Os institutos General Villas Bôas, Sagres e Federalista lançaram neste mês um documento intitulado “Projeto de Nação”. No texto, há propostas para o Brasil até 2035, com cenários em diferentes áreas: da geopolítica mundial e governança nacional ao desenvolvimento econômico, educacional, de saúde, defesa e segurança. O projeto foi coordenado pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-presidente da organização não-governamental (ONG) Terrorismo Nunca Mais (Ternuma). E a elaboração foi conduzida por uma maioria de militares da reserva, embora tenha contado com a colaboração de professores e diplomatas aposentados.
O Projeto de Nação foi lançado num evento que teve a presença do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República – o que reforçou a imagem de que são as propostas dos militares para o Brasil.
Ao longo de 93 páginas, o Projeto de Nação traz uma visão conservadora e liberal na economia, que prevê até 2035 a cobrança de mensalidade em universidades públicas e de “indenizações pelos serviços prestados” ao Sistema Único de Saúde (SUS) às pessoas com renda familiar superior a três salários mínimos que utilizarem os serviços públicos de saúde.
Na ótica dos militares, diferentes problemas ou críticas atuais de parte da sociedade são superados ou amenizados na projeção feita para daqui a 13 anos. São citados como exemplo a “neutralização” da “ideologização radical” do ensino e a redução do excesso de burocracia, do custo Brasil e da insegurança jurídica. Com isso, a aposta deles é de que, em 2035, o país será a 6.ª maior economia mundial.
Outros desafios atuais, porém, ainda são previstos pelos militares para 2035. É o caso de gargalos na infraestrutura em segmentos ainda “carentes de políticas e estratégias capazes de sanear deficiências e pontos fracos relevantes”.
O “ativismo judicial político-partidário” é outro ponto citado, sendo classificado como “outra face, mais sofisticada” do globalismo. “Onde parcela do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública atuam sob um prisma exclusivamente ideológico, reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira”, diz um trecho do documento.
Qual é o pilar central do projeto de nação defendido pelos militares
A fim de superar os mais diferentes obstáculos, os militares apresentam sugestões para 37 “temas” permeados em sete “eixos”. A base central defendida por eles é a que aborda o cenário de governança nacional, que tem como pilar principal o que eles definem como estratégia nacional (EN), definida como “o próprio ‘Projeto de Nação’.”
A proposta dos militares é elaborar, implantar e gerir uma estratégia nacional capaz de “unir as lideranças e a sociedade” em torno de “objetivos nacionais que se mantenham vigentes, em seu cerne, ao longo de sucessivos governos”. O cenário para 2035 é de que tal estratégia teria sido alcançado ao longo da década de 2020 após uma “série de interações e audiências” entre representantes dos Três Poderes em todas as esferas do poder com a participação do setor privado e do terceiro setor.
A estratégia nacional seria flexível, uma vez que permitiria “contemplar as mudanças típicas da alternância de poder de uma democracia”. Para atingir esse objetivo, militares defendem que a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualmente sob o guarda-chuva do gabinete pessoal da Presidência da República, seja elevada ao nível de ministério, com atribuições para coordenar a formulação da estratégia nacional e integrar o Centro de Governo (CdG).
O CdG seria o responsável por implantar e gerir um Sistema Integrado de Gestão Estratégica (SIGE-BR), que, por sua vez, teria por finalidade aprimorar a governança no “nível estratégico nacional” com “a integração de políticas, estratégias, planos, programas, projetos e ações, de maneira coordenada, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, de modo convergente”, a fim de evitar “situações conflitantes”.
O trabalho de interlocução entre ministérios já é conduzido pela Casa Civil, que realiza as funções de coordenação de Estado, mas os militares defendem que o Centro de Governo promoveria uma articulação entre a SAE e a Casa Civil a fim de “evitar zonas cinzentas na coordenação dos ministérios e de órgãos de governo desse nível”.
Na hipótese de a SAE ser alçada ao status de ministério ainda este ano, o principal beneficiado seria o atual titular, o almirante Flávio Rocha. No início do governo, a pasta chegou a ser chefiada pelo general Maynard Santa Rosa, que integrou o comitê revisor responsável pelo “Projeto de Nação”.
O que diz o Projeto de Nação sobre economia e bem-estar social
A implementação da estratégia nacional (EN) é importante na visão dos militares pois assegura “rumos para orientar, unir e dar continuidade aos esforços da sociedade para o desenvolvimento, a segurança e o bem-estar”. Com ela, no cenário esboçado pelos militares, o Brasil conquistaria ainda nesta década uma cadeira na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o “clube” das nações desenvolvidas.
Com uma estratégia nacional bem definida, os militares também acreditam que a economia e o bem-estar humano possam ser desenvolvidos até 2035. O cenário feito por eles é de que, em 13 anos, o Brasil será a 6.ª maior economia do mundo. Hoje, o país é a 13.ª principal economia mundial.
A previsão é de que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita – tudo que é produzido dividido pelo número de habitantes – brasileiro será o 64.º do mundo. Hoje, é o 77.º. O desenvolvimento possibilitará que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) chegue em 2035 a 0,800, o mesmo patamar dos países desenvolvidos. Atualmente, o indicador brasileiro está em 0,765, o que coloca o país na 84.ª posição mundial.
Em 2035, militares calculam que o Brasil ampliará sua produção de alimentos em 35% em relação a 2022 “sem desmatamentos significativos e de maneira ambientalmente responsável e sustentável”. O cenário previsto por eles é de que “lideranças políticas, empresariais e a sociedade” compreenderão “a importância de o capital nacional ter preeminência nas decisões” em um “campo de alta relevância estratégica”.
Os militares defendem a elaboração de planejamento para o desenvolvimento “integral e integrado” da região amazônica a fim de assegurar o que definem como “integração da Amazônia” com “investimentos públicos e privados na infraestrutura de transportes”. A previsão é de que o cenário de integração “agronegócio-indústria” possibilitará não apenas o desenvolvimento sustentável na Amazônia, mas também no Nordeste.
Até 2035, a aposta é de que a matriz econômica sofrerá alterações, embora ainda prevejam uma predominância do setor de comércio e serviços. A indústria recuperará “parte de seu papel” no desenvolvimento do país, “especialmente em simbiose com o agronegócio”, que seguirá como o “sustentáculo e o grande responsável pelo crescimento econômico nacional”.
A previsão feita pelos militares reflete uma agenda liberal. Para eles, o desenvolvimento do país pode ser dinamizado pela aprovação de reformas estruturais. Com a proposta apresentada por eles, o Brasil chegaria em 2035 com a aprovação reformas tributária, administrativa e trabalhista, o que ajudaria a reduzir o custo Brasil, não eliminá-lo.
Também há uma convicção de que, adotadas todas as propostas dos militares, uma “reforma judicial” possa ocorrer nos próximos 13 anos “para promover previsibilidade e segurança no cumprimento de contratos”. A ideia é aprovar “mudanças na legislação relacionadas com infraestrutura, privatizações e investimentos em equipamentos”.
Além das reformas econômicas e judicial, eles acreditam que reformas educacionais serão demandadas para que o Brasil tenha desenvolvimento na economia e no e bem-estar social. Também há a aposta de implementação de “políticas e estratégias públicas e de parcerias público-privadas (PPPs) na saúde e educação.
Proposta de educação prevê mensalidade na universidade pública
Para o Brasil atingir o nível de prosperidade e desenvolvimento esperado pelos militares, será preciso que o país eleve o percentual do PIB investido em ciência, tecnologia e informação, dos atuais 1,3% para 2%. Eles também apontam a necessidade em implantar políticas públicas e PPPs para ampliar a cobertura de acesso à internet a 85% da população brasileira até 2035.
Na área de educação, o Projeto de Nação diz que é necessário “aperfeiçoar a formação profissional, ética e cívica dos quadros docentes” na educação básica, como também a promoção de “valores e práticas comportamentais que resultem na preservação e em melhoria das infraestruturas educacionais e na formação do cidadão”.
Também há a proposta de “valorização de boas práticas de comportamento, civismo, cidadania e disciplina dos alunos” e “aperfeiçoamento de professores nos aspectos profissionais, comportamentais, morais e éticos”. O documento fala ainda em “coibir a ideologização nociva do ensino”, tida pelos militares como a principal trava para o avanço da educação brasileira, juntamente com uma “deficiência” na formação profissional e cívica dos quadros docentes.
Com a neutralização da ideologização do ensino básico, os militares acreditam que o país vai melhorar de avaliação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).VEJA TAMBÉM:
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Para o ensino superior, os militares defendem a cobrança de mensalidade em universidades públicas levando em consideração “a renda pessoal do aluno e ou de seu responsável, o número de alunos sob o mesmo responsável, a concessão de bolsas a alunos de camadas carentes e para os de elevado nível de desempenho”. A cobrança de mensalidade serviria para elevar aportes em pesquisa.
Já para o ensino técnico, o documento defende políticas públicas e práticas integradas e a busca de parcerias com empresas visando à ampliação da oferta de vagas de trabalho destinadas a profissionais formados nesses cursos. Também há a proposta de incluir na grade curricular da educação básica das escolas públicas e privadas “disciplinas técnicas com o objetivo de incentivar os estudantes a buscarem a formação técnica de nível médio”.
Como o investimento na educação pode ajudar o combate à corrupção
A recuperação de “valores morais, éticos e o civismo na sociedade”, particularmente no ensino brasileiro, são apontados pelos militares não apenas como medidas para neutralizar a ideologização nos ensinos básico e superior. Para os militares, o investimento em educação também pode ajudar o país a combater a corrupção.
O Projeto de Nação diz que a modernização do ensino pela valorização do “aprendizado prático das capacidades básicas do cidadão para seu progresso pessoal e seu preparo para o exercício responsável da cidadania”, bem como a coibição da “pregação ideológica radical nos três níveis da educação”, são pontos centrais para o combate da corrupção. Os militares também defendem o aperfeiçoamento da “formação moral, ética e cívica de educadores, cidadãos e agentes do governo e do Estado”.
O cenário projetado por militares sugere que “as poderosas lideranças patrimonialistas e fisiológicas, em grande parte corruptas, e as correntes de pensamento ideológico radical e liberticida” estarão “enfraquecidas” até 2035. Tal cenário, no entendimento deles, “fortalece a coesão, o civismo e a confiança no futuro”.
Para os militares, “lideranças políticas patrimonialistas fisiológicas e corruptas” em cargos da União “legislam e conduzem a Nação de acordo com interesses escusos individuais e grupais”. A fim de mudar esse cenário, eles defendem “reduzir o poder político” e “assegurar a punibilidade dos ilícitos”.
Eles também são favoráveis ao aperfeiçoamento da legislação por meio da “criação de mecanismos que permitam à sociedade exercer efetiva fiscalização e maior controle político e social sobre seus representantes”, de modo a coibir “o uso ilegítimo de leis e prerrogativas”.
O Projeto de Nação também ressalta a importância de “realizar campanha sistemática de comunicação social” com a promoção de “valores, civismo, patriotismo e cidadania”, bem como “elevar a capacidade do Estado” nos âmbitos da inteligência financeira e do combate à lavagem de dinheiro ao aprimorar a articulação entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o Ministério Público e órgãos policiais.
Militares defendem pagamento a serviços do SUS
Para a área da saúde pública, a ideia também é promover a cobrança de serviços para quem possa pagar. O Projeto de Nação fala em “indenizações” ao SUS a ser desembolsadas por pessoas com renda familiar superior a três salários mínimos. O texto fala em estudar a “elaboração e composição dos valores da tabela de coparticipação” no Sistema Único de Saúde.
Os militares também defendem a “adequação” do marco legal para um “funcionamento mais efetivo” do SUS, além de aprimorar o modelo de gestão dos recursos materiais e a capacitação dos “recursos humanos” nos “aspectos profissionais e de civismo e cidadania”.
Ainda para na área da saúde, eles defendem o maior incentivo da participação da iniciativa privada nacional e internacional para a implementação do Marco Legal do Saneamento Básico. Eles acreditam que serão necessários “novos aperfeiçoamentos” ao Marco Legal a fim de evitar o ativismo judicial. A previsão é de que, pelas sugestões feitas, o país chegue em 2035 com 99% da população com acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto.
O que os militares falam sobre a política externa e o globalismo
No campo da política externa, a projeção para 2035 é que tem de haver a manutenção da posição de “equilíbrio” defendida pelo Itamaraty, que militares classificam como “posição de franca neutralidade”. O posicionamento permite “preservar a maior liberdade de ação possível, considerando que diversas nações são muito importantes para nossas relações exteriores”. “É uma neutralidade pragmática e ética, que visa a manter interações positivas com diversificado leque de países”, diz o Projeto de Nação.
A previsão feita para daqui a 13 anos é de que estará consolidado um “mundo multipolar conflituoso” com predominância, mas não a hegemonia, dos Estados Unidos e da China. O cenário projetado preocupa militares, pois eles entendem que o Brasil tem dificuldade para exercer influência em seu “entorno estratégico” diante do nível de projeção de ambos os países na região.
Os militares preveem, por exemplo, que uma ameaça da China à soberania brasileira pode vir pela fronteira entre Brasil e Guiana. No cenário projetado até 2035, a China deve adquirir “várias áreas de mineração” da Guiana e iniciar um “processo acelerado de produção predatória para o meio ambiente” com vistas a “atingir a liderança do mercado mundial [da mineração], dominado pela Austrália”.
O documento dos militares prevê que isso vai trazer impactos também no Suriname e na Venezuela e que haverá forte reação de entidades ambientalistas internacionais e de direitos humanos (pois eles preevem que as condições dos empregados serão “degradantes”). Isso pode levar ao deslocamento de parte da Quarta Frota dos EUA para as proximidades da costa da Guiana e da Venezuela, aumentando a tensão militar na América do Sul.
Nesse cenário, acordos internacionais seriam firmados e restringiria a produção de bauxita e alumínio em toda a América do Sul, inclusive pelo Brasil, na condição de maior produtor das Américas e quarto maior produtor mundial. Os prejuízos poderiam ultrapassar US$ 4 bilhões, preveem o Projeto de Nação.
Os militares também apontam que, em 2035, o “movimento globalista” vai procurar interferir nas decisões do governo brasileiro, causando ameaças a “interesses importantes”, “particularmente quando aliados a potências globais e quando apoiado por relevantes setores nacionais nos campos político e social”.
A ideia de um “governo mundial”, todavia, seguirá “longe de se concretizar” devido a “divergências relativas aos temas” da chamada “agenda global”, apostam os militares, que defendem o “fortalecimento do espírito cívico, patriótico e os valores morais e éticos da sociedade” a fim de limitar a ingerência do globalismo sobre o Brasil.
A fim de preservar a soberania brasileira, militares defendem medidas tais como: o fortalecimento da base industrial de defesa; o desenvolvimento de um Sistema Conjunto de Defesa Antiacesso e de Navegação de Área; a intensificação de ações no campo diplomático a fim de equilibrar a influência das potências globais; a busca por um papel proativo na busca de cooperação regional por meio do Itamaraty; a integração da segurança e defesa cibernética do setor público com a do setor privado.
Fonte: Gazeta do Povo
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