Apontada como solução contra surgimento de novas variantes, doação de vacinas tem ritmo lento

Anunciada por pesquisadores da África do Sul na semana passada, uma nova variante do vírus causador da Covid-19, batizada de ômicron e com “número sem precedentes de mutações na proteína spike”, levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a enfatizar um risco global “muito alto” representado pela cepa.

Enquanto notícias sobre suspensão de voos vindos do sul da África se acumulavam no noticiário, muitos atribuíram o desenvolvimento de novas variantes aos baixos índices de vacinação contra a Covid-19 nos países pobres – o que já vinha sendo chamado de “apartheid vacinal”.

“A variante ômicron reflete a ameaça da injustiça prolongada na vacinação. Quanto mais tempo levarmos para proporcionar equidade vacinal, mais tempo permitiremos que o vírus da Covid-19 circule, sofra mutações e se torne potencialmente mais perigoso”, escreveu o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, no Twitter.

Ayoade Olatunbosun-Alakija, co-presidente da Aliança Africana de Entrega de Vacinas, afirmou, em entrevista à BBC, que “o que está acontecendo é inevitável e é resultado do fracasso do mundo em vacinar de forma equitativa, urgente e rápida”.

“Sabíamos que essa era uma encruzilhada à qual chegaríamos. Isso nos levaria a uma nova variante. Isso nos levaria a variantes mais perigosas. Por que fingimos que estamos surpresos? Por que estamos fechando a África se este vírus já está em outros continentes?”, questionou.

É um debate que levanta uma série de questões. Em primeiro lugar, ainda não se sabe se a ômicron é mais perigosa que variantes descobertas anteriormente, ou se as vacinas contra a Covid-19 que têm sido utilizadas em todo o mundo apresentam eficácia menor contra ela. Além disso, o argumento de que índices de vacinação baixos levam necessariamente ao desenvolvimento de novas variantes é questionado.

Para intensificar o debate, não se sabe sequer se a ômicron surgiu na África do Sul: foi revelado nesta semana que a Holanda identificou o primeiro caso da variante em uma amostra de 19 de novembro, uma semana antes da África do Sul ter anunciado a descoberta. Na Holanda, 74% da população já foi totalmente vacinada contra o novo coronavírus, enquanto na África do Sul o índice é de 36%.

Distribuição desigual

Independentemente dessas discussões, a questão humanitária já basta para condenar a distribuição desigual dos imunizantes pelo mundo. Segundo dados da OMS, em países de alta renda, 65% da população já foi vacinada com pelo menos uma dose; em países de baixa renda, o índice é de apenas 8%.

O consórcio Covax Facility, criado para aquisição e distribuição de vacinas para países pobres, já alocou 1,4 bilhão de doses, mas menos de 600 milhões foram enviadas por enquanto.

Para tornar a equação ainda mais complexa, quando as vacinas chegam, em muitos países há baixa procura. No final de novembro, antes da descoberta da ômicron ser anunciada, a África do Sul pediu à Johnson & Johnson e à Pfizer para atrasar entregas de vacinas contra a Covid-19 por já ter muitas doses estocadas, devido à hesitação de muitos sul-africanos em se vacinar.

Segundo reportagem do The New York Times, os governos da Namíbia, Zimbábue, Moçambique e Malawi fizeram o mesmo pedido a fabricantes e doadores de vacinas.

“Quase nenhum investimento em educação ou promoção de vacinas foi feito em países de baixa renda. Por que esperamos que tudo o que temos de fazer é entregar as vacinas em um aeroporto, tirar uma foto, e as pessoas virão correndo para o aeroporto e pegar a vacina?”, disse Saad Omer, epidemiologista da Universidade de Yale, ao jornal americano.

Esta semana, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da África informou que a maioria das doações de vacinas feitas até o momento para países do continente ocorreu com pouca antecedência e com validades curtas das doses, o que atrapalha o planejamento de campanhas de vacinação e o aumento da população atendida.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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