O peso da perda: o impacto do aborto na saúde mental das mulheres

Não é possível fazer generalizações. Cada mulher vivencia e guarda a experiência do aborto de uma maneira única. Mas muitas podem experimentar sequelas psicológicas e emocionais. Simplesmente negados por alguns, especialmente pelos defensores da legalização indiscriminada do aborto, esses problemas continuam a ser um tema pouco mencionado nas discussões sobre o aborto. Entretanto, são uma realidade.

De acordo com a psicóloga Ana Cláudia Brandão, que trabalha com esse tipo de situação, há um conjunto bem definido de sintomas psicológicos que caracterizam as sequelas associadas ao período pós-aborto. Os mais frequentes são danos à autoestima da mulher, alteração de sono e do apetite, pesadelos, desequilíbrio familiar, perda de sentido da vida e até tentativas de suicídio, de acordo com a especialista.

“A verdade é que constatamos que a mulher é a segunda vítima do aborto. Elas sofrem os efeitos nocivos dessa prática tanto na sua saúde mental quanto no seu relacionamento com o meio”, ressalta a psicóloga.

Pesquisas científicas também relacionam o aborto a um maior risco de doenças mentais. Um artigo publicado no British Journal of Psychiatry em 2011, por exemplo, revisou 22 estudos sobre os efeitos do aborto na saúde mental feminina. A conclusão foi a de que o risco de doenças mentais é 81% maior em mulheres que fizeram um aborto. A revisão também destacou que mulheres que abortam têm 34% mais chance de sofrerem ansiedade, 37% mais de depressão, 110% de risco de se tornarem alcoólatras e 115% mais risco de tentarem suicídio.

Outros estudos também relacionam o aborto a problemas na saúde mental. Segundo esses trabalhos, mulheres que abortam têm 250% mais risco de serem hospitalizadas por questões psiquiátricas; 138% mais chance de desenvolver quadros depressivos e incidência de 60% mais casos de estresse pós-traumático ( TSPT).

Um estudo feito por pesquisadores do Imperial College London e publicado no ano passado no American Journal of Obstetrics & Gynecology também associou o aborto ao transtorno de estresse pós-traumático (TSPT). Bastante comum em pessoas que vivenciam uma situação extrema, como guerras, violências graves e acidentes, o TSPT se caracteriza pela dificuldade que a pessoa tem de recuperar e retomar a vida normal após determinado evento. Pode durar anos, tendo como sintomas mais comuns a ocorrência de pesadelos, lembranças (flashbacks), ansiedade, depressão e instabilidade de humor. Segundo o estudo, após um aborto, as mulheres apresentam altos níveis de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão. A angústia diminui com o tempo, mas pode continuar acompanhando a mulher por muito tempo. Após 9 meses do aborto, pelo menos 16% das mulheres pesquisadas mantinha sintomas de estresse pós-traumático, 17% de ansiedade e 5% de depressão.

No Brasil, um estudo feito pela pesquisadora da área de Saúde Mariana Gondim Mariutti para sua tese de doutorado mostrou que mais da metade das mulheres que passa por um aborto desenvolve algum grau de depressão e baixa autoestima. A pesquisadora entrevistou 120 mulheres que buscaram atendimento médico em um hospital público por abortamento. Do total de mulheres entrevistadas, 68 apresentaram sinais de depressão, e 119 com autoestima de nível médio ou baixo. Entre as entrevistadas, apenas 2% admitiu ter provocado o aborto. Entretanto, diz a pesquisadora, pelos menos 23% das mulheres deram relatos que indicaram terem feito o aborto provocado.

Culpa

Seja natural ou provocado, o aborto pode, sim, afetar diretamente a saúde mental das mulheres. Mas especialistas apontam haver diferenças entre as duas situações. Para a psicóloga Vivian Maria Felice Moreno, a diferença está no desejo ou não de ter um filho. Ela explica que a interrupção da gestação de forma espontânea causa a dor da perda e sua tristeza pelo luto, mas há a superação e o seguir em frente em paz – já que aconteceu de forma natural ou acidental. Já no caso do aborto provocado, pode ser mais difícil para a mulher encontrar a paz interior.

Para a psicóloga, quando descobrem uma gravidez não planejada, muitas mulheres entram em desespero, pensando que a única saída é fazer um aborto. “Isso não é verdade. É importante salientar que há possibilidades que irão favorecer a mulher e preservar também a criança”, salienta Vivian.

Para isso, ressalta a psicóloga, é importante buscar o apoio familiar e também ajuda profissional para evitar decisões precipitadas. Ela cita como exemplo a possibilidade de a mulher optar pela entrega da criança para a adoção após o nascimento. “É um gesto nobre e que dá a oportunidade de seu bebê ser adotado por uma família que tem o desejo de ter um filho”, destaca.

Uso político

Embora existam várias pesquisas com resultados semelhantes, mostrando que o aborto coloca a mulher em uma situação de alta vulnerabilidade emocional, e que pode desencadear sérios problemas psicológicos, não há consenso sobre o assunto. Entidades importantes como a American Psychological Association (APA), por exemplo, divulgou um relatório em 2008 em que defende que não há relação direta entre o aborto e saúde mental.

De acordo com o documento, embora seja notório que “algumas mulheres experimentam tristeza, luto e sentimentos de perda após a interrupção da gravidez, e algumas experiências clínicas demonstrem distúrbios significativos, incluindo depressão e ansiedade”, esses problemas seriam causados por outros fatores e não o aborto em si. O relatório ainda vai mais longe e diz que fazer um aborto tem o mesmo efeito na saúde da mulher do que levar uma gravidez indesejada adiante.

Os movimentos pró-aborto adotaram com prazer esse discurso. Nos países em que a prática não é legalizada, por exemplo, é dito que eventuais problemas emocionais e psicológicos nas mulheres que fazem abortos estaria no fato de o procedimento ser ilegal. Assim, argumentam, caso o acesso ao aborto fosse facilitado, esses problemas emocionais e psicológicos não existiriam. Para esses grupos, uma possível síndrome de pós-aborto seria apenas uma “invenção”.

Acolhimento

Os danos na saúde emocional causados pelo aborto podem durar anos e necessitam quase sempre de apoio profissional para serem sanados. Para a psicóloga Vivian Maria Felice Moreno, esse processo de cura precisa envolver pelo menos três instâncias: o acolhimento familiar, o auxílio de tratamento médico se houver algum dano físico e a psicoterapia. A cura existe, segundo ela, quando o ser humano acredita em sua possibilidade e está aberto a ela.

Grupos de voluntários também ajudam as mulheres que passaram por um aborto a encontrar a paz. Nascido no Chile em 1999, o Projeto Esperança atua hoje em 16 países das Américas, acompanhando e apoiando mulheres que sofrem com as sequelas emocionais de um aborto. A estimativa é de que pelo menos 5 mil mulheres já tenham sido auxiliadas pelos voluntários. No Brasil, o projeto está presente desde 2009.

“Esse projeto funciona como um antídoto no sentido que as mulheres que fizeram um aborto e sofrem com isso não precisam se automutilar nem tentar o suicídio. Elas encontram uma saída”, diz Zezé Luz, que sofreu com as consequências de um aborto feito na juventude, após ter sofrido violência sexual, e ajuda mulheres na mesma situação. Hoje, ela está à frente da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família e trabalha pela preservação das duas vidas – da mãe e da criança.

Zezé Luz explica que o objetivo é ajudar a mulher que sofre a aliviar sua dor, por meio de um processo de escuta e reconciliação. O processo é realizado com o auxílio de profissionais capacitados, de forma sigilosa. São feitas sessões semanais, que duram até duas horas. Em média, o programa dura quatro meses.

“São ferramentas para ajudar a mulher a reconhecer e lidar com o estresse relacionado ao aborto. Portanto, há sempre a esperança”, lembra a psicóloga Ana Cláudia Brandão.

No site do projeto é possível encontrar um rápido questionário – para que a própria mulher avalie seu estado mental -, além de materiais informativos e lista de contatos em diversos países. Também foi disponibilizado gratuitamente o download do livro “Senhor, onde está meu filho”, que reúne depoimentos de mulheres que sofreram com sequelas pós-aborto e conseguiram se reconciliar com si mesmas.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

Be the first to comment on "O peso da perda: o impacto do aborto na saúde mental das mulheres"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*