Junho foi um mês de desvalorização generalizada das moedas nas maiores economias da América Latina, com Chile (cujo peso perdeu 9,85% de valor ante o dólar) e Brasil (-8,47%) puxando a fila.
Os aumentos de juros nos Estados Unidos, que atraem investidores para o porto seguro americano, e o receio de uma recessão mundial são fatores que explicam a valorização do dólar em nível internacional neste momento, mas quando se faz o recorte desde o início do ano, a perspectiva muda.
Apesar da desvalorização acentuada do real no mês passado, a moeda brasileira se valorizou ante a americana desde o início de 2022. Quando se olha o conjunto das dez maiores economias latino-americanas (e considerando-se a excepcionalidade de Equador e Porto Rico, onde a moeda é o dólar americano, e Cuba, que fixou o câmbio em 24 pesos por dólar no ano passado), Argentina, Colômbia e Chile, todos presididos pela esquerda ou perto de que isso aconteça (o presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, toma posse em agosto), são os únicos a apresentar grandes altas do dólar no acumulado do ano (veja gráfico), o que denota fatores locais além dos que assustam todos os países.
No caso do Chile, um fator localizado é a queda do preço do cobre, principal produto de exportação do país. Entretanto, o próprio presidente Gabriel Boric também atribuiu a alta do dólar – que pela primeira vez ultrapassou os mil pesos chilenos – à “incerteza” sobre a proposta de nova Constituição chilena.
Em plebiscito marcado para 4 de setembro, a população vai decidir se ela substituirá a Carta Magna que entrou em vigor durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Este mês, a revista inglesa The Economist classificou o texto da nova Constituição como uma “lista de desejos esquerdista fiscalmente irresponsável”, que poderá afastar investimentos do Chile se aprovado. “O documento é muito menos favorável aos negócios e ao crescimento do que a atual Constituição”, alegou a publicação.
Na Colômbia, a moeda local, o peso colombiano, vem se desvalorizando desde a eleição do primeiro presidente de esquerda da história do país, Gustavo Petro, em 19 de junho.
Um dia antes da vitória dele no segundo turno sobre Rodolfo Hernández, o dólar estava cotado a 3.905,90 pesos colombianos, menos do que no início de janeiro (4.065,33). Na semana passada, a moeda americana ultrapassou os 4,6 mil pesos colombianos, mais de 16% a mais do que antes de Petro ser eleito.
No mesmo período, o dólar teve valorização de 4,66% sobre o real e de 2,31% sobre o peso mexicano.
Analistas consideram que o item no plano de governo de Petro que mais vem gerando preocupação entre investidores é a previsão de que novas licenças para a exploração de hidrocarbonetos não serão emitidas, o que poderia levar a Colômbia a importar petróleo (hoje o principal produto de exportação colombiano) e gás dentro de alguns anos.
“No último mês, o peso colombiano se desvalorizou muito e isso coincide com a eleição de Petro”, afirmou Ricardo Ávila, analista sênior do jornal colombiano El Tiempo, à BBC. “Se a percepção é de que haverá uma entrada menor de dólares, eventualmente isso afeta o câmbio.”
Crise política e econômica na Argentina
No caso da Argentina, além da economia dolarizada pela desconfiança histórica sobre o peso local, as tensões públicas entre o presidente Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner sobre a política econômica do país se intensificaram desde o acordo selado em março para refinanciamento da dívida do país junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Neste mês, tomou posse uma nova ministra da Economia, Silvina Batakis, substituta de Martín Guzmán, que liderou as negociações com o FMI e foi “fritado” pelo kirchnerismo, corrente do peronismo defensora da manutenção de pesados gastos sociais e subsídios.
Além dos efeitos na inflação, a alta da moeda americana é especialmente dramática porque a Argentina se comprometeu a aumentar as suas reservas líquidas em US$ 5,8 bilhões neste ano no compromisso junto ao FMI.
Poucos dias após sua posse, Batakis sinalizou a suspensão do acesso ao dólar para viagens ao exterior para que a moeda americana esteja “à disposição” do setor produtivo.
“O governo mostra uma total incapacidade de acumular dólares no Banco Central, apesar de ter as maiores exportações da história argentina nos últimos 20 anos, com preço recorde de commodities agrícolas”, apontou Jorge Castro, presidente do Instituto de Planejamento Estratégico (IPE), em sua coluna no jornal Clarín.
“O atual sistema de poder encontra-se em crise terminal, com características de decomposição generalizada e crescente, em situação de profunda impotência política”, criticou.
Fonte: Gazeta do Povo
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