O que vem após os indiciamentos na CPI da Covid? Saiba os próximos passos

A proposta de indiciamento de 66 pessoas e duas empresas apresentada nesta quarta-feira (20) pelo relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), ainda tem um longo caminho a percorrer até uma eventual punição: precisará antes ser aprovada pelos demais senadores da comissão e depois ser enviada para diferentes ramos do Ministério Público (MP), a quem compete analisar o material e decidir se denuncia ou não os investigados.

Caberá depois à Justiça aceitar essas acusações (se considerar que há indícios suficientes de autoria e materialidade dos crimes ou outros tipos de ilícito) e então abrir (ou não) processos penais ou de improbidade no qual réus poderão se defender até o julgamento final, pela condenação ou absolvição.

O relatório da CPI assemelha-se a um relatório de um inquérito policial, que reúne fatos e condutas que podem ser enquadrados como infrações, sugerindo punições. É o MP, no entanto, que tem poder para ajuizar as ações nos tribunais e batalhar pelas condenações.

Nesta quarta, após a leitura do relatório final, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informou que, na próxima quarta-feira (27), dia seguinte à votação do texto pela comissão, seus membros irão entregá-lo pessoalmente ao procurador-geral da República, Augusto Aras, chefe do MPF e que tem a prerrogativa exclusiva de denunciar o presidente Jair Bolsonaro (acusado de sete crimes comuns), quatro ministros do governo e sete parlamentares que também têm foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal.

Na semana seguinte, o plano é entregar o relatório às Procuradorias da República (unidades do MPF) do Distrito Federal e do Amazonas, bem como ao MP de São Paulo e a CPIs criadas na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa do estado (que já investigam o plano de Saúde Prevent Senior, acusado de utilizar o tratamento precoce em pacientes).

“Qualquer autoridade que receber esse relatório terá uma dificuldade imensa de arquivá-lo”, disse Randolfe, destacando os últimos ajustes que foram feitos na noite desta terça-feira (19) por senadores, para, segundo ele, “não deixar nenhuma brecha de reparo técnico”. “Aqueles que têm a pretensão de arquivar, seja quem for, terão enormes dificuldades para fazê-lo do ponto de vista técnico-jurídico, do ponto de vista político, do ponto de vista da satisfação que se espera ter de toda a sociedade brasileira”, enfatizou o senador.

Cada ramo do MP aproveitará a parte do relatório que lhe cabe, dependendo da competência do juiz ou tribunal apropriado para julgar cada pessoa. Algumas unidades já possuem investigações próprias em curso — o MPF do Distrito Federal, por exemplo, já investiga o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por improbidade e suposta omissão na colapso de oxigênio em Manaus, bem como repasses da pasta para outros estados e municípios. Nesses casos, o material da CPI servirá de suporte.

Descobertas inéditas, que ainda não são objeto de apurações dentro do MP, poderão ensejar novos inquéritos. De qualquer modo, os procuradores que forem designados para analisar o relatório poderão aprofundar as investigações, inclusive com auxílio da polícia e sob a supervisão de juízes.

PGR já analisou conduta de Bolsonaro

A acusação mais grave que pesa contra Bolsonaro é a de causar epidemia, crime que consiste na “propagação de germes patogênicos” e cuja pena pode alcançar 30 anos de prisão, se houver morte. Os demais crimes comuns pelos quais o presidente é acusado (infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação) somam mais 48 anos de pena máxima.

A maioria dessas acusações, no entanto, já foram apresentadas à PGR na forma de notícias-crime, protocoladas por políticos e cidadãos comuns no STF contra Bolsonaro. Em algumas delas, Aras e subprocuradores ligados a ele descartaram a ocorrência dos crimes.

No ano passado, por exemplo, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu ao então ministro Marco Aurélio Mello para arquivar uma dessas ações, que pedia a abertura de inquérito contra Bolsonaro pelo crime de epidemia e de desobediência, em razão de sua participação em eventos com aglomerações em Brasília, no início da pandemia. Ele argumentou que não havia qualquer recomendação médica de isolamento de Bolsonaro, nem determinação do governo federal ou distrital de restrição a eventos públicos. Mencionou ainda testes negativos do presidente para o novo coronavírus, à época.

Em fevereiro deste ano, em resposta a um pedido de investigação de deputados do PCdoB, Aras informou ao STF que já havia aberto uma apuração preliminar na PGR sobre suposta prevaricação e exposição a perigo, por parte de Bolsonaro e Pazuello, no colapso de saúde no Amazonas. Ele pediu, porém, apenas uma investigação sobre o ex-ministro, isentando Bolsonaro no caso. Um mês antes, ele emitiu nota dizendo que eventual punição do presidente em razão de sua atuação na pandemia deveria ocorrer num processo de impeachment, por suposto crime de responsabilidade.

Na última segunda-feira (18), outra auxiliar de Aras, a subprocuradora Lindôra Araujo, manifestou-se no STF contra a investigação de Bolsonaro por infração de medida sanitária preventiva e emprego irregular de verbas públicas. Opinou acerca de uma notícia-crime ajuizada pelo PT em razão da participação de Bolsonaro sem máscaras em motociatas. Ela disse que o presidente já está sendo punido com multas aplicadas pelos municípios e que uma punição penal não seria adequada.

Várias dessas acusações foram repetidas no relatório da CPI e caberá à PGR analisá-las novamente. A diferença é que agora há material adicional e maior pressão política. Questionado sobre a postura de Aras nesta quarta, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), mandou o recado: “Nós não vamos permitir que nenhum cidadão, seja a autoridade que for, ache que pode engavetar esse relatório. Esse relatório vai ser debatido pelo Brasil, nas universidades, vai ser usado como tese para mestrados. Esse relatório passa a não ser mais da CPI, mas das vítimas da Covid, dos sequelados”, disse o senador.

Caso a PGR e os ramos do MPF não apresentem as denúncias, os senadores pretendem mobilizar associações de familiares das vítimas da Covid e a Ordem dos Advogados do Brasil para apresentarem ações penais privadas subsidiárias da pública, isto é, apresentadas por vítimas quando há inação do Ministério Público. Nesses casos, porém, o MP é chamado a opinar sempre sobre todas as fases do processo, recomendando ao juiz do caso arquivar caso considere que não há crimes a serem punidos.VEJA TAMBÉM:

CPI imputa a Bolsonaro crimes contra a humanidade e de responsabilidade

No caso dos crimes de responsabilidade e contra a humanidade imputados a Bolsonaro, as acusações deverão ser feitas, respectivamente, junto ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e ao Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, na Holanda. Ambos já receberam denúncias semelhantes às formuladas pela CPI contra Bolsonaro, mas nunca aceitaram abrir processos.

Aliado de Bolsonaro, Lira já descartou várias vezes abrir um processo de impeachment. Nesta semana, na última declaração sobre o assunto, afirmou que não há apoio popular para a destituição do mandato. “Estamos a um ano das eleições, o que ia resolver?”

O TPI, por sua vez, pode demorar anos para analisar uma denúncia e só abre um processo se verificar que a Justiça do país é incapaz de punir autoridades responsáveis por atos graves, como extermínio, perseguição e outros atos desumanos contra a população indígena, como acusa a CPI. Para a configuração desse crime, é preciso comprovar a intenção de exterminar um grupo étnico, racial ou religioso, por exemplo. Uma apuração preliminar sobre isso é feita por um procurador do próprio tribunal; só se ele considerar que há elementos suficientes, propõe a abertura de um processo a uma câmara composta por 3 dos 18 juízes do tribunal.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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