O ministro Antônio Valmir Campelo Bezerra foi empossado na Sessão Solene realizada quarta-feira (18) no Instituto Histórico e Geográfico na cadeira nº 68 do patrono Milton Ramos. O evento aconteceu na sede do Instituto. Após a solenidade de posse foi servido um coquetel.
Senhor Presidente, Doutor Paulo Castelo Branco,
Senhoras e Senhores acadêmicos e demais sócios presentes,
Caríssimos amigos,
Senhoras e Senhores,
“O tempo tudo corrói, mas reserva do morto
a seiva secular do trabalho ou martírio
que foi a sua existência, nobreza ou delírio…
assim, do val amargo aos pórticos deste horto,
se passa o amor, a vida, a crença, a dor e a glória, porém, há um poder maior que eternamente fica…
A HISTÓRIA!”
É ancorado nesses versos do formidável poeta goiano Antônio Americano do Brasil que busco na história conceitos e méritos que possam dar ênfase e brilho às palavras de alegria e entusiasmo que traduzem a minha chegada ao convívio de tão ilustres figuras.
Balizado por essa memorável mensagem poética, que acolhe o tempo findo, começo falando do passado, que ajuda a compreender a vida e que para mim é intocável, mas sem perder de vista a perspectiva do futuro, que alenta a existência.
Atento à reflexão de Mário Quintana, no sentido de que “o tempo é a insônia da eternidade”, lembro que foi longa a trajetória e lento o tempo para alcançar a culminância desta singular tribuna e me incorporar à honrosa companhia dos eminentes membros do prestigioso Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.
Parti da minha querida Crateús, polo da região centro-oeste do Ceará, cidade de grande importância na história política, geográfica e econômica do Estado, com seus atrativos naturais, como a Reserva Serra das Almas, a Fauna dos Caboclos, o Canyon e os Poços do Rio Poty, as grutas e cavernas, o Castelo de Pedra, o Olho d’Água, o Açude Carnaubal e o Açude Realejo.
Tenho-a como recanto de uma semente ainda intacta dentro de mim, germinada para carregar eternamente no sangue o sentimento de orgulho por ser parte daquele lugar que arquitetou meu projeto de vida com as lições retidas ao longo da minha formação geral lá obtida, e que consolidaram o meu caráter.
Possibilitou-me experimentar o melhor que o mundo pode oferecer às pessoas, que é a infância feliz e a constituição de uma família em bases sólidas, parâmetros essenciais na formação do ser humano, onde buscamos nossas referências, nossas raízes, enfim, de onde vem a direção para a nossa caminhada.
Cheguei a Brasília em fins de 1962, atraído, como milhares de jovens da minha geração, pelo projeto messiânico de Juscelino Kubitschek. Brasília significava então para mim a terra das oportunidades, a possibilidade intuída de participar de um acontecimento grandioso, cujos desdobramentos eu não poderia jamais imaginar.
Oriundo de família humilde do interior do Ceará, para cá vim, na certeza de que estaria contribuindo para a construção de um novo momento da história do Brasil. E assim tem sido, com muita humildade.
Ao mesmo tempo, chegando em Brasília, passei a cumprir uma missão dada por meus saudosos pais, que era acompanhar a também saudosa irmã, Maria Valdira, que só poderia morar aqui, com o objetivo de prestar concurso para ingressar nos quadros da Câmara dos Deputados, sob a condição de estar acompanhada por um de seus irmãos.
Em passo seguinte, fiz o ensino médio no Colégio Elefante Branco, alcançando na sequência aprovação no vestibular para cursar Comunicação Social na UnB, influenciado pela minha irmã, também jornalista e já servidora concursada da Câmara dos Deputados.
Complementei a minha formação acadêmica fazendo dois cursos de especialização em Berlim (Alemanha), sendo um em Desenvolvimento Urbano e outro em Meio Ambiente.
Se devo ao Nordeste a capacidade de luta, a têmpera e a resistência diante das adversidades, devo a Brasília tudo o que consegui na vida pública.
Nesta terra galguei, com sacrifício e obstinação, cada degrau da minha carreira.
Em 1963, ingressei no GDF como datilografo, chefe de seção, diretor e chefe de gabinete, administrador de Brazlândia (2 anos), Gama ( 7 anos) e Taguatinga (5 anos).
Depois de ocupar diversos cargos na Administração local, a proximidade com o público acabou por me empurrar para a política partidária.
Com a redemocratização do País e a emancipação política do Distrito Federal, fui brindado com a honra de ser o Deputado Federal mais votado nas primeiras eleições realizadas nesta Capital, em 1986.
Na condição de Deputado Federal Constituinte, não só acompanhei o desenvolvimento dos trabalhos daquela histórica Assembleia, como também participei, de modo efetivo, atenta e diuturnamente, da própria elaboração da Lei Fundamental, cujos 36 anos de vigência iremos comemorar no mês de outubro próximo, lembrando sempre da dignificante atuação dos Constituintes, ao longo dos vários meses de cansativo trabalho e extraordinário devotamento à nobilíssima missão em que fomos investidos.
Orgulhosamente, posso dizer que ajudei a escrever o Texto Magno de 1988, com uma participação bastante ativa, importando lembrar que, do total de 913 votações no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, participei de 912 delas, sendo que apenas o Doutor Ulysses Guimarães, Presidente, esteve presente em todas as 913 Sessões.
Sempre defendi o Distrito Federal por se tratar de mais que uma simples unidade federativa ou uma cidade estado, por ter, além dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, um quarto poder, que seria as Embaixadas, sediadas em Brasília.
Apresentei emenda com essa justificativa, que dizia que a União deveria manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpos de Bombeiros, além das áreas da Saúde e Educação. A União custeava 100% dessas despesas, graças ao apoio irrestrito do Relator Geral, Bernardo Cabral e do Vice Presidente da Constituinte, Mauro Benevides.
1. O fundo constitucional, limitando esse percentual, só passou a existir quando eu já era Ministro do Tribunal de Contas da União. 7 A origem do fundo, portanto, era da emenda que fiz para defender nosso Distrito Federal.
São também de minha autoria as redações de outros dispositivos da Constituição igualmente expressivos, pelo alcance dos respectivos conteúdos normativos, a exemplo dos arts. 243 e o art. 20, é a equiparação dos salários dos inativos aos que se encontravam na atividade.
Por oportuno, permito-me mencionar, ainda, que durante todo o período da Constituinte, exerci os elevados cargos de Vice- Presidente da Comissão da Organização do Estado, tendo assumido a presidência quando foi transformado os Territórios em Estado e com a criação do Estado de Tocantins.
Quatro anos depois (1989), em nova demonstração de confiança recebida pelo povo do Distrito Federal, fui eleito Senador da República, concorrendo por apenas uma vaga. No Senado, tive a honra e o privilégio de conviver com o expoentes da República, tais como os consagrados senadores José Sarney, Mauro Benevides, Darcy Ribeiro, Afonso Arinos, Jutahy Magalhães, Hugo Napoleão, Jarbas Passarinho, Marco Maciel, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, entre outros.
Em 1997, Deus reservava-me ainda uma surpresa. Indicado pelo Senado Federal, tive o meu nome aprovado por unanimidade naquela Casa e pela maioria da Câmara dos Deputados, para ocupar o dignificante cargo vitalício de Ministro do Tribunal de Contas da União, onde exerci as mais relevantes funções, inclusive a Presidência, permanecendo naquela Instituição mais que secular até 2014, quando deixei a Magistratura para ocupar o igualmente honroso cargo de Vice-Presidente do Banco do Brasil.
Senhoras e Senhores,
Posso dizer, sem risco de exagero, que os 62 anos em que estou nesta cidade correspondem a um dos períodos mais vibrantes, fecundos e complexos de toda a história do Brasil.
Assim, sou brasiliense por opção e de todo o coração. Edifiquei uma vida pública no Distrito Federal sempre lutando pelo ideal de colocar esta Unidade da Federação à altura do seu posicionamento na organização político-administrativa da nossa República.
Abrigando gente vinda de todos os cantos do País, Brasília é uma cidade nacional por excelência. O sonho de realização da cidadania (escola, emprego, assistência à saúde etc.) atrai, legitimamente, pessoas com as mais variadas formações e condições sociais, ávidas por progresso, conquistas e concretização de sonhos.
Estou convicto de que os sonhadores têm um lugar de destaque neste tempo incerto, em que tantas mudanças e tantos novos desafios nos interpelam, em que a humanidade procura incessantemente os caminhos que conduzam à terra prometida da globalização da dignidade.
Que a prosperidade e a justiça social cheguem a cada um. Eis o meu sonho e a minha esperança, na certeza de que não estou sozinho nesses sinceros votos, pois na atual conjuntura mundial não há lugar para estrela perdida, que é sempre vista como um minúsculo ponto de luz na escuridão.
Pois que continue assim, Brasília. Prossiga fazendo história e despertando sonhos e esperança. No porvir, certamente as gerações futuras poderão testemunhar orgulhosamente que a chama de Juscelino Kubitschek continuará resplandecer nesta terra abençoada.
Com alegria e emoção indescritíveis, vejo esta cidade hoje plenamente consolidada como capital e centro gravitacional do País, em todos os sentidos, sendo a primeira cidade moderna a receber o honroso título de Patrimônio Cultural da Humanidade.
Posso afirmar, sem modéstia, que fui testemunha e partícipe dessa façanha reconhecida mundialmente como a maior epopeia do século XX.
Após um árduo percurso e muitas escalas, numa sucessão de acasos felizes, que surgiram no meu caminho e que prefiro entender como a lógica de Deus, que é espiritual e divinamente sábia, conforme acentua o escritor francês Georges Bernanos, percebo que o rumo percorrido não resultou em pura perda.
Afinal, conferindo validade ao dizer de Virgílio, em sua Eneida, no sentido de que o destino encontrará o seu caminho, vejo-me aqui sobremodo alteado, ao me integrar orgulhosamente a esta nobre Casa, justamente reconhecida pelos relevantes serviços prestados à memória de Brasília e a história do País.
Com indisfarçável satisfação, incorporo-me a este Instituto consagrado como guardião dos conhecimentos relativos ao passado da nossa capital e à sua evolução, graças ao gesto consagrador e generoso dos eminentes pares, aos quais se impõe reconhecer um esforço continuado em favor da preservação da memória desta cidade, de modo a transmitir para as sucessivas gerações a sua história.
Recebo a elevada distinção ora conferida a mim por esta Casa, e que tanto me desvanece e me comove, como um prêmio de valor inestimável, a coroar uma carreira de devotado homem público.
Não obstante a extensa quadra na luta, posso assegurar que ainda não arrefeceu em mim o ânimo para continuar a vida de trabalho intelectual, cívico, profissional e político em defesa do bem comum, agora acrescida, por força do ingresso nesta venerável instituição.
Acrescento à honra de ingressar na majestosa instituição a alegria de ser saudado por uma amiga dileta e brilhante membro desta entidade, a ex-Governadora do Distrito Federal e ex-Administradora de Ceilândia, Deputada Federal Constituinte Maria de Lourdes Abadia.
A ela, minha gratidão pelas amáveis e bondosas palavras a meu respeito. Estimada Maria de Lourdes Abadia, esteja certa de que somos todos devedores da sua lúcida contribuição para o desenvolvimento do Distrito Federal.
E assim fazendo, quero estender a gratidão à minha família e à minha terra natal, esta com suas paisagens, sua gente e seus lugares. A todos eles, devo ao menos muito do pouquíssimo que sou, como diz Antônio Nobre.
Senhoras e Senhores,
Feito esse necessário passeio por minha biografia, até mesmo para me alinhar desde logo aos objetivos desta organização que prima tanto pela rememoração de fatos históricos, faz-se imperiosa agora uma ligeira abordagem sobre Milton Ramos, que é o patrono da Cadeira n° 68, da qual hoje me aproximo, com a enorme responsabilidade de honrar as tradições do grande arquiteto fluminense, credenciado por uma trajetória de valor excepcional, e amplamente louvado pelo fulgor de sua criatividade, com que pavimentou o seu definitivo lugar na galeria dos maiores nomes da nossa arquitetura.
E inegável o seu destaque entre aqueles que participaram do importante movimento de afirmação da modernidade arquitetônica no Brasil e do seu posterior desenvolvimento.
Assim, contribuiu decisivamente para a prevalência da arquitetura moderna nesta Capital, onde, com a experiência adquirida nos vários anos de profissão na lida com o concreto armado, pôde demonstrar a qualidade plástica e expressividade de sua obra.
Sua visão arrojada e inovadora moldou paisagens urbanas, deixando um legado que transcende o concreto. A habilidade única de Milton em harmonizar forma e função elevou o design arquitetônico a uma forma de poesia visual.
Em síntese, Milton Ramos foi mais que um arquiteto renomado. Na verdade, ele foi um poeta que esculpiu com concreto e aço, o seu valioso trabalho que transita pelos tempos como as “eternidades do minuto”, de que fala Drummond, para ocupar um território privativo das grandes realizações.
Por último, peço licença a todos para encerrar a presente manifestação lendo, despretensiosamente, os seguintes versos que brotaram em minha mente quando, ao recordar a maneira extraordinária como foi erguida esta cidade, passei a refletir sobre a vida dos operários anônimos, aqueles valorosos e empenhados trabalhadores tão necessários para as construções, mas cujo reconhecimento não os alcança. Digo eu:
Sob o sol do meio-dia, ergue-se o anônimo,
Braços firmes, calejados, erguendo sonhos,
Em cada tijolo, um pedaço de vida,
Em cada gota de suor, uma história não ouvida.
Seus passos ressoam no ritmo da esperança,
No chão duro, no concreto, sua dança.
Olhos fixos no horizonte, sempre em frente,
Lutando, criando, construindo, persistente.
Ninguém lhe conhece o nome, mas seu legado é claro,
Erguendo pontes e lares, seu trabalho é raro.
No silêncio da noite, ao findar do labor,
Repousa o operário, sonhando com amor.
E o mundo segue, moldado por suas mãos,
Um herói anônimo, sem medalhas, sem afãs.
Sua força, seu suor, na história entrelaçados,
Um tributo ao operário, em versos eternizados.
Muito obrigado a todos.
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, em 19 de junho de 2024.
Valmir Campelo
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