O combustível caro e as respostas simplistas

Bomba de combustivel em posto da Petrobras - frentista - alcool - gasolina

A transformação do plenário da Câmara dos Deputados em comissão geral para ouvir o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, em pouco ajudou a esclarecer os verdadeiros motivos dos preços altos dos combustíveis praticados no Brasil. Vários dos participantes dedicaram-se à tarefa de culpar os outros: enquanto o próprio Silva e Luna afirmou que o problema estava nos impostos estaduais, deputados de oposição culpavam única e exclusivamente a Petrobras e o governo federal. A realidade, no entanto, é muito mais complexa, cheia de nuances e, infelizmente, não oferece perspectivas muito otimistas para que os combustíveis fiquem mais baratos no curto prazo.

Que a tributação corresponde a parte significativa do preço final dos combustíveis é inegável. O ICMS, estadual, além de PIS, Cofins e Cide, que são federais, correspondem a algo entre um quarto (no caso do diesel) e quase metade (no caso da gasolina) do valor pago na bomba – um efeito perverso de um sistema tributário que onera demais a produção e o consumo. Também não há questionamento sobre o fato de o ICMS ter peso bem maior que os tributos federais na composição do preço final do combustível. E, como os impostos federais têm valor fixo para cada metro cúbico, enquanto o ICMS é cobrado como porcentagem do preço do combustível, quando o produto fica mais caro na bomba o valor em reais da Cide e do PIS/Cofins permanece o mesmo, enquanto o do ICMS sobe, mesmo que os governos não mexam nas alíquotas – e, de fato, elas têm se mantido estáveis no passado recente. Isso reforça a impressão (equivocada) de que os estados estariam “aumentando os impostos” sobre os combustíveis, transformando governadores em vidraças óbvias. Daí a pressão para que os estados reduzam a tributação para deixar os combustíveis mais baratos.

Os dois fatores realmente decisivos para os aumentos recentes dos combustíveis são o preço do petróleo no mercado internacional – controlado pelo cartel da Opep, ou seja, sem influência alguma do Brasil – e o real desvalorizado

No entanto, essa disputa leva a um beco sem saída. A arrecadação de PIS, Cofins e Cide sobre combustíveis representa menos de 2% da arrecadação total da União; já o ICMS dos combustíveis pode chegar a 15% a 20% da arrecadação dos estados. Em outras palavras, se o desafio lançado pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de 2020 – zerar os tributos federais se os governos estaduais zerassem o ICMS – fosse colocado em prática, os estados teriam de abrir mão de uma parcela muito maior de suas receitas em comparação com a União; além disso, a dimensão dessa renúncia fiscal súbita levaria todos os entes a correr risco de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal no processo.

Mas, se é injusto culpar os estados pela disparada no preço dos combustíveis, ainda mais ilógico é afirmar, como fez o deputado petista gaúcho Bohn Gass, que “a responsabilidade pelos sucessivos aumentos é culpa única e exclusiva da Petrobras e do governo federal”. Isso porque os dois fatores realmente decisivos para os aumentos recentes são o preço do petróleo no mercado internacional – controlado pelo cartel da Opep, ou seja, sem influência alguma do Brasil – e o real desvalorizado. E o barril vem registrando altas constantes desde que vários países aumentaram a demanda como resultado da recuperação econômica pós-pandemia. Se a Petrobras vem praticando uma política de preços baseada na correspondência com o mercado externo, é justamente para tentar compensar o estrago causado pelos anos de irresponsabilidade petista, quando a estatal represou seus preços de forma populista, sob orientação de Dilma Rousseff, e arcou com todos os prejuízos desta operação. Como resultado, tornou-se a empresa mais endividada do mundo em 2013, segundo o Bank of America Merrill Lynch, e só deixou o posto depois de adotar uma política mais realista de preços.VEJA TAMBÉM:

No curto prazo, portanto, já que uma queda no preço do petróleo parece muito improvável, apenas uma valorização do real poderia trazer algum alívio no preço dos combustíveis. Este é o único ponto em que o poder público poderá colaborar se garantir maior estabilidade institucional, retomar o ajuste fiscal e promover políticas de atração de capital e investimento estrangeiro, aproveitando a atual onda de liquidez dos mercados desenvolvidos. Já no médio e no longo prazos, é preciso apostar tanto em uma reforma tributária que retire o peso dos impostos sobre produção e consumo – o que a proposta atual, infelizmente, não faz – e continuar abrindo o mercado de petróleo, pois o monopólio da Petrobras pode ter caído na lei, mas continua na prática. Sem incentivo à concorrência em todas as etapas, da exploração à distribuição; sem coragem de realizar as reformas estruturais; e sem as medidas que aumentem a confiança do investidor e fortaleçam a economia, o combustível mais barato continuará a ser um desejo difícil de concretizar.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

Be the first to comment on "O combustível caro e as respostas simplistas"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*