Como a pandemia acelerou as entregas do e-commerce e pôs os pequenos no jogo

A chegada da Covid-19 ao Brasil significou crescimento acelerado na digitalização de negócios e na adesão do consumidor ao e-commerce, com 13 milhões de novos compradores e faturamento 41% maior em 2020, segundo dados de estudo da Ebit/Nielsen. A reboque, as mudanças puxaram também avanços de logística. Prazo e preço do frete cresceram em relevância no processo de tomada de decisão do consumidor e se tornaram diferenciais na competitividade das vendas online.

Grandes varejistas já apostam em entregas super-rápidas. Encomendas recebidas no mesmo dia da compra são realidade em grandes centros, mas ainda são um desafio para o segmento na busca por meios de estender esse tipo de serviço a localidades mais distantes, em janelas temporais cada vez mais curtas.

“A verdade é que o desempenho é muito heterogêneo”, avalia o professor Leonardo Marques, especialista em Operações, Tecnologia e Logística e integrante do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ).

Segundo ele, só “empresas que já tinham uma preparação prévia, já vinham entendendo o e-commerce como estratégia, conseguiram surfar essa onda”. Do outro lado estão empreendedores ou negócios que precisaram correr para se plugar a uma plataforma e perderam capacidade de gerar margem por causa dos custos e da falta de planejamento.

No cenário iniciado em 2020, companhias capazes de aplicar rapidamente soluções multicanais foram favorecidas. Apesar de terem ficado esvaziadas (ou fechadas) nos momentos em que medidas de isolamento mais severas foram adotadas no combate à propagação do coronavírus, as lojas físicas ganharam papel importante na redução dos prazos de entrega das compras realizadas via internet. Tornaram-se pontos de distribuição, garantindo que os produtos pudessem ser despachados a partir de locais mais próximos do destino final.

“É a lógica da omnicanalidade, que é você mesclar o e-commerce, o online, com o físico. Só quem tem uma rede de lojas pulverizada ou alguma parceria consegue entregar com velocidade (no mesmo dia ou em 24h, 48h) porque você vai ter que ter um centro maior que pulveriza isso para centros menores, que por sua vez fazem a entrega no cliente ou a opção de retirada”, resume o especialista.

Essa pulverização de centros de distribuição vem sendo aplicada com sucesso pelo e-commerce para fazer com que as compras cheguem mais rápido às mãos do consumidor, de olho na satisfação com a experiência do chamado pós-venda e aumentando as chances de novas compras (a recorrência). Gigantes como o Magazine Luiza preveem investimento firme em logística e maior emprego da rede física como aposta para acelerar pedidos originários do ambiente virtual, mas negócios menores também lançam mão da ferramenta.VEJA TAMBÉM:

A vez do pequeno no e-commerce

Para marcas pequenas que ingressaram no e-commerce, a competitividade tem sido otimizada, por exemplo, por soluções oferecidas por startups que promovem parcerias com transportadoras e com o comércio local. O pulo do gato está em capilarizar alcance para baixar os preços e acelerar a chegada das encomendas, de acordo com o CEO da Kangu, Marcelo Guarnieri.

“Acredito que a grande mudança foi de tecnologia, fundamental para o pequeno vendedor conseguir entrar no jogo. [Ela] possibilitou que a gente criasse uma malha que é essencial para esse pequeno vendedor”. Guarnieri lembra que até anos recentes era comum a polarização das vendas online apenas em grandes empresas, o que mudou a partir da popularização do acesso a plataformas específicas e os marketplaces. Com os produtos disponíveis na vitrine da internet faltava aos pequenos, entretanto, conseguir um custo logístico competitivo.

“Eles perdiam quando a gente falava em preço de frete, que custava duas, três vezes mais caro do que quando alguém comprava numa grande varejista”, pondera. Na prática, o modelo da Kangu transforma qualquer negócio em um minicentro logístico de uma microrregião. “Ele passa a receber pacotes, o vendedor pode fazer a postagem ali mesmo e nós o conectamos a uma malha de transportadoras (hoje são nove) para distribuir os produtos no Brasil inteiro com custo extremamente competitivo”, completa.

No ano passado a Kangu fazia circular cerca de 200 mil entregas por mês; hoje são 8 milhões de itens vendidos por 40 mil pequenos e-commerces. Na avaliação de Guarnieri, o crescimento no volume de encomendas movimentadas pela empresa foi reflexo do surgimento de mais interessados nas duas pontas: vendedores e compradores.

Novos compradores e menos fronteiras

Além de funcionarem como minicentros de distribuição, lojas e outros pontos de estoque servem também como alternativa para um gargalo de logística provocado pela violência urbana: a falta de cobertura de serviços tradicionais de entrega de encomendas em áreas mapeadas como de risco. A partir da disponibilidade de locais que se tornam centros de relacionamento com o cliente, este passa a ter a opção de fazer a retirada de produtos que, de outro modo, não poderia adquirir sem o despacho direto.

Segundo o professor da Coppead/UFRJ, Leonardo Marques, empresas que querem trabalhar com as classe C, D e E, por exemplo, terão de apostar nas soluções de omnichannel para chegar onde a logística não chega, o que inclui convencer o consumidor a ir até a loja mais próxima para retirar o seu produto. “Certamente existe a necessidade de uma empresa que quer se lastrear no e-commerce e, ao mesmo tempo, atuar numa classe abaixo da A e B considerar soluções que integrem canais, ganhando maturidade”, resume.

Em linha com essa avaliação, pesquisa feita pela Kangu com seus usuários aponta que 80% das pessoas que compram para retirar são novos compradores, que aderiram ao e-commerce após o acesso à solução.

“Aí tem o público que ainda não tinha confiança no e-commerce ou que não tinha como receber produto e que começa a testar. Muita gente não tem porteiro, temos mais consumo em áreas de risco, isso também traz bastante complexidade logística”, avalia o CEO da startup.

Com base nessa análise, Guarnieri acredita que “esse crescimento veio de uma forma bem híbrida, de uma série de soluções combinadas, não tem uma solução única, uma empresa única, passa por uma combinação de vários modelos. Cada dia mais essas empresas de e-commerce, pequenos vendedores, terão acesso a um portfólio maior de soluções de logística que vai conseguir escalar melhor isso no Brasil.”VEJA TAMBÉM:

Parcerias para ganhar terreno

A exemplo do que acontece nos marketplaces oferecidos por grandes do varejo, o vice-presidente de vendas da Loggi, Ariel Herszenhorn, que acredita ainda há bastante espaço para avanços no e-commerce brasileiro em um mercado no qual as grandes marcas atuam como parceiras e complementam o ecossistema, com a oferta de produtos de empresas de menor porte. “Neste processo, o consumidor tem uma oferta mais ampla de vendedores em todo o Brasil”, diz.

Especializada em logística, a companhia encerrou 2020 com atividade operacional 360% maior que em 2019, salto significativo suportado pela capacidade construída com inauguração de novas agências, cross-dockings em diferentes regiões e R$ 150 milhões investidos em automação e tecnologia. Apesar do crescimento, Herszenhorn acredita que o mercado brasileiro ainda é pouco explorado. “Se comparado ao exterior, somos bem tímidos, seja por estruturas rodoviárias, disponibilidade de acesso pelo celular, custo, burocracias internas”, elenca.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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