Pouco mais de um mês após a publicação da medida provisória (MP) 1.065/2021, que permite à iniciativa privada construir ferrovias pelo regime de autorização, o Senado deve votar nesta terça-feira (5) um projeto de lei (PLS 261/2018) que modifica as regras recém instituídas. Com isso, parte dos 14 novos empreendimentos ferroviários anunciados pelo governo federal nas últimas semanas pode acabar não saindo do papel.
Os projetos, estimados em cerca de R$ 80 bilhões em investimentos privados, contemplam mais de 5,3 mil quilômetros de novos trilhos. Os pedidos para execução das obras foram feitos a partir das regras criadas pela MP, que dispensam a necessidade de leilões de concessão e reversão de equipamentos à União.
No Senado, a publicação do novo marco legal por medida provisória foi mal recebida por “atropelar” o PLS 261, que também dispõe sobre a autorização para novas ferrovias e já tramitava desde 2018. De autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), o texto teve relatório apresentado por Jean Paul Prates (PT-RN) em 30 de agosto, mesmo dia da publicação da MP.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, atribuiu a decisão de antecipar as mudanças no marco das ferrovias à pandemia do novo coronavírus, que teria travado a tramitação da matéria, considerada urgente pelo governo.
Agora, os senadores querem votar o projeto de lei, que, embora tenha a mesma finalidade, contém diferenças em relação à MP, o que pode encarecer ou até mesmo inviabilizar os projetos já apresentados. Uma autoridade que participa ativamente das negociações disse ao jornal “Valor Econômico” que algumas empresas já indicaram que devem desistir dos planos de construção de ferrovias caso prevaleça a redação do PLS 261.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), apresentou nove emendas com o objetivo de aproximar o PLS 261 da MP 1.065. Dessas, seis foram aceitas pelo relator, que teria dito nos bastidores que não fará mais ajustes. A base governista planeja agora apresentar destaques na votação, de modo a remover trechos que alteraram a versão original do projeto e incluir outras que ficaram de fora, segundo apurou o “Valor”.
Entre as principais divergências estaria a criação de um mecanismo chamado de “concurso aberto”, incluído por Prates a partir de emendas dos senadores Kátia Abreu (PP-TO) e Wellington Fagundes (PL-MT). O dispositivo garante que parte da capacidade das ferrovias seja reservado para outras operadoras ferroviárias, além de operadores independentes, a partir de um procedimento de chamada de manifestação de interesse.
Com isso, ferrovias planejadas para o transporte de determinado tipo de produto poderiam ter de ceder espaço para outras cargas e, com isso, demandando a construção de estruturas diversas de carregamento e descarregamento, elevando os custos e alterando o foco dos projetos.
Ainda de acordo com o “Valor”, o mecanismo atenderia a pedidos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mas teria resistência da Associação Nacional dos Transportes Ferroviários (ANTF).
Outro item controverso seria a necessidade de apresentação de “condições de financiamento” por parte do requerente de uma autorização ferroviária, uma vez que termos do financiamento em geral são confidenciais e muitas vezes negociados após a aprovação do projeto.
Marco das ferrovias que tramita no Congresso desde 2018 já teve seis relatórios
A votação do PLS 261 estava prevista para a última quarta-feira (29), mas acabou adiada a pedido de Kátia Abreu, que solicitou mais tempo para analisar a última versão do relatório de Prates, que tem mais de 60 páginas. Desde 2018, quando iniciou a tramitação na Comissão de Infraestrutura, o projeto já teve seis pareceres.
Além de prever a execução do transporte ferroviário por concessão ou autorização, o texto abre a possibilidade de o poder público instituir contribuição de melhoria decorrente da implantação da ferrovia. A receita, arrecadada junto a moradores de imóveis lindeiros, comporia fontes de financiamento do empreendimento, de forma a reduzir custos de implantação e os preços que virão a ser cobrados dos usuários.
Publicada em 30 de agosto, a MP 1.065 tem vigência inicial até o fim de outubro, podendo ser convertida em lei em votações nas duas Casas do Congresso Nacional. Mas o governo federal fez acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para que o PLS 261 seja aprovado e substitua a MP.
Marco das ferrovias instituído por MP tem modelo semelhante ao dos Estados Unidos
O modelo de autorização para construção de ferrovias é semelhante ao que existe nos Estados Unidos e que já era adotado no Brasil em setores como de telecomunicações, energia elétrica, portuário e aeroportuário. A estimativa do Ministério da Infraestrutura é de que o novo mecanismo eleve a participação do modal ferroviário na matriz nacional de transportes dos atuais 20% para 40% até 2035.
Entre os projetos já apresentados estão 933 quilômetros de trilhos da Ferroeste, ligando municípios do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, e o chamado ramal Suape da Transnordestina, que ligará Suape (PE) e Curral Novo (PI), com 717 quilômetros de extensão. Há pedidos para construção de trechos ainda no Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo.
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