Quando o ministro Luiz Fux assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2020, o movimento interno de oposição à Lava Jato já era forte e consolidado. Apoiador da operação e conhecido por votar sempre a favor da Lava Jato, Fux tomou posse prometendo que não mediria esforços para fortalecer o combate à corrupção e barrar retrocessos nessa área.
Mas, perto de encerrar sua presidência no Supremo, em setembro, o saldo da gestão de Fux até agora é considerado negativo por ativistas e observadores que defendem a luta anticorrupção. E Fux fechará sua gestão colocando em pauta um julgamento da nova Lei de Improbidade Administrativa que pode referendar (ou conter) mais um retrocesso no combate à corrupção.
Quando tomou posse no comando do STF, Fux disse: “A sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção”.
Havia sido nos dois anos anteriores, na gestão de Dias Toffoli na presidência do Supremo, que a Corte acabou com a prisão em segunda instância, mandou transferir casos complexos de corrupção para a Justiça Eleitoral e começou a arquivar uma série de investigações contra políticos suspeitos.
Mas Fux, compondo uma ala que se tornou minoritária no STF, mesmo com o poder da pauta no plenário, não conseguiu conter a “devastação” da Lava Jato e do combate aos desvios de recursos públicos, liderada sobretudo por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Foi entre março e abril do ano passado que, por força dos dois ministros, a Corte anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato e julgou o ex-juiz Sergio Moro parcial para atuar nos casos. Nos dois julgamentos, Fux votou contra, mas ficou vencido. Auxiliares e apoiadores de Fux dizem que eram decisões impossíveis de impedir, já que a ampla maioria dos ministros favoreceu Lula.
A anulação das condenações, por incompetência da 13.ª Vara de Curitiba, comandada durante a Lava Jato pelo ex-juiz Sergio Moro, foi iniciativa do próprio relator da operação no STF, Edson Fachin, e foi aprovada por 8 votos a 3 no plenário. A suspeição de Moro, por sua vez, foi decidida por 7 a 4.
Ao longo do ano, na esteira de Lula, vários outros políticos importantes conseguiram se livrar de processos de corrupção. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI); e com os tucanos Aécio Neves (PSDB-MG), deputado federal, e José Serra (PSDB-SP), senador licenciado. Todos tiveram denúncias, inquéritos ou ações penais encerradas pelos ministros do STF em 2021.
Antes disso, Fux tentou frear essa tendência quando, ainda em 2020, aprovou uma mudança no regimento interno do STF para que somente o plenário, composto pelos 11 ministros, decidisse sobre o recebimento de denúncias (ato que deflagra um processo criminal e torna o investigado réu) e julgasse as ações penais (em que se decide se haverá condenação ou absolvição do acusado). A Segunda Turma, porém, onde tramitava a maior parte dos casos de corrupção, driblou a regra decidindo segurar processos que já estavam em andamento.
Em seu primeiro ano à frente do STF, Fux ainda buscou dar um recado de que seria rigoroso no combate ao crime, ao anular, de forma monocrática (individual), uma decisão do hoje ex-ministro Marco Aurélio Mello, que havia permitido a soltura do megatraficante André do Rap, um dos chefes do PCC. Fux obteve apoio da maioria no plenário para mandá-lo de volta para a cadeia, mas não adiantou, porque o criminoso já havia fugido do país. Marco Aurélio, por sua vez, criticou duramente o presidente do STF poder cassar sua decisão por meio de outra ação independente.
No final de 2020, Fux admitiu suas limitações no enfrentamento ao crime na política. Kassio Nunes Marques afrouxou regras da Lei da Ficha Limpa, permitindo que condenados ficassem menos tempo inelegíveis. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu que Fux que derrubasse a decisão, mas ele recusou, dizendo que só o colega poderia reconsiderar seu posicionamento dentro de um recurso. “Ele proferiu liminar que é passível de recurso que só ele pode julgar. As pessoas às vezes imaginam que o presidente do STF pode tudo, não pode tudo. Pode muito, mas não pode tudo”, disse Fux à época. Só em março deste ano, Fux conseguiu uma vitória no tema, quando o plenário, seguindo um voto de Alexandre de Moraes, reverteu por 6 a 4 a decisão de Nunes Marques.
Ainda conta a favor de Fux o fato de ter conseguido segurar, por mais de dois anos, a implementação da figura do “juiz de garantias”. Trata-se de um modelo, aprovado pelo Congresso, que afasta o juiz que supervisiona a investigação do julgamento final do acusado. Para a maior parte dos magistrados, é um sistema que tumultuaria o processo, levando a maioria dos casos criminais à prescrição.
Em janeiro de 2020, antes mesmo de assumir o comando do STF, Fux havia suspendido por liminar a implementação do juiz de garantias. Desde então, nunca mais liberou o processo para julgamento pelo plenário do Supremo, travando a decisão final. A justificativa para a paralisação do processo de implantação do “juiz de garantias” é que o Judiciário ainda não tem condições de mudar sua estrutura e que o Congresso trabalha num novo Código de Processo Penal que traçará um cronograma de até cinco anos para implementação gradual da novidade.
Fux pauta julgamento da Lei de Improbidade para agosto
Luiz Fux pautou para agosto, quando o STF encerra o recesso de meio de ano, o julgamento de uma ação com risco de trazer mais um retrocesso para o mau uso dos recursos públicos. O plenário vai decidir se a nova Lei de Improbidade Administrativa – que só permite a condenação quando houver dolo (intenção) de lesar o patrimônio ou gerar enriquecimento ilícito – deve ser aplicada de forma retroativa a 2021, ano de sua aprovação pelo Congresso.
A nova lei também tem prazos mais curtos de prescrição de crimes, o que pode favorecer vários políticos já condenados no passado, cujos processos duraram mais que as atuais regras permitem. O pedido para apressar o julgamento foi feito em junho pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o principal articulador e interessado na aprovação da nova lei.
Presidente do STF mantém discurso a favor da luta contra a corrupção
Embora tenha sido voto vencido no STF em questões relacionadas à Lava Jato, Luiz Fux tem mantido a defesa do combate à corrupção em seus pronunciamentos públicos.
No início deste ano, percebendo o desgaste da imagem do STF com os sucessivas anulações e arquivamentos de processos de corrupção, Fux fez questão de frisar que atos ilícitos efetivamente ocorreram e que só não foram punidos por “questões formais”.
“Ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato, muito embora tenha havido uma anulação formal, mas aqueles R$ 50 milhões das malas eram verdadeiros, não eram notas americanas falsificadas”, afirmou Fux, referindo-se ao caso do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que mantinha o montante num apartamento desocupado em Salvador (BA). “O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu US$ 98 milhões e confessou que tinha efetivamente assim agido”, continuou o presidente do STF, então referindo-se a outro envolvido na Lava Jato, Pedro Barusco.
Luiz Fux deixa o comando do STF em setembro, e quem assume é a ministra Rosa Weber.
Como foi a relação de Fux com o governo Bolsonaro
O período de Fux na presidência do STF também coincidiu com o momento de maior tensão do presidente Jair Bolsonaro (PL) com a Corte. Os embates se intensificaram em meados de 2021, após sucessivas derrotas do governo, principalmente relacionadas ao enfrentamento da pandemia de Covid-19, e também pela intensificação das medidas do ministro Alexandre de Moraes contra o presidente e seus apoiadores nos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das milícias digitais.
Fux sempre foi poupado das duras críticas de Bolsonaro, mais direcionadas a Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, principalmente devido à atuação deles no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde o ano passado, em razão dos crescentes questionamentos e acusações de fraude de Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas, os três têm dado reiterados “recados” ao presidente de que podem cassar sua candidatura se julgarem que seus atos podem afetar a normalidade das eleições de outubro.
No início da crise, especialmente no ano passado, quando Bolsonaro passou a criticar mais duramente Barroso e Moraes, e anunciou que iria descumprir decisões do último, Fux reagiu com mais firmeza, pressionado pelos colegas.
Em pronunciamento no plenário do STF, após os atos de apoio a Bolsonaro no dia 7 de setembro, Fux foi incisivo: “Ninguém vai fechar essa Corte! A manteremos de pé com suor e coragem […] Este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Os juízes da Suprema Corte e todos os mais de 20 mil magistrados do país têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é nossa Constituição”.
Nos últimos meses, mesmo diante da contínua ofensiva de Bolsonaro contra o STF e o TSE, Fux optou por recuar. Aconselhado por interlocutores, passou a considerar que “bater boca” em público com o presidente agravaria a crise entre os poderes. Ele tenta manter relação amistosa com Bolsonaro e também os presidentes da Câmara e do Senado, dos quais buscou se aproximar mais para garantir apoio às decisões da Corte que incomodam o presidente.
Quando algum ministro ou o plenário toma decisões contrárias aos interesses do governo – o que ocorreu frequentemente na pandemia, na CPI da Covid, principalmente – Fux tenta afastar a pecha de que o STF se tornou um tribunal político. Diz sempre que os ministros têm independência para tomar decisões e que só agem quando provocados, ou seja, quando partidos de oposição ao governo acionam a Corte.
Por outro lado, o STF tem sido mais suave com o Congresso do que com o Executivo. Enquanto vários atos do presidente são derrubados de forma mais frequente e rápida pelos ministros, quando leis ou decisões questionáveis contam com o interesse do Legislativo pouco ou nada muda. Exemplos recentes são a manutenção do fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões, cujo montante quase triplicou em relação a 2018; e a dificuldade do STF em fazer o Congresso mostrar de forma ágil e completa os gastos do chamado “orçamento secreto”.
Fux, de qualquer modo, tem se mostrado crítico da constante “judicialização da política”, de levar sempre para o Judiciário a palavra final sobre decisões políticas que deveriam ficar circunscritas ao Legislativo e ao Executivo.
Uma das tentativas para conter o “ativismo judicial”, nesse sentido, seria a redução das decisões liminares monocráticas, isto é, aquelas em que um ministro resolve atender individualmente pedidos urgentes que chegam ao STF. No início da gestão, Fux defendeu que todas elas fossem levadas imediatamente para avaliação do colegiado no plenário.
A proposta não vingou, porque Gilmar Mendes cobrou que, antes disso, todas as liminares do passado que ainda seguem válidas, sem referendo do plenário, fossem levadas a julgamento. Isso acabou fazendo que o próprio Fux e outros ministros, que mantém de pé decisões individuais e que consideram importantes, recuassem.
Fonte: Gazeta do Povo
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