As vacinas são uma bênção que libertou a humanidade de milênios sob o jugo cruel de forças invisíveis. Na civilização romana, por exemplo, calcula-se que até metade das crianças morriam antes dos dois anos, em grande parte por causa dos patógenos microscópicos. A falta de resistência a patógenos europeus foi uma das principais forças que atuaram contra os indígenas nas Américas. A própria Europa teve sua população reduzida drasticamente pela peste negra no século XIV.
O primeiro registro de tentativa de usar a causa de uma doença contra ela própria data do ano 1000: um registro chinês de aspiração nasal do pó das feridas de pessoas que tiveram casos leves de varíola, receitado para crianças. Inspirados pelos chineses, os turcos otomanos mudaram para uma técnica de injeção subcutânea de material infeccioso. Assim nascia a técnica da variolação, que foi usada na Guerra de Independência americana e foi obrigatória para todos os soldados de George Washington.
A variolação era perigosa, matava até 12% dos inoculados, e exigia um mês de isolamento. No fim da década de 1790, quando Edward Jenner desenvolveu a primeira vacina, o tempo da ideia já havia chegado e muitas cabeças eram as responsáveis. Dada a ignorância naquele tempo a respeito dos vírus, Jenner teve uma boa dose de sorte ao encontrar um vírus aparentado ao da varíola que ataca vacas, que gera imunidade contra a última quando injetado em humanos. Levamos dois séculos de mais inovação para vitórias decisivas que só atingiram um clímax na década de 1950.
Eis uma pequena lista das pragas que nos afligiam até serem combatidas por vacinas.
- Varíola. Conhecida desde o Egito antigo, causa bolhas indentadas pelo corpo e úlceras na boca. Mortalidade de infectados: 30%. Foi erradicada pela vacina, com último caso de doente registrado em 1977. Sem a vacina, teria matado um número equivalente à população atual do Brasil inteiro desde essa data.
- Caxumba. O vírus causa um inchaço característico das glândulas salivares. Pode causar surdez, esterilidade testicular, e uma série de outras complicações, até inflamação cerebral. A morte é rara.
- Sarampo. O vírus causa febre altíssima, tosse, coriza, irritação na pele e inflamação nos olhos. Mortalidade: 0,2%, mas pode chegar a 10% entre desnutridos.
- Rubéola. Vírus similar ao sarampo, causa irritação na pele com coceira, febre, entre outras complicações. É particularmente perigosa para fetos em desenvolvimento, causando defeitos cardíacos, cerebrais, oculares e auditivos.
- Catapora. Enquanto o vírus, transmissível pelo ar, causa erupções cutâneas em crianças que passam em poucos dias, é perigoso para adolescentes e adultos, nos quais pode causar morte por inchaço do cérebro. Também ameaça o desenvolvimento fetal. Mortalidade: uma morte em 60 mil infectados.
- Difteria. Doença bacteriana, geralmente pouco preocupante, mas alguns surtos podem atingir mortalidade de 10%. Sintomas são dor de garganta, febre, e uma tosse sonora característica. Também pode atacar coração, nervos, rins, plaquetas.
- Coqueluche. Bacteriana, caracterizada pela tosse severa. Há até casos de fratura nas costelas, tamanha a violência da tosse, que pode perdurar por mais de dez semanas. Mata uma em 200 crianças infectadas com idade inferior a um ano.
- Poliomielite. Essa doença viral, em meio porcento dos casos, ataca o sistema nervoso central resultando em paralisia dos músculos das pernas e até cabeça, pescoço e diafragma. Nos adultos que desenvolvem a fraqueza muscular, entre 15 e 30% morrem.
- Tétano. Causada por uma bactéria aparentada à que produz a toxina do botox, causa espasmos musculares, começando com o fechamento da mandíbula e endurecimento da face numa careta aterrorizante. Os espasmos podem chegar a partir ossos e romper as fibras musculares. Mesmo tratados, 10% dos infectados morrem.
Todas essas doenças podem hoje ser evitadas com vacinas. A Organização Mundial da Saúde estima que milhões de mortes anualmente são evitadas com a vacinação.
Antes das vacinas, nas zonas temperadas, as pessoas tinham medo da primavera pela associação com a catapora, o verão vinha acompanhado da sombra da pólio e da coqueluche, o outono trazia a caxumba a tiracolo, e o inverno era ainda mais frio com o sarampo, gripe e outras doenças. Especialmente aflitos eram os pais, temendo pela vida de suas crianças. Em verões em que a pólio estivesse especialmente ameaçadora, as piscinas eram esvaziadas, as crianças lamentavam presas em casa, e os pais imaginavam o horror de vê-las numa vida curta auxiliada pelo pulmão de aço se a doença atacasse o músculo responsável pela respiração.
Pulmão de aço em exposição no Museu da Ciência de Londres, Reino Unido. Foto: EFE/EPA/NEIL HALL
No livro sobre a história das vacinas ‘Between Fear and Hope’, de 2018, Michael Kinch, professor de imunologia em Washington, conta que até aquele momento a postura de ceticismo irrazoável contra as vacinas, embora transcendesse as fronteiras políticas, era um problema principalmente de “muitas das mentes mais de elite, ricas e progressistas da nação que sofrem de um falso senso de crer que têm conhecimento especial da verdade”.
De fato, Kinch conta que foi motivado a escrever o livro por surtos de caxumba nas universidades do Missouri, Harvard, Yale e de Washington em 2017. Como as coisas mudaram em meros quatro anos. Agora, os ativistas antivacinas (“antivax”) são estereotipados como “direitistas”, eleitores de Trump e Bolsonaro de baixa escolaridade, e aquela elite se ocupa de xingar de “antivax” qualquer um que ouse discutir possíveis efeitos colaterais de vacinas. O senso de conhecimento especial da verdade continuou, só mudou a respeito de quê, e de quais são seus alvos.
Em 2012, um Comitê de Avaliação de Efeitos Adversos das Vacinas organizado pelo Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências em Washington publicou um grande relatório sobre esses efeitos concernentes às vacinas tríplice viral (para sarampo, caxumba e rubéola), para catapora, gripe, hepatites A e B, papilomavírus, difteria, tétano, coqueluche e meningococos. Considerando quase 150 propostas de eventos adversos, eis as que o relatório estabeleceu como tendo alguma base causal plausível:
- Tríplice viral: após a inoculação, uma em mil ou quatro mil crianças apresentam convulsões febris. Essas convulsões duram em média cinco minutos e não são preocupantes, as crianças logo voltam ao normal e não ficam com riscos maiores de convulsões que o resto da população. A taxa dessas convulsões, independentemente da vacina, até os cinco anos é de 4%.
- Anafilaxia: essa reação alérgica pode acontecer nas diferentes vacinas, porém, no caso da tríplice viral, houve apenas três casos entre 850 mil doses administradas. Em todas as vacinas investigadas pelo comitê, a frequência de anafilaxia não pode ser estimada com precisão, mas parece extremamente rara, e pode resultar de alergia a outros elementos da vacina que não o patógeno desativado, como proteínas de ovo, leite e gelatina que são usadas no processo de fabricação. Isso é corroborado pelo fato de que, quando se reduz a presença de proteína de ovo na vacina da gripe, os casos de anafilaxia caem.
- Vacina para catapora (varicela): registradas cinco mortes em pessoas imunocomprometidas. Esta vacina usa o vírus vivo.
- Bursite e desmaio: esses eventos relacionados à injeção foram considerados prováveis de ter relação causal com as vacinas. Porém, mais estudos são necessários, e são eventos complexos, com múltiplas causas.
- Não há qualquer conexão causal entre vacinação e desenvolvimento de autismo.
No geral, portanto, as vacinas valem muito a pena e apresentam riscos bem inferiores aos apresentados pelas doenças que combatem. Certamente representam todo o progresso feito desde os 12% de mortalidade por variolação no exército de George Washington.
Tragédias médicas
As vacinas são um motivo de grande orgulho para a humanidade, mas também uma lição de humildade: apesar da enorme revolução de bem-estar e longevidade sem precedentes que provocaram, tudo o que elas fazem é prestar ajuda ao sistema imunológico, que faz a maior parte do trabalho. São como o laser do franco-atirador, que o ajuda a ter melhor mira.
Outro motivo para humildade na pesquisa médica são as pesquisas malconduzidas e erros que levam a tragédias. Uma das mais notórias tragédias foi a da talidomida, remédio receitado para amenizar enjoos de gestantes nos anos 1950 e 60 que se revelou prejudicial ao desenvolvimento dos bebês. Até 20 mil crianças nasceram com malformações por conta disso. Em 2012, a fabricante pediu desculpas. A droga ainda é receitada para tratar hanseníase e outros problemas, mas vetada para gestantes. No Brasil, vítimas foram indenizadas.
A pesquisa com vacinas também não tem ficha completamente limpa. Há uma chance real de que o novo coronavírus, causador da pandemia da COVID-19, tenha escapado de um laboratório em que estava sendo estudado com verbas americanas sob a justificativa do desenvolvimento de vacina para síndromes respiratórias como esta.
O vírus da febre aftosa já escapou de laboratórios mais de 13 vezes na Europa, inclusive de laboratórios que tentavam desenvolver vacina contra ele. Um surto de vírus da gripe H1N1 na Rússia e na China em 1977 foi atribuído, também, a um vazamento de laboratório de desenvolvimento de vacina, embora a OMS tenha concluído contra esta hipótese no ano seguinte.
As vacinas da COVID-19: sua promessa, seus contratempos
Um estudo de Yale estima que, no primeiro semestre de 2021, 300 mil vidas foram salvas pelas vacinas da COVID-19. Extrapolando para o mundo, são milhões de vidas. Em comparação, os efeitos adversos conhecidos costumam ficar na escala de poucos por milhão, e efeitos mais preocupantes, como a miocardite, costumam passar em poucos dias sem deixar sequelas aparentes. Das vacinas mencionadas anteriormente, a mais recente é dos anos 1990. Houve, portanto mais tempo de estudar seus efeitos colaterais. O fator ignorância deve ser levado em conta, também, ao se pensar nos efeitos colaterais das vacinas da COVID-19, pela mera novidade delas.
Sempre que se noticia o caso de alguém que apresentou efeitos adversos de uma vacina, há duas reações principais por parte de quem acredita que fazê-lo vem em detrimento do sucesso das taxas de vacinação. Uma reação é dizer que aquilo ocorre numa frequência muito baixa, e que publicizar é sensacionalismo que pode dissuadir outras pessoas ao inflar na percepção delas o tamanho do risco. Outra reação é dizer que se trata de “evidência anedótica”: uma mera observação sem rigor, que nada diz sobre padrões gerais.
Embora essas reações tenham seus méritos, é preciso lembrar que muito na medicina depende de estudos de caso, que nada mais são que as tais “evidências anedóticas” acompanhadas de um olhar mais experiente e familiarizado com o conhecimento ao redor para fazer especulações informadas. Por exemplo, se queremos descobrir a associação entre o uso de anabolizantes e problemas circulatórios, poderemos encontrar três autores do Instituto Karolinska, da Suécia, relatando o caso de um único homem de 56 anos que teve trombose e embolismo pulmonar. Isso não é incomum nas publicações médicas. E, quando faltam estudos mais rigorosos, às vezes é tudo o que outros médicos têm para ler e decidir a respeito de seus pacientes.
Além disso, os casos de efeitos adversos, mesmo raros, são reais e informativos — é possível que haja um padrão naqueles que são acometidos. Ocultar informações do público “por segurança” tira também a chance de profissionais de procurar por padrões.
O caso de Míriam
Míriam Jaqueline Soares de Araújo é uma advogada de Belo Horizonte, 52 anos. Tomou a vacina da Pfizer em maio. Foi priorizada por ter comorbidade — a epilepsia. No dia seguinte à inoculação, desenvolveu uma forte dor de cabeça que perdurou. Depois de várias visitas ao hospital e uma tomografia, ela relata que teria desenvolvido cinco coágulos no cérebro. Isso é surpreendente, pois, conta, tem dificuldade de coagulação sanguínea. As dores de cabeça passaram a vir em ondas lancinantes, até 15 por dia. As nanopartículas de gordura que compõem a vacina envolvendo o mRNA têm capacidade conhecida de ultrapassar a barreira entre o sangue e o cérebro.
Em julho, ela ligou para o 0800 da bula da Pfizer, foi atendida, e informada que faz parte de um grupo com reações adversas desconhecidas. Míriam também desenvolveu alguma dificuldade na fala, que é possível observar em vídeos que fez para relatar seu caso, e em outubro começou a ter dor no peito e dificuldade para respirar, além de desequilíbrio. Enquanto seus problemas de epilepsia acometem o lado esquerdo da cabeça, ela diz que o que passou a sentir é muito diferente e envolve o lado direito.
Ela relata que não recebeu uma ligação do Ministério da Saúde, que representantes da Pfizer dizem que não podem fazer nada por ela. No sistema de relato de eventos adversos do Ministério da Saúde, seu caso consta como encerrado com “cura sem sequelas”. Continua em observação. Há cinco meses, Míriam diz que sua vida virou um calvário.
Há outros relatos como a de Míriam, até mais trágicos, envolvendo mortes súbitas. Uma mãe perdeu um filho saudável de apenas 28 anos após inoculação com a vacina da AstraZeneca. Ele teve um AVC e os médicos especulam que foi causado por uma trombose autoimune engatilhada pela vacina.
O que fica mais difícil entender, em casos assim, é por que razão ainda há insistência em passaporte de vacina e outras formas de coagir todos os cidadãos a se inocularem. Isso não faz sentido diante do fato de que a imunidade natural adquirida em quem se recuperou possivelmente é melhor que a conferida pelas vacinas — no mínimo, obrigar os recuperados a tomar pode ser desperdício de vacinas.
Quem apoia o autoritarismo sanitário deveria perceber que, quando as pessoas são coagidas a se inocular, o responsável por eventuais efeitos colaterais é quem as forçou. É uma responsabilidade ética inescapável no pensamento, embora driblável na burocracia. Cidadãos bem informados e livres, que arcam com os riscos (baixos) ao se vacinar e têm direito de recusar tratamentos, dão em políticas de saúde mais justas.
A Pfizer e outros fabricantes de vacinas reconhecem, em suas bulas e em manifestações públicas, seus efeitos adversos possíveis. É importante lembrar que essas farmacêuticas fizeram pressão por imunidade jurídica contra processos por efeitos adversos e em grande medida a obtiveram em negociações com governos ao redor do mundo.
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