O recuo do presidente Jair Bolsonaro em relação aos atritos com o Judiciário e a baixa adesão de manifestantes aos atos contra o governo do último domingo (12) esfriaram as movimentações por um processo de impeachment, segundo líderes partidários. Apesar disso, a oposição pretende manter a mobilização para tentar forçar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a abrir um dos mais de 100 pedidos de afastamento contra Bolsonaro protocolados na Casa.
Levantamento feito pela BMJ Associados aponta que hoje a oposição teria cerca de 147 votos dos 342 necessários para abertura de um processo de impeachment na Câmara. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), diz que Lira “sempre faz a conta que, objetivamente hoje, não existem 342 votos para a abertura de um processo de impeachment”.
“Nada poderia ser pior, na minha opinião, do que ler um processo de impeachment e perder na votação no plenário. Aí sim, teríamos um fortalecimento do projeto autoritário do Bolsonaro”, afirmou Ramos, que participou dos atos contra o presidente da República no último domingo.
Na próxima quinta-feira (15), representantes do PT, PDT, PSB, PCdoB, Rede, PV, Solidariedade e Cidadania irão se reunir para avaliar a realização de novas manifestações e discutir a viabilidade de um processo de impedimento contra Bolsonaro. Além da oposição, representantes do Novo, PSDB, PSD e MDB também devem participar.
Na avaliação de líderes do Congresso, além da falta de adesão da população aos atos do último fim de semana, o número insuficiente de votos dentro da Câmara é o principal impeditivo para se abrir um processo de impeachment. Ao todo, esses partidos de oposição e centro-direita contam com 249 deputados. No entanto, em legendas como PSDB e MDB existem parlamentares favoráveis a Bolsonaro. Ou seja, que eventualmente votariam contra a abertura de um processo contra o presidente.
Para Lucas Fernandes, consultor político da BMJ Associados, a oposição poderia chegar a 210 votos pelo impeachment caso consiga atrair alguns parlamentares do Centrão, como do PSD, por exemplo, onde o presidente do partido, Gilberto Kassab, já cogita fechar questão. Nesse caso, o principal desafio seria conseguir atrair votos dos cerca de 140 deputados considerados independentes. Esses parlamentares costumam votar com o governo de acordo com a sua conveniência.
“Se a gente pegar os da esquerda, eles são praticamente carta marcada e vão conseguir unanimidade. Mas se pega o MDB, tem o Fernando Bezerra Coelho no Senado; o Osmar Terra na Câmara. Partido que não vai fechar posicionamento, a menos que as lideranças se desfaçam de parlamentares, o que também não é muito o modus operandi do MDB”, explica Lucas Fernandes.
Ex-aliado de Bolsonaro e ex-deputado federal, Alberto Fraga avalia que o impeachment só avança se houver um rompimento do Centrão com o Palácio do Planalto. “Acredito em impeachment se, porventura, houver algum tipo de esgarçamento na relação entre o Centrão e ele. Se o Centrão pular do barco, a situação se complica. Já tem nove partidos falando em impeachment. O presidente deveria ter usado o poder de mobilização para dizer coisas boas para o país, ele perdeu uma grande oportunidade”, disse Fraga ao jornal O Estado de São Paulo.
Próximos atos irão mensurar poder de mobilização pró-impeachment
Líderes da oposição admitem internamente que o apoio dos partidos de centro-direita será essencial para mobilizar seus parlamentares na busca pela ampliação das manifestações e da pressão pelo impeachment. Apesar disso, integrantes dos partidos de esquerda também afirmam que o “governismo” ainda é maioria entre os parlamentares do Centrão, principalmente por conta do PP, principal partido do bloco partidário.
“Não me lembro na história do Brasil, independentemente de ser um governo de centro, direita ou esquerda, de um governo com 100% do recurso no balcão da política como está esse governo. Não acredito que os deputados que estão se beneficiando com isso vão querer tirar o presidente. Eles nunca manipularam tanto dinheiro, isso não existe um deputado manipular no ano R$ 100 milhões, R$ 200 milhões”, analisou o governador da Bahia, Rui Costa (PT), em entrevista coletiva nesta segunda-feira (13).
Vice-líder do PSD na Câmara, o deputado Fábio Trad (MS) negou que o baixo número de manifestantes no último domingo irá diminuir a mobilização dos defensores do impeachment no Congresso. “Não creio que interfira na questão política do impeachment, até porque ontem [domingo] foi apenas uma parte dos que defendem o impeachment. Existem outras alas, setores e segmentos no mesmo sentido”, afirmou o deputado.
A expectativa dos líderes partidários é de que as próximas manifestações ocorram sem a conotação eleitoral das do último domingo, onde diversos pré-candidatos estiveram presentes e discursaram em torno de seus projetos eleitorais. “De um lado houve pessoas querendo o impeachment do presidente e, do outro, já pensando em candidaturas a presidente da República, e isso não é bom”, disse o senador e presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM) ao portal UOL. Os próximos atos contra o governo devem ocorrer nos dias 2 de outubro e 15 de novembro.
Durante sua participação nas manifestações da Avenida Paulista, em São Paulo, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que somente com a “pressão” das ruas, o Congresso irá abrir um processo de impeachment. “Estamos diante de um presidente que não é só incompetente, mas que faz conchavo com o que há de pior na política brasileira, com o Centrão e sua política corrupta que troca apoio por cargos e ministérios. Eu invoco a democracia. Vem para a rua porque o Congresso Nacional é movido à vontade do povo”, disse a senadora.
Presidenciáveis devem ficar de fora das manifestações
Como forma de tirar a conotação eleitoral das manifestações, o entorno do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), já admite que irá reavaliar a participação do tucano nos próximos atos. Na mesma linha, parte do PT avalia que o ex-presidente Lula também deverá se manter distante das manifestações para que a mobilização entre os partidos seja construída.
De acordo com a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), os partidos irão construir uma “pauta de convergências” para que não haja ataques mútuos a diferentes lideranças políticas. “O foco é tirar o Bolsonaro”, afirmou.
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