MP pede que Justiça proíba Léo Lins de fazer piadas no CE sobre criança com deficiência

O Ministério Público do Ceará (MPCE) ajuizou Ação Civil Pública (ACP), na segunda-feira (11), contra o humorista Leonardo de Lima Borges Lins, conhecido como Leo Lins, após a repercussão do vídeo em que ele faz uma piada sobre uma criança cearense com hidrocefalia. O conteúdo foi publicado no dia 29 de junho. A ação foi instaurada atendendo a uma representação da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Ceará (OAB-CE). De acordo com alguns juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, o tema é sensível, mas a ação pode ser encarada como “censura prévia”.

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Em nota, o MPCE explicou que “a ação visa coibir que o humorista continue fazendo piadas de cunho preconceituoso contra pessoas com deficiência, idosos e outras minorias, já que o humorista tem show agendado em Fortaleza no próximo dia 30 de julho”.

Na ação, o MPCE pediu também que a Justiça aplique uma multa no valor de R$ 20 mil por cada menção desrespeitosa que eventualmente seja feita pelo humorista durante o show na capital cearense.

No vídeo citado pela OAB-CE, Léo Lins fez a seguinte declaração: “Eu acho muito legal o Teleton, porque eles ajudam crianças com vários tipos de problema. Vi um vídeo de um garoto no interior do Ceará com hidrocefalia. O lado bom é que o único lugar na cidade onde tem água é a cabeça dele. A família nem mandou tirar, instalou um poço. Agora o pai puxa a água do filho e estão todos felizes”.

Segundo a representação da OAB-CE, “o referido humorista tem se notabilizado por ‘piadas’ de cunho depreciativo, as quais se fazem necessárias as apurações a fim de que seja verificada a existência ou não de ilícito penal”.

Em uma publicação na rede social, Léo Lins alegou que a medida do MPCE “flerta perigosamente com a censura”. “Um ataque muito perigoso está sendo feito ao humor. Coibir via lei uma piada no palco. A justificativa é a piada ser preconceituosa. Mas quem determina se a piada ofendeu ou não a honra de alguém ou um grupo?! Como vai funcionar esta ação do Ministério Público caso aprovada? Teremos um funcionário dentro dos teatros averiguando o riso? Questionando os espectadores se eles se ofenderam?”, escreveu o humorista.

À Gazeta do Povo, Léo Lins afirmou que considera a ação como uma “medida autoritária” e “um grande salto para censura”. “Inibir via lei uma piada no palco de um teatro, é um pequeno passo pro ministério público do Ceará, mas um grande salto para a censura”, disse.

“Em breve teremos apenas arte que agrade ao estado? Aos olhos do ministério público as pessoas são mentalmente incapazes de decidirem se um conteúdo é ou não agradável a elas?! A justificativa para esta medida autoritária é se a piada é ofensiva ou preconceituosa. Mas quem vai determinar isso? Teremos agora nos teatros um fiscal de piadas?! Entre uma piada e outra haverá uma votação para verificar se alguém se ofendeu? Talvez o próprio fiscal julgue sozinho. Estamos em 2022 ou ‘1984’?”, afirmou Léo Lins.

“Será triste viver numa sociedade onde o Estado vai decidir do que podemos ou não sorrir. E… Se contar piadas num palco for crime, me prendam”, disse o humorista.

“Piada ofensiva”

A representação da OAB-CE foi entregue ao Ministério Público no dia 07 de julho. No ofício, os advogados afirmaram que Léo Lins agiu com insensibilidade, desrespeito e maldade ao proferir “piada ofensiva”, motivo pelo qual requisitou a apuração do MP sobre possível cometimento de ilícito penal por parte do humorista.

“É necessário afirmar que ‘piadas’ dessa natureza são indignas de serem veiculadas. A reiterada falta de sensibilidade e falta de respeito demonstrado pelo artista reafirma que, na busca por momentos de destaque e aplausos, o ser humano pode ser frio e maldoso”, explica a OAB-CE na representação.

Segundo o presidente da OAB-CE, Erinaldo Dantas, a Lei Brasileira de Inclusão veda a discriminação de pessoas com deficiência. “O referido humorista tem se notabilizado por ‘piadas’ de cunho depreciativo, às quais se fazem necessárias as apurações a fim de que seja verificada a existência ou não de ilícito penal”, explicou.

O presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-CE, Emerson Damasceno, ressaltou que a entidade apoia a liberdade de expressão, “mas que fatos dessa natureza não podem ficar imunes à lei. A inércia das instituições ante algo tão reprovável não é o que se espera em um estado democrático de direito”.

O comportamento de Lins, segundo o Ministério Público do Ceará, contraria as diretrizes da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário. “As nações que incorporaram a convenção com status constitucional devem se comprometer a tomar todas as medidas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada”, destacou o comunicado divulgado pelo MPCE.

Em nota divulgada no dia 04 de julho, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) repudiou a “piada” feita por Léo Lins: “Em uma fala extremamente infeliz e bastante capacitista, ele ataca pessoas com hidrocefalia, chama as pessoas com deficiência de “crianças com vários tipos de problemas” e mostra desrespeito ao povo do Ceará”. A AACD ainda reforçou que aguarda um pedido de desculpas do humorista.

No dia 6 de julho, o humorista publicou em suas redes um vídeo em que esteve visitando a AACD e mencionou: “a única vez que me emocionei foi, ironicamente, na @aacdoficial. Em um mundo de aparências, pra mim vale a essência”.

“Qual o limite do humor?”

O advogado criminalista e doutor em Direito pela PUC-Minas, Dário Júnior, avalia que o tema é muito sensível e de fato, a tutela inibitória determinada pelo MPCE, pode ser vista como uma “censura prévia”.

“Trata-se de uma censura prévia, na medida em que o artista está sendo cerceado antes mesmo de fazer o espetáculo e de uma forma um pouco imprecisa. Ele está sendo cerceado na atividade humorística e mais do que qualquer outra pessoa, ele precisa ter uma ampla liberdade de expressão. Não é possível produzir humor sem liberdade de expressão. O problema da multa em caso de piadas ofensivas contra minorias é identificar previamente o que pode e o que não pode ser dito”, explicou.

Segundo o advogado, “o princípio da liberdade de expressão é dizer o que bem entende e a verificação deve vir a após a fala ou conteúdo divulgado. Se gerou dano ou ofensa, deve ser apurado e sancionado seja com base no Código Penal ou na Lei Brasileira de Inclusão”.

A Lei 13.146/2015 – conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão – em seu Art. 88, estabelece multa ou reclusão de 1 a 3 anos para quem “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”. Se os crimes previstos for cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, a reclusão pode ser de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Sobre a representação da OAB-CE, Dário Júnior informou que a entidade se baseou na legislação e em precedentes judiciais, sendo uma em que o próprio humorista foi condenado por ter feito piadas ofensivas a uma pessoa transgênero.

“É uma discussão muito presente: Qual é o limite do humor? Em uma decisão que o Léo Lins foi condenado, na comarca de Jacareí, uma juíza disse na decisão que o limite do humor é o bom senso – linha imaginária – é melhor perder a piada do que o amigo. É tudo muito abstrato, não há uma linha concreta do que venha a ser liberdade de expressão ou uma ofensa passível de uma ação para coibir esse tipo de coisa”, disse.

O limite da liberdade de expressão

A liberdade de expressão, como outros direitos, não é absoluta. Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo explicam que entre os limites à liberdade de expressão, por exemplo, está o respeito a bens personalíssimos, como a honra, a privacidade e a imagem. Apologia ao crime e racismo são outras condutas que devem ser penalizadas. Essas são restrições bastante pontuais e bem delineadas. Para os demais, deve prevalecer a Constituição, que prevê, em seu artigo 5º ser “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos – bastante utilizada como referência para a liberdade de expressão – prevê no artigo 13 que: “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.

“A defesa da liberdade de expressão, que é o que está em jogo no caso do humorista Léo Lins, desde há muito tempo, na doutrina americana é dividida entre restrições prévias e sanções posteriores – na trilha da jurisprudência americana mais aprofundada neste assunto – restrições prévias como a importa pelo MPCE devem ser vistas com desconfiança e até muitas vezes rejeitadas”, explica André Gonçalves Fernandes, pesquisador da Unicamp e doutor em Filosofia do Direito.

Segundo Gonçalves Fernandes, “a medida prévia pode se enveredar para uma censura prévia e em última análise, inviabiliza o exercício da liberdade de expressão, ainda que a primeira vista, ele parece estar exacerbando do direito”.

“Ordens judiciais como essa só são convenientes em casos em que se verifica uma ameaça certa e grave. Nem todo o caso em que se possa ter responsabilidades posteriores – indenização por danos morais – merece razoavelmente que seja ditado uma medida prévia judicial. Os eventuais ofendidos pelo excesso da liberdade de expressão pode resolver em caráter individual ou coletivo das associações solicitando uma indenização coletiva ao autor das piadas”, explica.

Fonte: Gazeta do Povo

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