Extradição de general que apontou financiamento venezuelano a Lula gera impasse na Espanha

A Justiça espanhola determinou a extradição aos Estados Unidos do general venezuelano chavista Hugo Armando Carvajal, detido em Madri e considerado o fugitivo mais procurado por tráfico de drogas pelos americanos, após negar a sua solicitação de asilo na Espanha. A Audiência Nacional decidiu nesta quarta-feira (20) que Carvajal ficará à disposição da Unidade de Cooperação Policial Internacional, que deverá concretizar a entrega aos EUA.

A determinação da corte espanhola vem na mesma semana em que o site Ok Diario revelou que o ex-chefe da inteligência militar venezuelana informou à Justiça da Espanha que os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro fizeram pagamentos ilegais a partidos e políticos de esquerda no país europeu e na América Latina, entre eles os ex-presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Argentina, Néstor Kirchner, e da Bolívia, Evo Morales.

Em uma carta enviada ao juiz espanhol Manuel García-Castellón, à qual o Ok Diario teve acesso, Carvajal informou que o governo da Venezuela financiou o partido de esquerda Podemos, da Espanha, desde sua criação, em 2014, até pelo menos julho de 2017. A legenda espanhola também teria recebido pagamentos de Cuba.

Na carta, Carvajal apontou: “Enquanto era diretor da inteligência militar e contra-espionagem na Venezuela, recebi um grande número de relatórios indicando que esse financiamento internacional estava ocorrendo. Exemplos específicos são: Néstor Kirchner, na Argentina; Evo Morales, na Bolívia; Lula da Silva, no Brasil; Fernando Lugo, no Paraguai; Ollanta Humala, no Peru; (Manuel) Zelaya, em Honduras; Gustavo Petro, na Colômbia; o Movimento Cinco Estrelas, na Itália; e o Podemos, na Espanha. Todos eles foram relatados como destinatários de dinheiro enviado pelo governo venezuelano”.

O general, que rompeu com Maduro em 2019, informou ao juiz que esse esquema de financiamento ilegal a movimentos políticos de esquerda teria funcionado durante “pelo menos 15 anos”.

Carvajal forneceu documentos ao tribunal espanhol com os quais pretende provar que o Podemos recebeu os pagamentos do governo venezuelano. A denúncia do general chavista fez García-Castellón reabrir este mês um processo sobre o suposto financiamento ilegal do partido de esquerda, que estava arquivado há cinco anos.

Depois de entregar a documentação, Carvajal foi convocado para comparecer à Audiência Nacional em 27 de outubro para dar mais informações sobre o assunto. Com a determinação de sua extradição aos Estados Unidos, agora não se sabe o general chavista vai prestar esse depoimento: o jornal El Correo publicou nesta quarta-feira que recursos contra a extradição permitiriam que Carvajal falasse na próxima semana, porém, fontes jurídicas consultadas pelo Diario de Ávila destacaram que, mesmo com a possibilidade dele recorrer, o processo de extradição segue seu curso.

Processo nos Estados Unidos

Carvajal é procurado pelos EUA para ser julgado por crimes que na Espanha equivalem a pertencimento a uma organização criminosa ou colaboração com organização terrorista e tráfico de drogas de forma agravada.

Em 14 de setembro, o tribunal espanhol suspendeu a extradição de Carvajal, considerado o fugitivo mais procurado pelos Estados Unidos por tráfico de drogas, até que o Ministério do Interior espanhol resolvesse o seu pedido de asilo.

Pouco depois, a pasta informou que tinha recusado o pedido e Carvajal recorreu imediatamente contra a recusa. No entanto, na terça-feira (19), foi ratificado que o asilo não seria concedido, motivo pelo qual a extradição foi confirmada.

A Audiência Nacional aprovou a extradição do ex-chefe dos serviços secretos venezuelanos em novembro de 2019, meses depois de ter sido preso na Espanha com documentação falsa. Entretanto, a extradição não se concretizou, uma vez que o acusado não apareceu, pois estava em liberdade e depois em paradeiro desconhecido.

Quase dois anos após a fuga, Carvajal foi preso em setembro, em um apartamento em Madri que a polícia espanhola localizou com a ajuda da agência antidrogas americana.

Após a detenção, Carvajal foi colocado em uma prisão de Madri, aguardando a extradição, e depois pediu para ser autorizado a depor perante o tribunal espanhol onde a sua extradição estava sendo processada, o que foi aceito pelo juiz encarregado do caso.

Inicialmente, Carvajal disse que falaria sobre questões de terrorismo internacional relacionadas ao ETA (grupo que reivindicava a separação do País Basco) e às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mas depois apontou para supostos pagamentos a ex-líderes do partido espanhol Podemos, aliado do Partido Socialista no governo espanhol, através da petroleira estatal venezuelana PDVSA.

Histórico de repasses

Antes mesmo das revelações de Carvajal serem divulgadas pelo Ok Diario, várias notícias sobre repasses de dinheiro feitos pela ditadura venezuelana haviam sido publicadas pela imprensa internacional.

Em 2007, a alfândega argentina encontrou cerca de US$ 800 mil dentro de uma mala em posse de um empresário venezuelano que havia chegado a Buenos Aires em um jato alugado que havia saído de Caracas.

Na aeronave, estavam também o presidente do Órgão de Controle de Concessões de Estradas da Argentina (Occovi, na sigla em espanhol), Cláudio Uberti, que deixou o cargo devido ao escândalo, o presidente da estatal petrolífera argentina Enarsa e quatro funcionários da venezuelana PDVSA. Depois, o empresário venezuelano afirmou em uma entrevista que o dinheiro era para a campanha para presidente de Cristina Kirchner, esposa do então presidente Néstor Kirchner.

Em seu livro “Hugo Chávez, o espectro: como o presidente venezuelano alimentou o narcotráfico, financiou o terrorismo e promoveu a desordem global” (Vestígio Editora, 2018), o colunista Leonardo Coutinho, da Gazeta do Povo, descreveu o envio de malas de dinheiro entre o Irã e a Venezuela depois que o então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad incumbiu Hugo Chávez, em 2007, de intermediar a compra de segredos nucleares argentinos.

Em 2020, o jornal espanhol ABC reportou que Maduro autorizou o envio em 2010 de uma mala contendo 3,5 milhões de euros em dinheiro para um dos fundadores do Movimento Cinco Estrelas. À época, Maduro era ministro das Relações Exteriores no governo de Chávez. O partido italiano negou as alegações.

Na terça-feira, o senador colombiano Gustavo Petro informou que processará Carvajal em tribunais internacionais pela declaração de que ele teria recebido dinheiro enviado pela Venezuela. “Estou preparando uma intervenção jurídica para enfrentar o general e suposto narcotraficante Hugo Carvajal, seja na Espanha ou nos Estados Unidos”, escreveu Petro no Twitter.

Também na terça-feira, a assessoria de Lula negou que ele tenha recebido dinheiro da Venezuela. “O ex-presidente Lula teve todos os seus sigilos quebrados e analisados ao longo de anos e nenhuma irregularidade ou valor ilegal foi encontrado em suas contas”, apontou, em nota enviada à Gazeta do Povo.

Nesta quarta, deputados de oposição ao presidente argentino Alberto Fernández, de quem Cristina Kirchner é vice, informaram ao Clarín que vão solicitar à Justiça Federal do país para que peça cópia do depoimento de Carvajal na Espanha.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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