Até o momento, em sua ofensiva na Ucrânia a Rússia tem apostado em uma abordagem militar tida como menos sofisticada, confiando mais na combinação de mísseis, artilharia e lançadores de foguetes. Mas a estratégia adotada tem surpreendido parte dos analistas, dado que o país comandado por Vladimir Putin tem à sua disposição um arsenal de armas de ponta e está entre as nações que mais investem em tecnologia militar.
Desde 2010, já foram investidos cerca de 23 trilhões de rublos para o rearmamento do exército russo – a medida elevou para 70% o nível de armas modernas das quais as forças armadas do país dispõem.
Segundo informações do Ministério da Defesa da Rússia, nos últimos anos o país passou a contar com 57 satélites militares, 109 misseis intercontinentais, 108 misseis balísticos para submarinos, 4 submarinos estratégicos da classe Borei, 7 outros submarinos modernos cujo modelo ainda não foi especificado, 161 embarcações militares de ataque, 17 sistemas de mísseis, além de 3,5 mil veículos blindados para combate.
Ainda de acordo com pesquisa do Instituto Internacional da Paz de Estocolmo (SIPRI) realizada em 2019, os russos possuem mais de 6 mil ogivas nucleares. Com isso, eles se tornam o maior país, numericamente, em armamentos nucleares.
Expertise da URSS
A Rússia também conta com a vantagem de ter herdado os principais recursos humanos, o know-how e a expertise tecnológica da URSS para desenho de armas e elaboração de projetos militares. “Aos poucos esses antigos projetos foram sendo reativados e misturados com novas tecnologias que a Rússia passou a explorar”, explica Junior Miranda, ilustrador 3D da revista oficial da Agência Espacial Russa Roskosmos, pesquisador de História da Exploração do Espaço e autor de “Viajando pelo Espaço” (1994). “E com capacidade operacional, o país sai na frente e tem armas que outros países estão desenvolvendo ou em vias de desenvolver”.
Miranda lembra que a guerra russa na Georgia, em 2008, foi outro fator a contribuir para o aumento do poderio bélico de Putin. “Naquele episódio o exército russo percebeu no que estava acertando e no que estava errando. E, em grande parte, o que o país está colocando em operação hoje deriva das lições que aprendeu no conflito”, diz ele.
Para muitos especialistas, mesmo diante das sanções de vários países da comunidade internacional, a produção desses equipamentos por parte da Rússia não deve ser afetada, especialmente porque “o desenvolvimento de armas de guerra é atividade secreta e acontece por conta do próprio país, sem ajuda e insumo de outras nações”.
Armas invisíveis a radar, difíceis de se combater e até mesmo nunca utilizadas antes
Um dos equipamentos mais potentes que a Rússia tem em seu arsenal é o chamado “Avangard”, que, em tradução livre, pode ser entendido como “o que está na vanguarda”. Trata-se de um míssil planador hipersônico – isso é, um aparelho de longo alcance capaz de planar em uma velocidade cinco vezes mais rápida que a da propagação do som. Até agora, nenhum país utilizou o equipamento em conflitos.
O Avangard pode ser carregado por um míssil de grande porte, como, por exemplo, o chamado “Sarmat” – um foguete de mais de 30 metros de comprimento e que pode transportar inclusive bombas atômicas.
“Para se ter um planador desse é necessária muita tecnologia, é algo muito complexo, que exige um sistema de direção, de apontamento e controle dele voando na alta atmosfera”, explica Miranda.
Para os inimigos, a principal dificuldade está em conseguir interceptar os veículos hipersônicos, já que o míssil desafia todos os sistemas de defesa antiaérea, podendo “deslizar” e fugir na alta atmosfera, escapando das armas de retaliações.
“Os misseis balísticos intercontinentais também são muito difíceis de serem abatidos, mas ainda assim existe possibilidade com armas de defesa antimísseis. Porém, imagine o míssil deslizando na atmosfera e fazendo manobras, voando muito alto, de forma muito rápida e sendo manobrável. É muito difícil que ele seja interceptado”, diz o analista.
A Rússia também tem à sua disposição o chamado “Kinzhal”, que significa “adaga”, em tradução livre. Trata-se de um míssil lançado do ar – no caso russo, do avião modelo MiG 31 K, da URSS, mas que foi adaptado para carregar o Kinzhal. O equipamento é capaz de voar em uma velocidade dez vezes mais rápida que a velocidade do som. Assim como o Avangard, a arma tem capacidade de deslizar e realizar manobras, dificultando sua interceptação.
Segundo a Rússia, o equipamento já teria sido usado no conflito na Ucrânia, para destruição de um depósito de armas no país vizinho. “Em 18 de março, o Kinzhal destruiu um importante depósito subterrâneo de mísseis e munições da aviação ucraniana na cidade de Deliatin, na região de Ivano-Frankivsk”, anunciou o porta-voz do ministério da Defesa, Igor Konashenkov.
No âmbito de seu poderio naval, por outro lado, a Rússia conta com o chamado “Poseidon”: trata-se de um torpedo de cerca de 2 metros de diâmetro e mais de 20 metros de comprimento lançado de um veículo não tripulado subaquático. O primeiro registro do equipamento foi divulgado em 2015. “Esse torpedo tem bastante alcance e pode acertar uma frota ou grupo de navios; por ser torpedo atômico, é muito possante e destrói vários navios de uma vez só”, explica o pesquisador de História da Exploração do Espaço.
Ainda segundo ele, o equipamento pode mergulhar a mais ou menos mil metros de profundidade e é capaz de ficar fora do alcance da maioria dos submarinos inimigos.
O “Zircon” também é um equipamento hipersônico do arsenal russo e lançado de navio. “Essa arma decola de um navio próximo à costa do país que se quer atacar e vai voando praticamente a 10 vezes a velocidade do som. Ela atinge de forma certeira o alvo, e o seu navio, após o ataque, pode se ‘fugir’ para não ser atacado”, explica o pesquisador.
Outro equipamento de ponta do arsenal russo é o “Burevestnik”, um míssil lançado de uma plataforma no chão, também chamado de míssil de cruzeiro. Analistas supõem, ainda, que a arma tenha um motor atômico – algo inédito no mundo. Isso implica em uma capacidade de voar distâncias mais longas e acertar o alvo com bastante precisão, além de ter um sistema mais “econômico”.
“Se for confirmado que o Burevestnik tenha este motor, seria o único no mundo, em termos operacionais. É possível que ele já esteja operacional, ou, se não está, está prestes a estar”, diz Junior. “A Rússia pode lançá-lo de seu país, por exemplo, e ele vai voando baixo, por bastante tempo. A arma não fica muito próxima do alvo, e por isso tem maior efetividade”
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