Por mais de uma vez durante sua trajetória como juiz, o ex-ministro Sergio Moro procurou demonstrar distância da política e reafirmar o foco principal de sua atuação na magistratura. Na primeira entrevista que concedeu a um grande veículo de comunicação, por exemplo – ao jornal O Estado de S. Paulo –, em 2016, após dois anos da Lava Jato, o ex-juiz afirmou que “jamais entraria para a política”. No ano seguinte, já cotado para Presidência da República, declarou ao La Tercera, um dos principais jornais do Chile, que era “candidato somente a seguir a carreira de magistrado”. A mudança de postura veio em 2018 ao deixar o Judiciário para ser ministro do presidente Jair Bolsonaro. Agora, no próximo dia 10, a tese do “Moro não-político” será definitivamente deletada com sua filiação ao Podemos.
A ida de Moro para o partido que tem como um de seus fundadores ao ex-governador do Paraná e senador Alvaro Dias tem um alvo claro: a construção da chamada terceira via para disputar a Presidência da República nas eleições de 2022 em alternativa ao ex-presidente Lula, hoje líder das pesquisas, e Bolsonaro, segundo colocado.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2016, o então juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato em Curitiba, disse que não entraria para a política.| Reprodução/O Estado de S. Paulo
Com o fim do contrato de consultoria que tinha com a Alvarez & Marsal, Moro está liberado para atuar politicamente. O podemos já começou articulação intensiva para o ato de filiação do ex-juiz e o convite para a cerimônia está sendo divulgado massivamente.
Um exemplo da grande mobilização em torno do nome de Moro pode ser retratado em um episódio que envolve o número do meu telefone no aplicativo whatsapp. Na segunda-feira (1°) meu número foi adicionado – sem me consultarem – a um grupo intitulado “Mailing Moro 1”. Pela movimentação e comentários no grupo, tudo indica que ocorreu um erro e logo em seguida dezenas de integrantes do grupo saíram. Um indício é que o criador do grupo deu comando errado ao organizar listas para divulgação de informações sobre Moro pelo país.
O ato de filiação do ex-ministro será em grande estilo, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. “Juntos, podemos construir um Brasil justo para todos”, diz o texto estampado no card distribuído pelo Podemos nas redes sociais, com a foto do ex-ministro sobreposta a uma bandeira do Brasil.
Podemos faz grande mobilização para o ato de filiação de Moro ao partido, em 10 de novembro.| Divulgação/Podemos
As ‘costuras políticas’ para construção da terceira via já começaram antes mesmo da assinatura da ficha de filiação. Moro deve se reunir com integrantes de outros grupos e líderes partidários que tendem a apoiar sua provável candidatura à presidência da República. O União Brasil, partido em formação a partir da fusão entre DEM e PSL (ex-partido de Bolsonaro), é prioridade.
O Podemos tem hoje 9 senadores, 11 deputados federais e 24 deputados estaduais. Nos corredores do partido, a estratégia é dar musculatura à uma possível candidatura de Moro com alianças com outros partidos de peso. O União Brasil é fundamental nesse tabuleiro, considerando que a legenda deverá ser a maior do país após a fusão. Hoje o PSL tem 3 governadores, 2 senadores, 54 deputados federais (é o partido com maior número de parlamentares na Câmara), 76 deputados estaduais e 90 prefeitos. Já o DEM soma 2 governadores, 5 senadores, 28 deputados federais e 5 prefeitos, incluindo Rafael Greca, de Curitiba.
Moro e Podemos não confirmam candidatura à Presidência, mas campanha em grupos nas redes sociais já começou.| Reprodução/Facebook
Nas primeiras articulações, Moro deverá encontrar resistências. Líderes do União Brasil têm revelado que preferem candidato próprio ao Planalto e há quem não quer desembarcar do governo Jair Bolsonaro. O nome do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta está na mesa.
As articulações de Moro não deixam de fora o governador de São Paulo, João Doria, de quem é próximo. Mas tudo passa pela indicação do nome do PSDB que vai concorrer ao Planalto. Se Doria vencer a disputa com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, a possibilidade de uma aliança ficaria distante, pelo menos no primeiro turno – mas há quem aposte que, caso triunfe internamente no partido, Doria poderia aceitar a vice de Moro. Outro entrave poderia ser o pretenso ingresso do ex-governador Geraldo Alckmin ao União Brasil para disputar o governo de São Paulo.
Moro mudou de posição depois de ter afirmado que não entraria na política.| Reprodução/La Tercera
O Podemos evita tratar Moro como candidato do partido à Presidência em 2022. Mas não esconde que essa é a prioridade do partido. “Moro candidato à Presidência é o sonho não só do Podemos como de vários partidos e de boa parte do eleitorado brasileiro. A resposta se pretende concorrer à Presidência, Sergio Moro dará mais para a frente. Até lá, ele assina a filiação ao Podemos e depois percorre o Brasil para divulgar seu livro ‘Contra o sistema de Corrupção’, que deve chegar às livrarias em dezembro”, publicou a legenda na segunda-feira (1º), em seu site, ao anunciar a filiação do ex-juiz.
O que já se pergunta nos bastidores da corrida presidencial é quem mais perde com Moro candidato: Lula ou Bolsonaro? Mesmo sem saber a reação dos eleitores, no Planalto já há quem teme uma debandada rumo a Moro, o que colocaria em risco a ida de Bolsonaro ao segundo turno.
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