O banimento do ex-presidente norte-americano Donald Trump das principais plataformas de redes sociais em janeiro do ano passado, após a invasão do Capitólio, fez com que parte dos usuários de redes sociais e produtores de conteúdo alinhados à direita em todo o mundo passassem a buscar alternativas com menor interferência sobre os conteúdos publicados.
No Brasil, diversos casos de bloqueio de contas de influenciadores de direita e de exclusão de publicações sobre temas caros ao conservadorismo e ao liberalismo também resultaram em uma adesão maior a redes sociais e plataformas de troca de mensagens que apostam todas as suas fichas na liberdade de expressão. Telegram e Gettr foram algumas das alternativas buscadas por esse público ao longo de 2021; o Telegram, no entanto, foi a plataforma que despontou de vez.
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Segundo produtores de conteúdo consultados pela Gazeta do Povo, a justificativa é que, além não restringir conteúdos, a ferramenta conta com características próprias que favorecem a comunicação com o público. O aplicativo permite, por exemplo, criar canais com até 200 mil pessoas (o WhatsApp, principal aplicativo de mensagens do mundo, permite até 256 pessoas em um mesmo grupo) e fazer videochamadas em grupos com número ilimitado de participantes.
Em janeiro do ano passado, o aplicativo foi o mais baixado em todo o mundo, com 63 milhões de downloads, segundo relatório da Sensor Tower. Em 2021, o app também foi o que apresentou globalmente a maior taxa de crescimento, segundo o ranking Top Breakout Chart, da consultoria AppAnnie. No Brasil, o Telegram já está presente 53% dos smartphones de acordo com pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box, divulgada em setembro do ano passado. No mesmo período de 2020, a porcentagem chegava a apenas 35%.
Ao comemorar o crescimento durante o ano, um dos fundadores da plataforma, o russo Pavel Durov, publicou, no dia 14 de dezembro: “2021 será lembrado como o ano em que as pessoas se cansaram de serem desrespeitadas por corporações gananciosas e escolheram a privacidade e a consistência do Telegram”. Em publicação anterior, Durov já havia dito que “as pessoas não querem mais ser reféns de monopólios de tecnologia que parecem pensar que podem se safar de qualquer coisa”.VEJA TAMBÉM:
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Para influenciadores, censura a conteúdos motivou adesão ao Telegram
Sobre a migração do público de direita à rede social russa, Marcelo Faria, editor do Caneta Desesquerdizadora – que possui 1,1 milhão de seguidores na soma dos perfis em todas as plataformas –, avalia que há um duplo-padrão na forma como as principais redes sociais moderam os conteúdos. Segundo ele, a adesão ao Telegram tem a ver com a busca por liberdade de expressão.
“A gente critica bastante isso, porque a esquerda pode tudo. Tem o ditador da Venezuela falando o que quer no Twitter, tem o cara que defende o Stalin falando o que quer, e do outro lado muita coisa é excluída. A gente defende a liberdade de expressão. Nem sempre concordamos com o que a direita mais bolsonarista fala, por exemplo, mas nem por isso a pessoa tem que ser perseguida”, diz.
Com críticas políticas e sátiras a movimentos sociais, o Caneta Desesquerdizadora, de viés liberal, já teve diversas publicações “derrubadas” pelas Big Techs. “Com o tempo você acaba notando o padrão de posts que são excluídos. Quando é um conteúdo que sabemos que pode ser bloqueado, colocamos o print e a chamada para o Telegram, aí lá é disponibilizado o conteúdo”, afirma. A conta no Telegram foi aberta em 2017, mas só no ano passado houve uma movimentação massiva de usuários no canal.
Segundo o empresário e comentarista político conservador Leandro Ruschel, que criou seu canal no Telegram em janeiro de 2021, a adesão à ferramenta se deu após ter publicações apagadas em outras plataformas. “A censura das redes sociais é cada vez mais intensa, e o Telegram oferece um nível maior de liberdade de expressão”, diz o influenciador, que produz conteúdos sobre política, economia e sociedade, dentre outros.
Ruschel ressalta que temas que sejam sensíveis à agenda da esquerda são comumente censurados pelas plataformas. “Nos últimos tempos, tudo relacionado à pandemia é campo minado. Qualquer questionamento às narrativas oficiais é literalmente proibido. Além disso, questionamentos à ideologia de gênero ou à Teoria Racial Crítica têm grandes chances de serem excluídos. Defesa de posse e porte de armas também. Expressão da fé cristã é outro alvo dos censores”, afirma o influenciador, atualmente com 800 mil seguidores nas redes sociais.
“O que acaba acontecendo é a autocensura: acabo evitando temas ou abordagens que sei que serão alvo de bloqueio. No final, esse é o objetivo deles: controlar o debate, pois é ruim para seus negócios que as pessoas simplesmente sejam retiradas das redes”.
Ludmila Lins Grilo, juíza e professora de Direito, que conta com 400 mil seguidores nas redes sociais (desses, 35 mil no Telegram), reforça que a adesão de influenciadores de direita à ferramenta está ligada a “sucessivas censuras de conteúdo que o Twitter, o Instagram e o Facebook estão promovendo contra determinados conteúdos”.
A juíza, que publica conteúdos sobre direito, cultura, filosofia e atualidades sob a ótica do conservadorismo, também deu início ao seu canal no Telegram em janeiro de 2021 para não perder contato com seus seguidores caso um de seus perfis nas principais plataformas sejam banidos.
Para Ludmila, este ano, em decorrência das eleições, terá um número muito maior de publicações censuradas. Segundo ela, as plataformas interferem diretamente em aspectos políticos de diferentes países. “Vimos o que aconteceu com Trump, que perdeu o acesso às suas redes. Então 2022 vai ser um ano muito pesado em relação à censura nas redes sociais. Canais como o Telegram e o Gettr tendem a ser uma alternativa para aquelas pessoas que certamente vão perder suas contas em decorrência das tentativas de interferência das Big Techs no resultado das eleições”, aponta.VEJA TAMBÉM:
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Em ano de eleições, Telegram vira alvo do TSE
Nos últimos anos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem buscado estreitar o relacionamento com as principais plataformas de redes sociais e de troca de mensagens com o objetivo de criar regras mais rígidas para a moderação de conteúdos que possam ser considerados falsos, que aleguem fraudes no resultado eleitoral ou que não reconheçam o resultado das urnas.
De acordo com Aline Osorio, secretária-geral do TSE e coordenadora do Programa de Enfrentamento à Desinformação em entrevista à Folha de S. Paulo, há acordos do Tribunal com diversas dessas plataformas, e esta parceria será reforçada para as eleições deste ano. Um dos objetivos desse trabalho é criar regras de moderação específicas para o contexto eleitoral.
Estabelecer contato com o Telegram é uma das prioridades do TSE nesse trabalho, uma vez que a plataforma russa não possui escritório no Brasil. De acordo com Aline, a ferramenta representa um “grande desafio” para o Tribunal. “Nós temos buscado canais, ainda não conseguimos chegar no Telegram. Atualmente a moderação de conteúdo que é feita, ou que praticamente não é feita pelo Telegram, é mais com base em preocupações de terrorismo”, afirmou. “Estamos usando caminhos diplomáticos para chegar em representantes do Telegram”.
Segundo Paulo Antônio Papini, professor de Direito e mestre em Processo Civil, mesmo que não haja colaboração por parte do serviço de troca de mensagens, medidas mais extremas, como a retirada da plataforma do país, são ilegais. O jurista explica que a Justiça pode intervir pontualmente em canais ou publicações específicas, que poderão ser retiradas somente após o devido processo legal. No entanto, Papini não descarta uma eventual exclusão do Telegram durante o período eleitoral.
“Legalmente o TSE não poderia regulamentar ou banir o Telegram no Brasil. Não tem base legal pra isso. Em anos anteriores houve dois casos de juízes que mandaram suspender o WhatsApp em território nacional, e essas decisões foram cassadas em menos de 24 horas reconhecendo a ilegalidade da medida”, diz. “Porém acredito que isso pode acontecer. Na prática, as fronteiras do Estado de Direito estão sendo relativizadas e até violentadas, e esse fenômeno não é apenas brasileiro”, conclui.
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