A Câmara aprovou na semana passada e o Senado deve começar a analisar nos próximos dias um projeto de lei que modifica o Estatuto de Advocacia. Entre outros aspectos, a proposta cria regras para a realização de operações policiais em escritórios de advogados e determina operações policiais não podem ocorrer se forem deflagradas apenas com base em acordos de delação premiada. O texto também exige a presença de um membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no ato da operação e veda fotos e registros de documentos não ligados à investigação em curso, entre outros pontos.
Defensores do projeto afirmam que o projeto apena regulamenta operações policiais em escritórios de advocacia. Mas opositores da iniciativa veem na proposta uma blindagem a advogados e uma concessão, à categoria, de direitos não estendidos ao restante da população.
O texto foi aprovado pela Câmara na última quarta-feira (18) em votação simbólica, sem registro da manifestação individual de cada deputado. Esse procedimento ocorre no Legislativo quando há consenso em torno da proposição. A iniciativa contou com a aprovação de todos os partidos, à exceção de Psol e Podemos.
O que dizem os defensores do projeto sobre os escritórios de advogados
“O que fizemos aqui foi tratar de como acontecerá uma eventual intervenção pela polícia em um escritório de advocacia. Nós não estamos blindando [os advogados], estamos disciplinando como ela ocorre”, afirmou, na sessão de votação, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), relator do projeto.
À Gazeta do Povo, o autor original do projeto, deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) reforçou o argumento: “só pensa assim quem não leu o projeto ou não deseja ver respeitada a Constituição Federal. Não há blindagem a escritórios de advocacia no texto. Isso é fake. O que fizemos foi disciplinar as condições para quando for necessário haver uma operação de busca e apreensão de documentos em um escritório de advocacia em face das prerrogativas constitucionais que os advogados já possuem”.
Na avaliação do advogado Camilo Onoda Caldas, o projeto combate o que ele chama de “tendência atual de se criminalizar a atividade advocatícia”. “Tem se tornado cada vez mais comum abusos contra escritórios de advocacia e, portanto, surgiu a necessidade de uma legislação que venha a preservar a atividade advocatícia, pois ela é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e da democracia”, afirma.
Caldas, que é doutor em Direito do Estado e sócio da Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, também enxerga na proposta uma resposta ao que chamou de “relação promíscua e nada profissional entre juiz e Ministério Público” identificada, segundo ele, em episódios da operação Lava Jato. O advogado avalia que casos como a divulgação de supostas mensagens de membros da operação tiveram “sem dúvida nenhuma” influência na elaboração do projeto.
O relator Lafayette discorda. “Não vejo como uma resposta [à Lava Jato]. Era necessário fazer atualizações no Estatuto da OAB. Havia muito tempo que a OAB pedia esse tipo de procedimento”, diz.
Outros elementos que fazem parte do projeto são a proibição à realização de delação premiada de um advogado envolvendo seus clientes, atuais ou antigos; punição a quem violar prerrogativas dos advogados, como o direito ao diálogo com os clientes; e a presença de um representante da OAB em atos de prisão de advogados, se o crime tiver alguma relação com a atividade advocatícia.
Em defesa da iniciativa, o deputado Lafayette alega ainda que o trechos do projetos que tratam de operações de busca e apreensão em escritórios de advocacia “um pedacinho” da proposta. O projeto, de fato, contempla mais temas – uma gama que vai desde o teletrabalho (“home-office”) dos advogados até regras para a composição de sociedades gestoras de escritórios de advocacia. Em outro trecho, o projeto especifica que o bloqueio de bens de empresas deve preservar até 20% do valor retido para custear os pagamentos à defesa.
O projeto contempla ainda a possibilidade de que servidores públicos que advogam fora do expediente no Estado se tornem sócios de escritórios de advocacia. A legislação atual veta esta opção.
Delegados e procurador criticam o projeto
Apesar de a proposta ter sido aprovada em clima de quase unanimidade na Câmara, fora do Legislativo alguns segmentos veem o projeto com preocupação. Entidades ligadas a carreiras da segurança pública – delegados, militares, bombeiros, policiais civis e policiais federais – divulgaram uma carta, batizada de “Alerta à Nação”, com críticas à iniciativa. No texto, os servidores dizem que o projeto pode trazer “temerárias consequências” à sociedade e cria “itens que inviabilizam a persecução penal”.
“Não são comuns os casos de envolvimento comprovado de escritórios de advocacia em atividades criminosas, tratando-se de situações extraordinárias que não justificam a aprovação de um dispositivo legal alargado em alcance e que fomenta um exemplo de impunidade ao país”, acrescenta o texto.
A crítica é endossada pelo procurador de Justiça Roberto Livianu, doutor em direito e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Ele avalia que a proposta “vai além do que está previsto no estatuto do advogado” e cria “uma superproteção” à categoria, que seria incompatível com a ideia de que todos os cidadãos são iguais. “Não temos esse tipo de imunidade para sindicatos, para igrejas, para jornalistas, para parlamentares. Esse conceito de criar uma categoria privilegiada me parece preocupante”, apontou.
Livianu vê uma “relação de causa e efeito” entre operações como a Lava Jato e o projeto atual. “Quando se ataca interesses de poderosos, se está sujeito a esse tipo de situação”, afirma. O procurador diz esperar que o Senado barre a iniciativa. E, caso ocorra a aprovação pelos senadores, que haja uma contestação por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como está a tramitação do projeto sobre advogados no Senado
O projeto de lei ainda não foi repassado a alguma comissão do Senado. Na Câmara, havia sido remetido a duas comissões, a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e a de Finanças e Tributação (CFT); mas acabou “ultrapassando” a fase das comissões e foi apreciado diretamente pelo plenário.
A reportagem procurou senadores da área jurídica e membros da CCJ do Senado para ouvir opiniões sobre o projeto, mas parlamentares indicaram que ainda preferem esperar a tramitação oficial do projeto na Casa para opinar sobre a proposta.
Deputados que defendem a proposição dizem acreditar que o Senado conduzirá a proposta de modo ágil, como fez a Câmara. “Creio que haverá a mesma compreensão da Câmara dos Deputados”, diz o deputado Abi-Ackel. “Acho que o texto passa lá [Senado] por consenso. Pode haver alguns aditamentos aqui e ali, alguns aperfeiçoamentos, mas não deve haver resistências. Se tivermos modificações, será para agregar alguma coisa, não para retirar”, acrescenta o também deputado Lafayette.
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