Candidatos fortes ao Prêmio Nobel da Paz deste ano não faltavam. A pandemia de Covid-19 e os esforços para derrotá-la por meio da vacinação ressaltaram o papel de vários líderes e entidades como a Organização Mundial de Saúde, e a questão ambiental tem feito da ativista Greta Thunberg uma candidata constante nos últimos anos. Mas a escolha do comitê formado por parlamentares noruegueses, ao premiar os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, mostrou que, em meio a tantos problemas globais, não há como ignorar ou minimizar as ameaças às liberdades de expressão e de imprensa.
Ressa é filipina e cofundadora do Rappler, site de jornalismo investigativo que vem se destacando na denúncia de abusos e corrupção dentro do governo de Rodrigo Duterte, atraindo a ira do mandatário. Em 2018, o Rappler chegou a ter sua licença revogada pelo governo filipino e, no ano seguinte, Ressa foi presa sob a acusação de “difamação cibernética”; ela responde ao processo em liberdade após o pagamento de uma fiança, mas ainda pode ser condenada a até seis anos de prisão.
Ditaduras escancaradas e governos nominalmente democráticos, mas que na prática fazem o que bem entendem, não toleram veículos de imprensa e jornalistas que não lhes sejam subservientes
Muratov é cofundador e editor da Novaia Gazeta, um dos raros jornais russos que têm postura crítica em relação ao presidente Vladimir Putin. O regime, como se sabe, não tem pudores na repressão aos críticos; outro indicado ao Nobel da Paz, o dissidente Alexei Navalny, está preso e, no ano passado, foi envenenado, provavelmente pelo serviço secreto russo. A Novaia Gazeta já perdeu seis jornalistas assassinados, e um dos crimes acaba de completar 15 anos: a morte da repórter Anna Politkovskaia, que denunciou violações de direitos humanos durante a campanha militar russa na Chechênia – apesar de algumas pessoas terem sido condenadas pelo assassinato, o mandante permanece desconhecido.
“Eles [Ressa e Muratov] representam todos os jornalistas que defendem este ideal [da liberdade de expressão] em um mundo no qual a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam dificuldades crescentes”, afirmou o comitê responsável pelo Nobel da Paz em seu comunicado. “As liberdades de expressão e informação ajudam a garantir que o público esteja informado. Esses direitos são pré-requisitos fundamentais para a democracia e para a proteção contra guerras e conflitos”, acrescentam os parlamentares noruegueses responsáveis pelo prêmio. A avaliação resume a importância do trabalho jornalístico e da necessidade de esse trabalho ser realizado com plena liberdade.VEJA TAMBÉM:
- O apagão da liberdade de expressão no Brasil (editorial de 30 de agosto de 2021)
- TSE, confisco e censura (editorial de 17 de agosto de 2021)
- Lula e o controle sobre a imprensa (editorial de 25 de agosto de 2021)
Organizações de defesa da liberdade de imprensa repetidamente denunciam as arbitrariedades cometidas contra o jornalismo independente em regimes como os de Putin e Duterte. Ditaduras escancaradas e governos nominalmente democráticos, mas que na prática fazem o que bem entendem – normalmente em conluio com Legislativos e Judiciários aparelhados que dão um verniz de legalidade ao arbítrio –, não toleram veículos de imprensa e jornalistas que não lhes sejam subservientes. Mas a repressão não ocorre apenas nos níveis mais altos de governo. No Brasil, por exemplo, relatórios sobre a liberdade de imprensa mostram que o risco maior para jornalistas investigativos está longe dos grandes centros. Em cidades pequenas ou médias, reportagens que exponham os podres de lideranças políticas locais podem terminar em violência ou morte, embora esses crimes jamais tenham grande repercussão.
Além disso, o passado recente mostra que, ao menos no Brasil, uma nova ameaça vem se somando à violência contra jornalistas. Um apagão da liberdade de expressão no Brasil patrocinado por tribunais superiores e órgãos políticos, como a CPI da Covid, não poupa produtores de conteúdo, jornalistas e sites noticiosos, incluídos entre os alvos de medidas arbitrárias que incluem prisão, censura, bloqueio de perfis em mídias sociais – elas próprias bastante propensas a bloquear certos conteúdos – e desmonetização. Um tipo de intimidação não menos sutil, mas que ainda não encontra na sociedade o mesmo repúdio que o dirigido a coronéis dispostos a espancar e matar jornalistas “incômodos”. Em todos os casos, não apenas os jornalistas são vítimas; também a sociedade perde ao se ver privada de informação e ter o debate vetado. O Nobel da Paz concedido a Maria Ressa e Dmitry Muratov, afirma o comitê do prêmio, “pretende ressaltar a importância de proteger e defender esses direitos fundamentais”, em relação às liberdades de expressão e imprensa. Que todos compreendam essa mensagem e estejam dispostos a lutar por esses direitos.
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