, em democracias funcionais, seriam plenamente legítimos. No Poder Executivo, assim como no Judiciário, órgãos têm sido criados para monitorar as redes sociais contra discursos críticos às autoridades.
A tendência de hostilidade do Estado brasileiro contra as redes sociais ganhou destaque internacional com o embate público entre Elon Musk, proprietário do X, e Moraes. Mas o ambiente cultural e político que culminou na suspensão do X tem diversos antecedentes de abusos e ilegalidades por parte do Judiciário.
Redes sociais menores também já saíram do Brasil; Telegram ficou suspenso
Antes do X, outras plataformas já haviam sido obrigadas a sair do Brasil diante das pressões do STF.
Em dezembro de 2023, o Rumble, uma plataforma de vídeos popular entre a direita de todo o mundo por ter política de moderação de conteúdo menos restritiva, anunciou sua saída do Brasil. A empresa enfrentou ordens de remoção de conteúdo sob acusação de violar diretrizes do STF e foi instada a praticar censura prévia contra usuários brasileiros, que muitas vezes migravam para o Rumble após serem banidos de outras redes sociais.
Figuras como o jornalista Allan dos Santos, exilado nos Estados Unidos, haviam encontrado no Rumble uma alternativa para continuar suas transmissões longe do alcance das decisões do Judiciário brasileiro, mas agora só podem ser vistos com o uso de VPN.
Outro exemplo foi o Locals, uma plataforma criada para oferecer um espaço livre de censura para criadores de conteúdo. Assim como o Rumble, o Locals entrou na mira do STF e foi forçado a sair do Brasil em janeiro de 2024, sob a ameaça de multas pesadas.
Já o Telegram, alternativa ao WhatsApp, foi suspenso temporariamente em duas ocasiões, por instâncias diferentes da Justiça.
Moraes ordenou a suspensão da rede em 2022, quando a plataforma foi acusada de não colaborar com as investigações do STF sobre o que o tribunal chama de conteúdos desinformativos. O app foi retirado do ar sob a justificativa de que sua inação colocava em risco a democracia.
O Telegram só foi restabelecido após cumprir, dois dias depois, uma série de exigências judiciais, incluindo a remoção de determinados conteúdos e o bloqueio de algumas contas.
Em abril de 2023, o aplicativo foi tirado do ar por uma decisão da Justiça Federal do Espírito Santo, que acusou o Telegram de não colaborar com uma investigação sobre supostos grupos nazistas. Nesse caso, a rede foi restabelecida três dias depois, após o Tribunal Regional Federal da 2ª Região revogar a decisão.
Meta e Google enfrentam pressão no Congresso e no Judiciário
Embora sempre tenham cumprido as medidas judiciais – inclusive as ilegais –, gigantes como Meta e Google também são alvos do ímpeto do Estado brasileiro de controlar a liberdade de expressão.
As plataformas não sofrem ameaças de suspensão, mas são alvos de uma pressão crescente de atores políticos e do Judiciário que consideram que elas poderiam ser mais proativas em derrubar conteúdos, sem precisar esperar decisões judiciais.
A principal frente de batalha foi o Projeto de Lei 2630/20, o chamado “PL das Fake News” ou “PL da Censura”, que, desde sua proposição, gerou atritos com as Big Techs.
Google e Meta, donos de algumas das maiores plataformas de comunicação do mundo, criticaram a ideia de arcar com novas e pesadas responsabilidades, como a obrigação de monitorar e remover conteúdos com base em definições vagas de “desinformação”. Para as plataformas, isso representaria uma ameaça à liberdade de expressão e poderia exigir a criação de departamentos de censura preventiva dentro das empresas.
Parlamentares da esquerda, o governo federal e membros do STF defendiam o projeto como uma necessidade urgente para combater a disseminação do que chamam de “fake news” e “desinformação”, especialmente após os atos de 8 de janeiro de 2023.
A oposição, que enxergava a proposta como uma tentativa de agilizar a censura contra a direita, conseguiu engavetar a discussão do PL 2630 em meados de 2023.
Com o caminho pró-censura bloqueado no Poder Legislativo, as grandes plataformas devem passar a enfrentar, agora, a pressão do STF, que já ameaçou várias vezes legislar por decisão judicial caso o Congresso não agisse antes.
Há no Supremo uma discussão sobre a validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Hoje, com base nesse artigo, as plataformas só podem ser responsabilizadas se não removerem conteúdos ilícitos após ordem judicial. Os ministros já sugeriram várias vezes que pretendem derrubar o artigo 19 com o objetivo de aumentar a responsabilidade das redes sociais sobre os conteúdos de terceiros.
O STF deseja que as redes atuem de maneira preventiva, removendo conteúdos considerados ilegais antes mesmo de qualquer determinação judicial. Essa mudança, conforme argumentam as próprias empresas de redes sociais, forçaria as plataformas a pesar a mão na censura, sob o risco de enfrentar penalidades severas caso algum conteúdo escapasse ao seu escrutínio.
FONTE: GAZETA DO POVO https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/como-o-estado-brasileiro-virou-inimigo-das-redes-sociais/
A vitória de Moraes é a derrota das liberdades
Ao que tudo indica, mais um round da luta contra as liberdades democráticas no Brasil está prestes a ser vencido pelos liberticidas. O X, a rede social do bilionário Elon Musk, está adotando providências que indicam uma intenção de cumprir as determinações ilegais e abusivas de Alexandre de Moraes e, assim, voltar a operar no Brasil. Um representante legal já teria sido indicado pela empresa e, para que ele não corra risco de prisão, a rede já estaria bloqueando os perfis indicados por Moraes, como os de Allan dos Santos, Paulo Figueiredo e do senador Marcos do Val. Mas, antes que isso acontecesse, o ministro do STF demonstrou mais uma vez que sua “cisma” não tem limite algum, nem mesmo a Constituição, as leis e os códigos processuais.
Na manhã de quarta-feira, dia 18, surgiram relatos de que alguns celulares estavam acessando o X sem a necessidade de VPNs, que até então eram o único meio de driblar a censura imposta por Moraes em 30 de agosto. Logo em seguida o caso foi esclarecido: o aplicativo do X havia passado a usar um serviço da empresa norte-americana Cloudflare, que protege servidores de grandes empresas contra ataques cibernéticos – no entanto, neste processo de aumento da segurança e da estabilidade de sites com tráfego intenso, o IP real do servidor é mascarado, o que permitiu a alguns usuários brasileiros conseguir acessar livremente o X. Representantes da mídia social informaram que a mudança tinha o objetivo de melhorar o serviço para os demais usuários da América Latina, já que o acesso à infraestrutura regional havia sido prejudicado com o bloqueio da rede no Brasil, e que a possibilidade de brasileiros voltarem a usar o X era um efeito colateral que logo seria revertido – de fato, já na tarde de quinta-feira o bloqueio havia retornado totalmente. Ou seja, não se tratava de uma manobra intencional para burlar a decisão de Moraes, e especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo se disseram surpresos de o X não ter recorrido antes a serviços como o oferecido pela Cloudflare.
A repercussão do bloqueio ao X chegou a lugares como a Casa Branca e o Parlamento Europeu. No entanto, apenas um otimismo muito exacerbado pode nos fazer crer que algum resultado prático sairá dessa exposição global
Mesmo assim, a megalomania de Moraes falou mais alto e o ministro, convicto de que tudo o que Elon Musk faz tem a intenção de atingi-lo, tomou mais uma decisão absurda. Com a cumplicidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que acusou – sem prova alguma – o X de deliberadamente tentar contornar o bloqueio usando o serviço da Cloudflare, Moraes aplicou uma nova multa de R$ 5 milhões ao X e também à Starlink, mais uma vez recorrendo ao argumento falso do “grupo econômico de fato”, violando os códigos processuais e novamente colocando em risco a liberdade econômica no Brasil, depois de ter confiscado R$ 11 milhões da empresa provedora de internet via satélite. Como se não bastasse, Moraes autorizou a Polícia Federal a caçar os brasileiros que cometeram o inominável crime de usar o X, para aplicar-lhes a multa ilegal e desproporcional de R$ 50 mil.
É neste contexto da intensificação do abuso supremo que estão surgindo as concessões feitas por Musk, sem que tenha ocorrido nenhum tipo de relaxamento das decisões de Moraes sobre o X até a tarde desta sexta-feira, quando este editorial entrou no ar. Não nos cabe, aqui, analisar as motivações do bilionário; cabe única e exclusivamente a ele explicar sem ficar envergonhado as razões pelas quais passou a cumprir as ordens inconstitucionais e injustas do ministro, para citar uma frase que certamente envelheceu mal rapidamente. O que os brasileiros devemos nos questionar, neste momento, é se há alguma limonada a ser feita desta farta safra de limões.
Quem enxerga o copo meio cheio afirma que, mesmo com a vitória de Moraes neste round, o episódio serviu para exibir ao mundo o espírito liberticida que move nossa suprema corte. De fato, a repercussão do bloqueio ao X chegou a lugares como a Casa Branca e o Parlamento Europeu. No entanto, apenas um otimismo muito exacerbado pode nos fazer crer que algum resultado prático sairá dessa exposição global. Não seremos resgatados por parlamentares norte-americanos ou pela esperança de uma revogação de visto. A cada vitória de Moraes, as liberdades no Brasil saem derrotadas, e acabar com este ciclo está nas mãos dos brasileiros, e apenas deles: dos políticos, das entidades da sociedade civil organizada, da imprensa e dos formadores de opinião, do povo nas ruas. Mas, para isso, é preciso acordar de vez para a importância das liberdades e para o risco de as perdermos.
FONTE: GAZETA DO POVO https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/bloqueio-do-x-elon-musk-alexandre-de-moraes-vitoria/
Moraes rejeita recursos do X e de Monark para desbloqueio de contas
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela rejeição de recursos da rede social X e do influenciador digital Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark, para desbloquear os perfis dele na plataforma. O caso começou a ser julgado nesta sexta-feira (20), em sessão virtual, da Primeira Turma da Corte.
Como relator dos casos que determinou o bloqueio de contas atribuídas a Monark, Moraes considerou que a defesa do influenciador não apresentou argumentos aptos para a alterar a decisão do bloqueio. Segundo ele, a criação de novos perfis nas redes é um “artifício ilícito” para “produzir (e reproduzir) conteúdo que já foi objeto de bloqueio nestes autos”.
No voto pela rejeição, Moraes enfatizou que Monark segue “veiculando novos ataques, violando decisão judicial, o que pode caracterizar, inclusive, o crime de desobediência”.
A rede social X decidiu recorrer do bloqueio do perfil de Monark, por considerar que “fere princípios constitucionais, como o da liberdade de expressão”.
Ao rejeitar o recurso do X, Moraes destacou que “não cabe ao provedor da rede social pleitear direito alheio em nome próprio, ainda que seja o destinatário da requisição dos bloqueios determinados por meio de decisão judicial para fins de investigação criminal”.
O julgamento no plenário virtual ocorre até o dia 27 de setembro, se não houver pedido de vista ou de destaque, para levar o caso ao plenário. Os demais votos serão proferidos pelos ministros Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino.
“Perseguido político”
Monark está morando nos Estados Unidos desde setembro de 2023, quando disse à Gazeta do Povo que precisou deixar o Brasil por ter se tornado um “perseguido político”.
Monark virou alvo do judiciário por criticar medidas consideradas abusivas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o período eleitoral de 2022.
Grande parte das críticas foram direcionadas ao então presidente da Corte, o ministro Alexandre de Moraes.
O influenciador teve todas as redes sociais bloqueadas, em junho de 2023, por conta de uma entrevista com o deputado Filipe Barros (PL-PR) em que o parlamentar citou fragilidades das urnas eletrônicas com base em inquérito aberto a pedido do próprio TSE.
FONTE: GAZETA DO POVO https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/moraes-rejeita-recursos-do-x-e-de-monark-para-desbloqueio-de-contas/
Be the first to comment on "Como o Estado brasileiro virou inimigo das redes sociais"