O presidente Jair Bolsonaro e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, estão debruçados sobre o desafio de construir a candidatura à reeleição ao Palácio do Planalto que atenda tanto a seus apoiadores mais ideológicos como aos aliados do Centrão. Para que o próprio Bolsonaro assegure uma aliança maior para sua candidatura em 2022, ele terá de acomodar políticos de diferentes linhas nos lançamentos de chapas para o Senado, governos estaduais e Câmara dos Deputados.
Eleito em 2018 na onda do antipetismo e com a defesa de bandeiras como combate à corrupção e defesa de valores conservadores, Bolsonaro ajudou a eleger uma bancada mais ideológica no Congresso, sobretudo na Câmara. Para as eleições de 2022, ele não planeja abandonar esses aliados, mas sabe que precisará conciliar a acomodação de espaços e apoio de sua base “raiz” com nomes do Centrão, grupo comandado por Ciro Nogueira, presidente do PP.
O encaixe do “DNA” eleitoral entre os aliados ideológicos e o Centrão passa por diferentes variáveis políticas, a começar pela escolha do partido político no qual presidente da República vai se filiar. Bolsonaro, hoje, está dividido entre o PP e o PL (este, outro partido do Centrão, presidido pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto). O PTB “corre por fora” no atual cenário político-eleitoral.
A estratégia eleitoral também passa pela costura de acordos para as chapas para o Senado e governos estaduais. Nesse ponto, as conversas estão mais avançadas. Bolsonaro pediu a Nogueira respaldo para a indicação de candidatos. A estratégia do presidente é fazer uma bancada maior no Senado. Já o chefe da Casa Civil ficou com maior respaldo para construir candidaturas aos governos estaduais que apoiem a chapa presidencial ou, no mínimo, permaneçam neutras na corrida eleitoral.
É com essa simbiose entre candidaturas de senadores e governadores que Bolsonaro e Nogueira esperam construir uma coalizão eleitoral entre seus apoiadores “raiz” e o Centrão.
O grande problema, contudo, está na definição das candidaturas a deputados federais. A possível filiação do presidente ao PP ou PL já provoca disputas por espaços entre os “ideológicos” e políticos do centrão. Isso pode levar alguns deputados do PSL que apoiam Bolsonaro a não o acompanharem para o partido que o presidente escolher.
Como o futuro partido de Bolsonaro é peça-chave nas negociações
Aliados de Bolsonaro acreditam que ele definirá seu futuro partidário até o próximo mês. “Eu acho que, com uma certa vantagem para PL [filiá-lo], ele deve definir isso já em novembro”, diz um deputado aliado do presidente. Parlamentares da base “raiz” que conversaram com o presidente nas últimas duas semanas afirmam ter ouvido dele que ele ainda não se decidiu entre o PP e o PL. “Eu conversei com ele [Bolsonaro] por bastante tempo. Não está definido o partido, mas tudo indica que fica entre um ou outro. Não vai sair desses dois”, garante outro aliado.
Filiado ao PP ou PL, Bolsonaro poderá receber mais apoios de senadores, governadores e deputados. Também terá a seu dispor recursos dos fundos partidário e eleitoral e minutos nos horários eleitorais de rádio e TV. Mesmo tendo sido eleito em 2018 como o “antipolítico” e sem esses recursos, o presidente está convencido de que o cenário para 2022 é outro e de que precisará de aliados para vencer na corrida eleitoral.
Mas mesmo a escolha por PP ou PL pode fazer a diferença para a estratégia eleitoral de Bolsonaro de unir o Centrão e a base “raiz”. É um cálculo político que o presidente terá de fazer com cautela sob o risco de deixar aliados conservadores para trás ou de perder o apoio de algumas lideranças de centro.
Caso Bolsonaro se filie ao PP, hipótese considerada a mais provável pela maioria das fontes consultadas pela reportagem, dois cenários podem vir a ocorrer: a debandada de lideranças da legenda e a filiação de aliados conservadores a outros partidos. Alguns membros do partido são contrários à filiação do presidente e ameaçam deixar a sigla, sobretudo os de estados das regiões Norte e Nordeste.
Já os aliados mais ideológicos dizem que o PP é um partido “muito grande” para acomodar todos. “Esses partidos grandes já estão com as chapas praticamente montadas. A turma não deixa para depois de amanhã e essa demora dele [Bolsonaro] em escolher o partido atrapalha e vai complicando esse jogo de espaço. Para os que têm bastante voto, como o Eduardo [Bolsonaro], não é um problema. Mas para tantos outros, é”, explica um deputado do PSL.
O temor de não ter espaço no PP e se filiar em um partido diferente de Bolsonaro aflige principalmente os que fizeram entre 30 mil e 40 mil votos nas eleições de 2018. “Estão praticamente todos perdidos com o que vão fazer. Todos querem estar no mesmo partido do presidente. Tem aquela coisa de carregar a foto do presidente no santinho [propaganda impressa com informações com o nome do candidato e seu número]”, explica um deputado conservador aliado.
“Ter mesmo número [de urna] do presidente traria todo um efeito muito positivo. Caso contrário, o eleitor fica confuso: ‘Mas o presidente tem um número e você tem outro’. Estão todos preocupados”, complementa o parlamentar. O deputado pondera que o próprio presidente poderia ser impactado. “Essa sinergia não é só de cima para baixo, também ocorre de baixo para cima. Nós, deputados, também puxamos votos para ele”, diz.
Deputados da base mais ideológica que conversaram com Bolsonaro nas últimas semanas apontam, entretanto, que ele demonstra a sensibilidade de conseguir um acordo que acomode tanto nomes do Centrão quanto seus aliados “raiz”.
Há duas semanas, ele se reuniu fora da agenda com Valdemar Costa Neto para negociar sua filiação e de aliados ao PL. “O presidente não vai descuidar dos deputados que são fiéis a ele e, por isso, o PL, que não tem a mesma estrutura partidária que o PP, é atraente”, explica um aliado.
Uma terceira hipótese de filiação para Bolsonaro – o PTB – atualmente é considerada descartada por aliados mais próximos do presidente. O partido presidido por Roberto Jefferson ficou estigmatizado no meio político como uma legenda de extrema direita. Atualmente, Jefferson está preso sob acusação de participar de uma milícia digital criada para supostamente atacar a democracia. Uma filiação de Bolsonaro ao PTB poderia, assim, comprometer a união entre os aliados mais ideológicos e o Centrão mais pragmático.
Disputas internas na base de Bolsonaro ainda são entrave
Sem um acordo bem definido com PP ou PL, Bolsonaro não conseguirá impedir o aumento de disputas internas entre os aliados mais antigos do presidente e integrantes do Centrão. Em São Paulo, por exemplo, isso já ocorre. O diretório paulista do PP acusa Ciro Nogueira de ter prometido entregar o comando da sigla no estado para os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Carla Zambelli (PSL-SP).
As tratativas reacenderam nos bastidores os embates entre Eduardo e o deputado Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar Brasil-China. Aos mais próximos, Pinato diz que não descarta deixar a legenda caso Nogueira não ponha “freios” na base “raiz” de Bolsonaro. “O temor dele é que o PP perca a identidade de uma sigla moderada, de centro-direita”, explica um correligionário.
Em maio, Pinato enviou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma lista de sites que apoiam Bolsonaro e que supostamente disseminavam informações falsas sobre a pandemia da Covid-19. O magistrado incluiu as informações no inquérito das fake news. Ele também é crítico à postura dos aliados mais ideológicos do presidente em relação à China.
Integrantes do Centrão não são os únicos críticos sobre a união entre grupos de apoio a Bolsonaro. Os próprios aliados “raiz” de Bolsonaro também se dizem preocupados. “Eles dizem que nós somos legais, nos chamam para conversar, dizem que somos bem vindos. Mas, para alguns caciques do Centrão, a visão é puramente matemática”, diz um deputado conservador do PSL. “Aquele que têm 30 mil, 40 mil votos, são bem-vindos para encher a chapa de deputados e eleger quem eles [caciques] querem. Tenho conversado com alguns colegas que estão deslumbrados com os convites [do Centrão], mas eles não entenderam que muitos são para eleger outros”, complementa.
No sistema proporcional, em que o total de votos válidos obtidos pelo partido e seus candidatos é dividido pelo número de vagas em disputa, aqueles que tiverem menos votos podem ficar de fora do resultado do “quociente eleitoral”.
A possibilidade de união entre PP e PL no sistema de federação partidária também é outra variável que preocupa a ala mais ideológica de apoiadores de Bolsonaro. A avaliação é de que a junção entre ambos os partidos pode tirar ainda mais espaços para eles. “Muitos estarão perdidos se o presidente não amarrar um bom acordo com o Valdemar e o Ciro”, diz um deputado. “A verdade é que somos uma espécie de patinho feio para o Centrão. Para eles, muitos de nós são apenas intrusos e idealistas que não têm habilidade política.”
Outro deputado da base “raiz” teme que Bolsonaro não se engajará em buscar um bom acordo para levar todos os cerca de 25 deputados do PSL na Câmara que o apoiam. “Ele tem um pouco mais de afinidade com uns 15 mais chegados e que o bajulam. A esses, ele pode pedir acordos que garantam boas condições nas chapas”, diz um parlamentar. Outro deputado confia que o presidente buscará espaço a todos. “Não fossem esses 25, que são o ‘murro de arrimo’ e fazem o que tem sido feito, ele não teria sobrevivido. O presidente sabe disso e reconhece”, justifica.
Como estão os acordos nas chapas para o Senado e governos estaduais
Se as chapas para deputados federais e a definição partidária de Bolsonaro ainda são um desafio maior, as costuras para o Senado fluem sem tantas dores de cabeça. “O jogo do presidente é fazer uma ‘tropa de choque’ no Senado, e o Ciro [Nogueira] concordou com isso”, diz um deputado aliado do Centrão. “Caso se eleja, terá maior força no Senado. E caso não se eleja, precisa de uma bancada que o defenda [na oposição].”
Alguns nomes apontados por Bolsonaro ao Senado foram escolhidos juntamente com Ciro Nogueira. É o caso da ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, deputada licenciada pelo PL no Distrito Federal. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) chegou a demonstrar ao presidente o interesse na disputa pela vaga de senadora. Mas, até segunda ordem, o apoio irá para a Flávia; e Bia tentará a reeleição na Câmara.
Em alguns outros estados, Bolsonaro quer lançar ao Senado alguns de seus ministros. Em Goiás, a ideia é lançar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. No Rio Grande do Sul, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni (DEM). Em Mato Grosso do Sul, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Em Pernambuco, o ministro do Turismo, Gilson Machado. No Rio Grande do Norte, a tendência é apoiar o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD).
No Rio de Janeiro, sua base eleitoral, Bolsonaro quer lançar ao Senado o deputado Hélio Lopes (PSL-RJ). Em São Paulo, Bolsonaro deseja apoiar a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL). Entretanto, sob conselho de Ciro Nogueira, não está descartado o apoio à candidatura de Paulo Skaf (MDB), presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Outro outsider que pode ser apoiado é o empresário Luciano Hang, para a disputa ao Senado em Santa Catarina.
Aliados no Parlamento também deve ser apoiados por Bolsonaro. Bolsonaro deve apoiar a reeleição de aliados como Roberto Rocha (sem partido) no Maranhão; Elmano Férrer (PP) no Piauí; e Fernando Collor (Pros) em Alagoas. Em Sergipe, ele deseja lançar o deputado federal Laércio Oliveira (PP), que recebeu uma ligação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) dizendo que o presidente gostaria de contar com ele no Senado; e não como candidato a governador.
Em outros estados, Bolsonaro ainda analisa suas opções. Na Bahia, por exemplo, o ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), é cotado tanto para a vaga do Senado como para o governo da Bahia. Alguns no governo não descartam ensaiar uma candidatura de Roma ao governo baiano como um “balão de ensaio” para induzir ACM Neto, pré-candidato ao governo baiano, a frear a ideia de o União Brasil – o partido que surgirá da fusão entre o DEM e o PSL – de lançar um candidato a presidente da República. A ideia seria forçar ACM a buscar uma composição com o Planalto nos estados.
A ideia de uma composição com o União Brasil poderia levar Bolsonaro a apoiar o deputado federal Efraim Filho (DEM-PB) ao Senado na Paraíba. Em outros estados, outros nomes do União Brasil poderiam vir a ser apoiados pelo presidente como contrapartida.
Já as costuras para as chapas de governadores ainda são articuladas por Nogueira. O ministro da Casa Civil aguarda, por exemplo, a definição do partido de Bolsonaro.
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