O príncipe britânico William criticou empreendedores bilionários que se dedicam ao turismo espacial em vez de buscar “soluções para salvar a Terra”.
Na opinião do segundo na linha de sucessão ao trono da realeza britânica, grandes mentes e cérebros deveriam estar “tentando consertar este planeta, e não tentando encontrar o próximo lugar para se viver”.
A afirmação é uma crítica aos empreendimentos de turismo espacial promovidos pela Blue Origin, do fundador da Amazon, Jeff Bezos; da SpaceX, do CEO da Tesla Elon Musk; e da Virgin Galactic, de Richard Branson.
“Se essa casa queimar, não importa, eles levam seus recursos para seu outro planeta, no céu, no paraíso”, como afirmou há alguns meses o filósofo e sociólogo francês Bruno Latour.
Critica-se a elite que dispõe de recursos e prefere aplicá-los em um passeio pelo espaço, algo que pode custar até US$ 28 milhões (R$ 145 milhões) em vez de utilizá-los no combate à desigualdade e às mudanças climáticas e ambientais.
Por fim, a narrativa de que o patrimônio dos mais ricos não está à serviço das necessidades do planeta pavimenta o caminho para a defesa de um sistema tributário que não permita a existência de bilionários. Esta era, por exemplo, uma das propostas centrais do candidato Bernie Sanders na última corrida presidencial dos Estados Unidos. O senador democrata defendia que “bilionários não deveriam existir”.
Será mesmo?
Um mundo totalmente utilitarista
É comum em narrativas político-ideológicas buscar impor determinadas regras morais para seus alvos, mas não para si próprio e os pares.
“Se formos adotar um ponto de vista estritamente utilitarista, de fato poderia se afirmar que este seria um mau uso dos recursos. Afinal, poderia estar salvando vidas, melhorando a situação de pessoas em situação de vulnerabilidade”, afirma o filósofo Joel Pinheiro.
“Mas isso não vale apenas para os bilionários, mas para todos nós: esse argumento abre margem para questionar até mesmo levar o filho ao cinema em vez de pagar o almoço para pessoas desalentadas”, compara.
O resultado prático, de acordo com Pinheiro, é que, se essa mentalidade utilitarista for levada “a ferro e fogo”, a vida humana perde muito do seu interesse e do seu próprio valor.
Vale lembrar que, tal como já comprovado pela economia comportamental, os indivíduos não agem sempre racionalmente, com a tomada de decisões por vezes sendo pautadas em paixões e emoções. Dessa forma, o processo de gestão de recursos financeiros também não é 100% racional: diversas compras e aquisições no dia a dia são dominadas pelas emoções. Não à toa, o professor da Universidade de Chicago Richard Thaler foi premiado com o Nobel de Ciências Econômicas em 2017 pelas suas pesquisas nesta área.
Críticas ao capitalismo
Quando um rico gasta tanto dinheiro em algo considerado frívolo ou acessível para poucos, questiona-se as razões pelas quais o mercado permite aos indivíduos agirem com ganância ou egoísmo. A base de comparação é com o custo de oportunidade de ajudar a população mais vulnerável. Dessa forma, trata-se de uma arena de batalha que acaba servindo para atacar o sistema de livre mercado.
Contudo é comum que bens cujos valores eram acessíveis inicialmente apenas aos mais ricos, com o tempo se tornam mais baratos ao ponto de serem desfrutados pela parcela de menor renda da população.
Qualquer cidadão de classe média do século XXI possui uma qualidade de vida melhor que a de reis do século XIX. Se você lê a Gazeta do Povo em seu notebook ou smartphone, é pela mesma razão: algo possível apenas em virtude da economia de mercado.
Em 1937 o jornal “Folha da Manhã”, do Rio de Janeiro, sorteou uma geladeira cujo preço era equivalente a mais de 60 vezes o valor do salário mínimo (no patamar de sua criação em 1940). Naturalmente, algo que era restrito apenas à elite. Atualmente, contudo, é possível encontrar geladeiras por cerca de um salário mínimo, e mais de 93% dos brasileiros possuem o item em suas casas.
Algo que só foi possível a partir da livre iniciativa, da economia de mercado e da propensão ao risco de indivíduos que empreenderam, mesmo sabendo que o nicho de mercado seria inicialmente restrito apenas aos mais ricos.
Falácia do Nirvana
O economista britânico Israel Kizner se dedicou a estudar por que o capitalismo, sistema que possibilita ao longo do tempo a evolução das condições de vida da população, é tão desprezado.
Entre os motivos elencados por ele consta justamente a percepção de que o livre mercado possibilita diversos agentes “atuarem de forma egoística”, a despeito de dentro do próprio processo de mercado haver restrições à cobiça de seus participantes.
Ele critica os anticapitalistas por não compararem o status quo com as transformações que o livre mercado proporcionou, beneficiando as condições de vida de seus habitantes ao longo do tempo.
Esse argumento é chamado de “falácia do Nirvana”, pois se idealiza um mundo perfeito em vez de realizar proposições para melhorar um mundo imperfeito.
Isto é, a crítica à eficiência ou moralidade do capitalismo frequentemente se dá em relação ao mundo idealizado pelos anticapitalistas, o que apresenta pouca relevância para problemas reais.
Extinguir bilionários é fácil só no discurso
São frequentes os discursos populistas (tanto de esquerda quanto de direita) contra as pessoas mais ricas da sociedade. Consideram que maiores taxações poderiam alocar os recursos dessas pessoas de forma mais eficiente e justa para atacar os problemas sociais.
O patrimônio de Bezos é de quase US$ 200 bilhões, enquanto o de Musk chega a US$ 214 bilhões. Contudo, redistribuir esses valores não é algo factível.
O patrimônio de Elon Musk, Jeff Bezos e outros bilionários é composto por participação em empresas e negócios que envolvem acionistas, sócios, empregados, serviços, lucros e prejuízos diversos, que abrangem diversas áreas da sociedade e movimentam de forma essencial a economia global.
Interferências drásticas na Amazon e na Tesla teriam de ser feitas para desapropriar parte de seu capital, o que logo resultaria em desvalorização dos empreendimentos, prejuízos aos acionistas e demissão de muitos funcionários.
Fluxo x Estoque
Nas argumentações populistas, as noções de fluxo e estoque também aparecem de formas distorcidas. O fluxo, que é formado em determinado período, como o Produto Interno Bruto em um ano, é erroneamente confundido com estoque, que se caracteriza pela acumulação de vários períodos, como os patrimônios.
Nesse sentido, ao propor um fluxo de distribuição e riquezas que “fomentaria” a economia e diminuiria as desigualdades, vê-se uma ideia errada de que patrimônios são fixos e não reagem às condições da economia de determinado tempo e país.
Caso fossem adotadas políticas confiscatórias defendidas pelos populistas, a tendência seria de falência dos estoques e dos patrimônios e a decadência das riquezas em questão. Na venda de todas as ações, elas naturalmente se desvalorizariam, arrecadando valores muito inferiores.
Mesmo que isso não ocorresse e houvesse liquidez absoluta para a redistribuição, se dividíssemos o patrimônio de Musk para todos os habitantes dos Estados Unidos, por exemplo, teríamos menos de 30 dólares a serem pagos em uma única parcela. Isso em troca do possível fim das principais companhias globais que beneficiam bilhões de pessoas. Vale a pena?
Como ricos se tornam ricos
Um ponto importante a ser analisado é a razão pela qual os ricos se tornam ricos. Em grande parte dos casos, o serviço ou produto oferecido agregou tanto valor às pessoas, que, por consequência, elas se disponibilizaram a pagar voluntariamente por isso: afinal, poderiam se beneficiar do produto ou serviço ofertado.
No caso de Musk, carros elétricos e demais avanços tecnológicos propiciaram um desenvolvimento social, econômico e ambiental de alta relevância para muitos indivíduos, gerando valor ao mundo inteiro. Os veículos são menos poluentes, mais silenciosos e registram consumo de energia mais eficiente, além de serem menos custosos em relação ao abastecimento e à manutenção dos veículos.
O mesmo vale para o marketplace criado pela Amazon e toda sua cadeia logística que permite entregas rápidas a custos menores.
A existência de milionários e bilionários, portanto, é positiva em uma sociedade que preza pela justa recompensa de esforços e pela troca espontânea entre pessoas e mercados.
Essas companhias valem muito mais do que as cifras representam, pois elas entregam muito mais para a sociedade do que eles próprios possuem em suas respectivas contas bancárias.
A redistribuição forçada de seus patrimônios resultaria em falências, demissões e no aumento da pobreza. Devemos nos preocupar em como resolvermos problemas sociais complexos, mas, parafraseando o ditado, redistribuir o patrimônio de bilionários são apenas discursos simples, elegantes e completamente errados.
Como bilionários abrem espaço para as massas
“A curiosidade humana e o desejo de explorar são positivos, sempre fizeram parte da nossa história e da sociedade. Os bilionários poderiam estar gastando todo seu dinheiro com carros de luxo, diversões frívolas, ostentando a riqueza, mas estão fazendo algo que, além de tudo, avança o conhecimento e as possibilidades da humanidade como um todo”, afirma Joel Pinheiro.
Dessa forma, descobrir coisas, inventar novas formas de uso dos nossos recursos que podem ao longo prazo se tornar populares e alterar profundamente nossos modos de vida, seria, ao contrário das narrativas em voga, algo elogiável.
“Temos muitos exemplos históricos disso. Os primeiros ricaços que gastaram recursos com celulares — algo muito menor do que ir ao espaço — ajudaram a colocar em andamento algo que se tornou mais acessível, popular e geral”, conclui.
A moralidade de quem explora avanços da humanidade
O professor e filósofo Dennys Xavier afirma que, do ponto de vista utilitarista, cada uma dessas construções acaba voltando para nós no nosso dia a dia.
“As coisas mais extraordinárias que nós desfrutamos em nossas vidas “foram criadas, ventiladas, alimentadas, por homens com uma visão e uma coragem de realizar coisas que vão além da mediana da maior parte dos indivíduos”, afirma.
Contudo, apesar do aspecto utilitário, se opor à intervenções e críticas pelos bilionários que se aventuram no espaço seria uma questão moral.
“Querer, a partir de visão medíocre (no sentido de mediana da realidade), que esses homens interrompam o ímpeto construtor e realizador é violentar as regras da natureza humana e da nossa evolução. Precisamos apreciar esses homens corajosos. Eles não podem se tornar acovardados, pois isso violentaria a própria ideia de homem e de liberdade”, critica.
Como a filósofa russa Ayn Rand descreveu quando o homem pisou na lua em 1969:
“Em termos essenciais, o que vimos – na realidade, não em uma obra de arte – foi a abstração concretizada da grandeza do homem. Não é obra do acaso, não é sorte, mas algo possível apenas a partir de um esforço longo e disciplinado para atingir esse propósito, e que o homem tinha tido sucesso. […] vimos uma demonstração do melhor do homem – essa foi a causa da atratividade e impacto que ela teve sobre nós. Também não havia dúvidas de que tínhamos visto uma nova conquista da capacidade racional do homem, uma conquista da razão, da lógica, da matemática e da dedicação total e absoluta à realidade.”
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