A retração de 0,1% na economia brasileira no segundo trimestre deste ano, na comparação com os primeiros três meses de 2021, veio como uma surpresa desagradável, na contramão das expectativas do governo e do mercado financeiro, que em média previam um ligeiro crescimento. O Ministério da Economia preferiu investir em comparativos mais favoráveis – 12,4% de alta em relação ao segundo trimestre de 2020, ou 6,4% de alta no consolidado do primeiro semestre deste ano contra o mesmo período do ano passado – para alegar que o Brasil ainda está melhor que outros países emergentes e da OCDE. No entanto, não há como ignorar que o -0,1% deste segundo trimestre coloca o Brasil na lanterna das nações que já divulgaram seus números. Estamos diante de um sinal de alerta que ninguém pode ignorar e que impõe uma pergunta sobre como os principais atores políticos e econômicos da nação estão calibrando suas prioridades.
Por mais que fatores extraordinários como problemas na safra de café e falta de insumos para a indústria tenham influenciado o número deste segundo trimestre, há gargalos de crescimento com efeitos mais duradouros sobre a economia. Um deles é a persistência da pandemia de Covid-19, apesar de o relaxamento de restrições ter contribuído para uma melhoria no setor de serviços. As médias diárias e semanais de mortes e novos casos estão em queda, mas menos de um terço dos brasileiros – 29%, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford – estão completamente imunizados, tendo recebido duas doses da vacina (ou a dose única da Janssen), e cada vez mais estudos comprovam que apenas o ciclo completo de vacinação está oferecendo proteção eficaz contra a nova variante delta do Sars-CoV-2.
Chega a ser surreal que o combate ao trio formado por estagnação, desemprego e inflação não esteja dia e noite na mente dos ocupantes dos três poderes, mais preocupados com outros assuntos
O segundo gargalo é a crise energética derivada da crise hídrica. A energia já está mais cara, e uma nova bandeira tarifária foi criada, com sobretaxa quase 50% maior que a da bandeira vermelha 2, a mais cara até então e que já estava em vigor. A hipótese de um racionamento de energia foi rejeitada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, mas admitida pelo vice-presidente Hamilton Mourão. O apagão seria um golpe fatal sobre as perspectivas de crescimento acima de 5% em 2021, e as estimativas de agentes do mercado financeiro ouvidos semanalmente pelo Banco Central, embora ainda permaneçam acima deste patamar, tiveram a terceira revisão consecutiva para baixo.
Crescimento ameaçado, um contingente de desempregados que insiste em ficar acima dos 14 milhões de brasileiros e uma inflação já muito acima da meta para 2021 são um quadro extremamente preocupante. E, por isso, chega a ser surreal que o combate a esse trio – estagnação, desemprego e inflação – não esteja na mente dos ocupantes dos três poderes dia e noite. Executivo e Judiciário seguem tensionando a corda, com o Supremo Tribunal Federal abraçando com gosto a autoatribuída função de censor – ou “editor da sociedade”, nas infelizes palavras de Dias Toffoli – e o presidente Jair Bolsonaro insistindo em temas como o voto impresso e apostando em insinuações que mantêm a militância em ebulição. O Legislativo parece, ultimamente, mais interessado em funcionar como apêndice censor do STF, por meio da CPI da Covid, e em aprovar apressadamente mudanças eleitorais casuístas em benefício próprio, enquanto reformas essenciais patinam em tentativas utópicas de costurar textos que não desagradem a ninguém – só depois de muitas idas e vindas a segunda fatia da reforma tributária passou pela Câmara, enquanto a primeira está parada. Sem falar na incapacidade de governo e Congresso de promover um ajuste fiscal digno do nome, preferindo encontrar meios de aumentar o gasto público.VEJA TAMBÉM:
- Inflação, “tempestade perfeita” e risco fiscal (editorial de 20 de agosto de 2021)
- A energia elétrica pressiona a inflação (editorial de 10 de agosto de 2021)
- A pandemia e o desemprego (editorial de 30 de julho de 2021)
Já afirmamos, em outras ocasiões, que o poder público pode e deve se ocupar de vários assuntos simultaneamente; não é este o problema, mas o grau de prioridade dado a cada tema. Conter os efeitos da crise hídrica e energética, facilitar a geração de emprego e renda, colocar em ordem as contas públicas, vencer a pandemia são tarefas urgentes; se Executivo, Legislativo e Judiciário continuarem a olhar em outras direções, em breve estarão se digladiando pelos escombros de um país destruído não pelo coronavírus ou por outros fatores externos, mas pela própria incapacidade de quem tem o dever de trabalhar pela nação.
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