Sabedoria política

Um dos maiores desafios na vida política de um cidadão ou de um povo é ter de decidir, diante de uma intrincada e fatal encruzilhada, entre caminhos opostos e irreversíveis – sobretudo quando nenhuma das alternativas presentes inspira segurança de rota e garantia de destino.

Na dúvida, vale a pena orientar-se pela sapiente sinalização do célebre poeta português José Régio, esculpida nos versos conselheiros de um de seus mais belos e instigantes poemas, intitulado Cântico Negro:

“Vem por aqui – dizem-me alguns com olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: “vem por aqui!”.

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali…

[…]

Não sei por onde vou,

Não sei por onde vou

– Sei que não vou por aí!”

Oportuno e sagaz “guia de direção”, a métrica do poeta se oferece de grande utilidade perante o pantanoso e caótico quadro político brasileiro, à medida que seus versos soltos e rimas cruzadas se apresentam heuristicamente pedagógicos na sutil (e tempestiva) “denúncia” dos traiçoeiros aliciamentos presentes nos corriqueiros e insidiosos discursos de aparência, induzindo, na contramão das expectativas dos ordinários perversores, uma atitude de negação e de resistência a toda sorte de aleivosa sedução.

Em sua inteireza, o conjunto de estrofes soa como um sugestivo e insubordinado “roteiro”, com recomendações ao peregrino mais sensível e atento quanto ao único atalho a palmilhar ante os apelos mais astutos e traiçoeiros das cavilosas retóricas, em suas habitualmente ocultas e sórdidas pretensões.

Sob inspiração do poeta – e seguindo o seu script –, bastaria verificar para onde seguem as convencionais correntes das “verdades plantadas” e o fluxo maquinal das narrativas forjadas, em suas pérfidas transladações midiáticas, para se saber qual o menos arriscado (ou menos pior) itinerário a percorrer, em meio às “ondas” e “maresias” de ocasião, com o movimento sempre inverso ao do vulgar (e manjado) proselitismo – navegando-se, sem cessar, contra-corrente.

Segue-se que, dependendo do contexto e das possibilidades dispostas em cena (circunstâncias não se escolhe!), pouco importa, num primeiro momento, em meio ao universo sinuoso e labiríntico da política, saber o “caminho ideal” – talvez uma eterna ilusão. O que vale é recusar, terminantemente, a trilha indicada por aqueles que, hipocritamente, esbanjam retórica enfeitada e ilusória “doçura” no olhar – diante de quem, seguindo o conselho “régio”,

“[…} cruzo os braços,

E nunca vou por ali…”

E se assim deve ser, como, então, ao estilo das pegadas “regianas”, seguir a mesma trajetória para onde se deslocam, em passos sincronizados e uníssonos, um Lula, um Dória, um Dirceu, um Rodrigo Maia, um Alcolumbre, um Renan Calheiros, um Randolfe Rodrigues, um Omar Aziz, um Gilmar Mendes, um Alexandre de Moraes, um Dias Toffoli, um L. R. Barroso, um Ricardo Lewandowski et caterva – com suas respectivas biografias “impolutas” e “insuspeitas” motivações?

Bastaria este único dado e sugestivo sinal, apenas este e nenhum outro mais, para se concluir, à luz do verso do poeta:

“[…] – Sei que não vou por aí!”

Não há, portanto, diante da atual e nebulosa encruzilhada, o que pestanejar! De olhos fechados, ainda que plangentes e lassos (no dizer do poeta), não resta outra escolha a fazer que, justo, a do caminho oposto ao dos que insistem em dizer, dissimulando suas iníquas intenções: “vem por aqui!” – mesmo que a peripécia possa parecer “tosca” ou “insana”.

Pois não há nada mais ameaçador e ilusório que a cretinice ancorada em “retórica conciliadora”, artificialmente moldada na forma do “politicamente correto”, com seus pérfidos protagonistas ludibriando – ou mesmo crendo (o que é pior!) –, do alto de seu cinismo e desfaçatez, encarnar (ao feitio dos falsos profetas) os “salvadores da pátria”, os “verdadeiros democratas” – ou os “homens mais honestos do país”.

Toda vez que esses seres arrogantes e inconfiáveis, maquiados de “iluministas”, pretensamente avultam sequiosas promessas e se mostram seguros de ser ouvidos – e seguidos – em seu aparente (e traiçoeiro) “bom senso”, como se “curadores” fossem da sociedade – desdenhando, em seu egotismo doentio, do discernimento alheio –,

“[…] Eu olho-os com olhos lassos,

(…)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali…”

Não há, afinal (a despeito dos que pensam em contrário), outro melhor direcionamento a preferir.

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

Confira a matéria no Jornal da Cidade

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