Objeto de uma PEC que muda sua composição, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apresentou, em seus primeiros 14 anos de existência, números mais significativos de fiscalização sobre a conduta de procuradores e promotores do que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão disciplinar congênere, também criado em 2005, mas focado em juízes. No período, o CNMP abriu 237 processos disciplinares, julgou 212 e aplicou 138 penalidades. O CNJ, que não sofre pressão por alterações por parte dos deputados, abriu 140 processos, julgou 105 e fez 87 punições.
Os dados foram reunidos pela Corregedoria do CNMP, cuja ocupação também poderá mudar caso a proposta seja aprovada. A função só poderia ser exercida por um atual ou ex-procurador-geral de Justiça (o chefe de um MP estadual) indicado pelo Congresso. Atualmente, o detentor do cargo é eleito pelos próprios conselheiros do órgão. A PEC contém outros dispositivos que, para os críticos, também podem inibir a atuação dos membros do MP: o aumento do número de conselheiros indicados pelo Congresso e a possibilidade de o conselho derrubar investigações abertas por procuradores e promotores.
A principal justificativa para a proposta, apresentada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), seu maior patrocinador, é uma suposta impunidade de procuradores, decorrente de corporativismo no CNMP.
A comparação com os dados do CNJ demonstra ainda mais efetividade da função correicional do CNMP, levando-se em conta o número de fiscalizados. O Ministério Público tem 12.915 membros, enquanto o Judiciário tem 18.091 juízes. Significa que, para cada 1.000 integrantes do MP, foram aplicadas 10,69 penas, mais que o dobro das 4,81 punições aplicadas para cada 1.000 magistrados. O cotejo entre os dois órgãos leva em conta apenas dados de 2005 a 2019.
“É fato inquestionável que o CNMP vem cumprindo as missões que lhe foram confiadas pelo constituinte derivado, não havendo qualquer motivação idônea apta a embasar as alterações apontadas, as quais, na prática, não se prestam ao fortalecimento da instituição Ministério Público”, afirmaram, em nota divulgada na semana passada, 19 ex-conselheiros do órgão, com base nos mesmos dados.
Um deles, Cláudio Henrique Portela do Rego, que foi corregedor nacional do MP entre 2015 e 2017, disse à Gazeta do Povo que o CNMP vem realizando seu papel de maneira criteriosa. Além disso, destacou que, além da corregedoria nacional, as corregedorias do MPF e dos MPs estaduais também têm sido provocadas a agir para não protegerem indevidamente quem atua de forma irregular.
“Há anos, o CNMP vem realizando um trabalho de acompanhamento das corregedorias locais, tanto presencial quanto remotamente. Foram realizadas diversas inspeções em corregedorias, que resultaram em recomendações e determinações de melhoria. Há um sistema nacional de acompanhamento eletrônico dos procedimentos locais, os quais são avocados para o CNMP no caso de demora ou inércia”, afirmou.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Murrieta, que representa principalmente promotores submetidos às corregedorias locais, também diz que o CNMP tem sido efetivo, mas que a comparação com os dados do CNJ não significa uma atuação deficiente do órgão que fiscaliza magistrados. “Temos eficiência. Mas os dados não trazem uma mensagem negativa para o CNJ. Se para eles está dando certo, para nós também. É desnecessária mudança sob essa justificativa.”
CNMP apertou o cerco a procuradores da Lava Jato
Nos últimos dois anos, sob o comando do procurador-geral da República, Augusto Aras, o CNMP também apertou o cerco contra procuradores que atuaram na Lava Jato, do MPF. O ex-coordenador da operação no Paraná, Deltan Dallagnol, foi punido duas vezes, em 2019 e 2020, por críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Ainda nesta semana, o órgão pode demitir 11 procuradores do Rio de Janeiro que divulgaram o resumo de uma denúncia contra os ex-senadores Edison Lobão e Romero Jucá por suposta corrupção nas obras de Angra 3. A proposta de demissão dos procuradores partiu do atual corregedor nacional, Rinaldo Reis Lima.
O ex-procurador-geral da República e hoje advogado Aristides Junqueira costuma atuar em defesa de procuradores no CNMP. Ele concorda com punições de membros do MP que usem do cargo para interferir na política partidária. “Quando um membro abre um inquérito, e sobre ele faz um alarde, dando manifestações fora dos autos e até dando impressão de que está agindo ideologicamente, com fundamento em política partidária, me parece corrigível”, disse à reportagem. Ele diz, no entanto, que a atual corregedoria é mais rígida e não há do que reclamar. “A não punição pelas corregedorias locais deve ser respeitada. Mas acho que o corregedor atual instaura muito procedimento, ninguém pode reclamar de inação”, diz.
Para ele, o maior risco à independência e autonomia do MP está em outro dispositivo da PEC, que permitiria ao Conselho “desconstituir atos administrativos que constituam violações do dever funcional dos membros após a devida apuração funcional”. Significa, na prática, que o órgão poderá derrubar investigações se constatar que o procurador que a abriu agiu irregularmente. “Isso é atividade fim que só pode ser corrigida pelo Judiciário ou câmaras de coordenação [instâncias internas de revisão] do próprio MP”, afirma.
Os dois pontos — mudança na corregedoria e possibilidade de anulação de investigações — são os que mais preocupam as associações e os maiores focos de pressão contrária sobre os parlamentares.
A proposta de emenda à Constituição surgiu neste ano e foi colocada para votação no plenário por Arthur Lira na semana passada. Diante de protestos das entidades representativas do MP, a votação foi adiada para esta semana. Para a aprovação, são necessários ao menos 308 votos entre os 513 deputados, em dois turnos, e 49 votos entre os 81 senadores, em mais dois turnos.
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