A juíza Ketanji Brown Jackson, nomeada pelo presidente Joe Biden à Suprema Corte americana no dia 25 de fevereiro, está sendo sabatinada no Senado do país antes de uma possível confirmação. Louvada pelos progressistas como uma acadêmica competente e uma magistrada de carreira brilhante, ela enfrenta o ceticismo dos Republicanos, muitos dos quais pensam que ela foi nomeada sobretudo por ser uma mulher negra e marcar pontos identitários.
O âncora da Fox News Tucker Carlson pediu que ela revelasse suas notas acadêmicas para provar que os fatores identitários não contaram mais que seu histórico de competência.
O senador Ted Cruz pensa que ela foi muito leniente com casos de pedófilos, por exemplo condenando um pedófilo de 18 anos que tinha posse de pornografia infantil a apenas três meses de detenção, abaixo do recomendado pela promotoria e pela lei. A juíza teria sido leniente em sete casos como esse. Ela se justifica dizendo que, com o advento da internet, adquirir milhares de imagens dessa natureza ficou mais fácil e o volume de esforço não é o mesmo de antes, não justificando uma pena de “30, 40 ou 50 anos na cadeia”.
“Não posso definir o que é mulher”
Chamou mais atenção, no entanto, a forma como a magistrada respondeu à senadora republicana Marsha Blackburn, que pediu em audiência na última quarta-feira (23) que ela definisse a palavra “mulher”. “Não posso”, disse Jackson. “Não neste contexto, não sou bióloga”.
O senador Cruz a pressionou na questão: “Como juíza, como determinaria se um requerente [tem direito a acionar] uma norma, regulação ou política baseada em gênero sem ser capaz de determinar o que é uma mulher?” Jackson respondeu que “sei que sou uma mulher, sei que a senadora Blackburn é uma mulher, e a mulher que mais admiro no mundo está aqui hoje, minha mãe”.
Cruz não se deu por satisfeito: “De acordo com as sensibilidades esquerdistas modernas, se eu decidir agora que sou uma mulher, então, aparentemente, sou mulher. Isso significa que eu teria prerrogativa de [acionar] uma restrição baseada em gênero?” Jackson replicou que “esse tipo de questão está tramitando pelas cortes e não tenho capacidade de comentar a respeito”.
A ignorância performática da juíza sobre o que é uma mulher lembra o que está acontecendo do outro lado do Atlântico, no Reino Unido. Em setembro de 2021, o radialista Nick Ferrari, da LBC de Londres, perguntou à membro do parlamento Rachel Reeves “se é transfóbico dizer que somente mulheres têm útero”, em referência à declaração de outra parlamentar do Partido Trabalhista, o mesmo de Reeves, que teve de ficar fora da conferência do partido por ter feito essa declaração. Visivelmente desconcertada e gaguejando, Reeves tentou duas vezes mudar de assunto, finalmente respondendo que “se alguém se identifica como mulher ou homem, deve ter direito a fazê-lo não importa quais são as suas partes do corpo”.
Fêmea humana adulta
O teatro político em torno da definição da palavra “mulher” reflete o conflito da ascensão do identitarismo, que busca mudar o sentido de palavras fundamentais como essa para seus propósitos de desigualdade moral entre grupos humanos, e a sabedoria de senso comum, quando não o conhecimento científico. “O que é mulher” deve ser respondido como “fêmea humana adulta” pois este é o caso da esmagadora maioria das pessoas que se dizem mulheres. Se desistíssemos de definições que cobrem a ampla maioria dos casos e deixam de fora exceções, não teríamos ciência e mal teríamos língua.
Enquanto a juíza Jackson revela-se compromissada com os novos dogmas do identitarismo ao recusar-se a responder a esta pergunta como ela teria sido respondida em tempos mais sãos, é interessante que, quase que em um momento de descuido, ela atribua a tarefa de definir o que é mulher à biologia. Isso vai na contramão do radicalismo dos próprios identitários, que são biófobos e pretendem fechar a questão do gênero e sexo alegando que um ou ambos são “construção social” (termo ambíguo por trás do qual escondem uma esperança de estabelecer o determinismo sociocultural acima da biologia). Enquanto a tarefa completa não deve ser posta na mão dos biólogos, eles têm, sim, muitas coisas relevantes a dizer sobre isso.
Assim como portadores de problemas congênitos de formação das pernas que são pessoas autônomas não se ofenderiam ao ouvir que o ser humano é um ser bípede, mulheres transexuais (nascidas meninos) bem resolvidas não deveriam se ofender ao ouvir que “mulher” é definida como fêmea adulta humana e que há limites às intervenções em seu próprio corpo para se assemelharem a elas. A biologia é uma ciência que busca padrões aos quais geralmente há exceções. Proibi-la de generalizar pelas tendências centrais seria matá-la. E a tendência central é que mulheres são fêmeas humanas adultas, homens são machos humanos adultos, e o ser humano segue o padrão observado em outros animais.
Perguntas retóricas capciosas que constrangem candidatos à Suprema Corte ou parlamentares com rabo preso com o progressismo identitário também podem pecar por ignorar a complexidade da questão mais específica “mulheres trans são mulheres?”.
A resposta mais honesta é que não sabemos, pois o conhecimento do que significa ser homem ou mulher no cérebro ainda está em construção. Fechar a cabeça para a possibilidade de ao menos algumas mulheres trans serem mulheres onde mais importa, que são regiões cerebrais importantes para a identidade pessoal, é atentar contra a curiosidade por compromissos que caem no risco de tratar seres humanos com desrespeito.
Há mais de dez anos, na revista Frontiers in Neuroendocrinology, o chinês Ai-Min Bao e o holandês Dick Swaab propuseram que as transexuais são mais semelhantes às mulheres em certos núcleos do hipotálamo que aos homens. Mas também há estudos que indicam certas estruturas cerebrais em que as transexuais se assemelham a homens. A questão está em aberto e depende de qual é o papel de cada estrutura na identidade sexual, pesquisa que é atrapalhada pelo ativismo identitário e sua influência dentro das universidades.
Sexologia biológica
Em certo sentido, a pergunta “mulheres trans são mulheres?” é uma não-questão, pois muitas das transexuais passarão por mulheres na maior parte das ocasiões sem levantar suspeitas ou desrespeito. Saber o que são as pessoas transexuais é salutar para tomar decisões que são respeitosas a elas e também ao conhecimento biológico e tradicional.
O sexólogo Ray Blanchard propõe uma dicotomia das transexuais femininas entre “transexuais homossexuais”, que foram meninos diferentes e mais afeminados desde a infância, e “autoginéfilas”, que foram meninos típicos de seu sexo no comportamento e muitas vezes seguem carreiras tipicamente masculinas, mas manifestam uma preferência de cunho sexual pela apresentação feminina — autoginéfilas preferem sexo com mulheres. O que valerá no estudo do cérebro para transexuais homossexuais provavelmente não valerá para autoginéfilas.
A questão é ainda mais complicada com a proposição de que há um tipo novo de suposta transexualidade que é socialmente contagiosa especialmente entre adolescentes do sexo cromossomal feminino. Parece ser o caso de Yaeli Martinez, que se matou anos após a família ter perdido sua guarda para o Estado da Califórnia pois a mãe pensava que Yaeli buscava na confusão de gênero uma explicação para a sua depressão pré-existente.
Já o politicamente correto identitário exagera o que é “respeito”, exigindo que joguemos fora o conhecimento biológico com seu teste de hipóteses e aceitemos teses radicais e radicalmente implausíveis que tentam estabelecer “gênero” como “construção social”, pedindo por exemplo que ignoremos as vantagens biológicas das atletas trans no esporte feminino, plenamente previsíveis pelo fato de que passaram pela puberdade masculinizante. Fugir para a ignorância não é uma forma de respeito. Fingir que uma ciência fundamental não tem nada a oferecer a respeito de um fenômeno ligado à reprodução é uma insanidade. O conhecimento científico é uma aliado da busca pelo bom convívio social, não um inimigo.
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