Volte dois anos para o passado. Estamos em 2019, com Bolsonaro recém-eleito e, reina um clima de otimismo curioso, com o primeiro governo federal não-petista eleito no século. A Globo havia feito uma tocante reportagem especial sobre os Bolsonaro desde a Itália e celebra a eleição do primeiro descendente desse significativo contingente populacional brasileiro. Nos Estados Unidos, Donald Trump governa; na Argentina, Macri. A Europa é aquela confusão de sempre, Merkel à frente do continente, crise de refugiados, franceses queimando carros etc.
Agora faça mais um exercício de memória e lembre-se do que consta na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Ela vinha sendo vilipendiada no século XXI sobretudo no que concerne a raça, com os conceitos de “affirmative action” e “positive discrimination” (ação afirmativa, nos Estados Unidos, e discriminação positiva, a Inglaterra) reciclando as divisões raciais do século XX. Invertem-se os privilégios, mas o aparato jurídico discriminatório mantém-se intacto. Esse câncer saiu do mundo anglófono e foi transposto para o Brasil junto com a tentativa de criar aqui uma legislação racial. Na América espanhola, o nativismo indígena ocupa lugar análogo nas tensões raciais.
Mas esse assunto já foi bem mapeado, e quem tiver maiores interesses pode ler “Uma gota de sangue”, de Demetrio Magnoli. Ele remonta a difusão global desse racismo reciclado à Conferência de Durban, promovida em 2001 pela ONU, e coloca como seu financiador-mor a Fundação Ford.
Assim, se você voltasse para 2019 e dissesse que em 2021 os direitos humanos serão desrespeitados dentro das democracias ricas do Ocidente, esta não seria uma novidade, já que o racismo havia sido revitalizado.
E se você contasse que não, não era isso — seriam desrespeitos ainda mais escandalosos?
Liberdade de expressão em declínio
Uma das grandes vítimas desta pandemia foi a liberdade de expressão. Praticamente desde a sua existência enquanto país, os Estados Unidos têm o direito à liberdade de expressão. Data de 1791 a famosa Primeira Emenda, que permaneceu inalterada no pós-guerra. Nesse período, a Europa resolveu seguir o seu tradicional caminho de proibir a ventilação de algumas ideias, tais como a negação do Holocausto (negacionismo). A República de Weimar tinha limitações à liberdade de expressão, inclusive contra o antissemitismo, e virou o que virou. Já os Estados Unidos, ao contrário de todo grande país europeu, nunca se transformaram numa ditadura. E lá se pode pregar neonazismo à vontade.
Podemos dizer então que os EUA são a capital da liberdade de expressão. Quando as redes sociais passaram a censurar muito os seus usuários, ainda no governo Trump, inaugurou-se nos EUA a discussão de se empresas como Facebook e Twitter são como editoras, que têm direito a censurar, ou se são como vendedores de um produto, que não têm o direito de discriminar seus clientes.
Um editor escolhe o que vai publicar, e ninguém pode dizer que seus direitos foram desrespeitados porque a Companhia das Letras não quis publicar o seu livro. Mas um supermercado não tem, por exemplo, o direito de escrever “white only” na porta; e uma operadora de telefonia não tem o direito de cortar conversas quando não gosta do que está sendo dito.
Bastou um político apagado se tornar presidente com uma eleição esquisita, com inédito uso massivo do correio por causa de uma pandemia provavelmente originada em laboratório, para essa discussão sumir. Antes disso, Trump foi banido de todas as grandes redes sociais e migrou para uma nova rede pró liberdade de expressão chamada Parler, convocando seus apoiadores. Então a Big Techs se uniram para tirar o aplicativo de suas lojas de aplicativo e para expulsá-la de seus servidores. As corporações se uniram para acabar com uma concorrente que respeitava as leis da grande democracia mais antiga do mundo.
Agora, o estado de coisas nos Estados Unidos é a Casa Branca falando abertamente em usar as redes sociais para censurar cidadãos em nome do combate à desinformação sobre as vacinas do coronavírus. Segundo a porta-voz Jen Psaki (agora os norte-americanos estão se acostumando a ouvir burocráticos porta-vozes falarem no lugar do seu presidente senil), quando uma rede social bane um usuário, todas as outras deveriam bani-lo também.
Não acho aqui que estejamos lidando com o governo mandando em empresas privadas, que é o temor típico de países que sofreram com o intervencionismo, como o nosso. O que estamos vendo no Ocidente são Estados serem sequestrados por oligopólios. Enquanto isso, no Oriente, um grande Estado nacional domina as suas empresas e envia-as para fazer negócios com o Ocidente.
Declínio da liberdade de expressão no Brasil
O STF tem em sua composição, posando de herói democrático, o advogado de Cesare Battisti, um terrorista comunista que se opunha à democracia na Itália e por isso explodiu cidadãos comuns. O STF tem em sua composição um ministro que atropela a autonomia do estado do Rio de Janeiro para deixar o Comando Vermelho agir ao seu bel prazer. Que nossa suprema corte não é nenhuma maravilha, não é novidade.
Que ela tenha usurpado as funções do MP para abrir um inquérito, e ainda se colocado na posição de expedir ordens de prisão por causa de um crime do qual ela própria é vítima e se julga vítima, é uma baita novidade. E uma novidade que ganhou fôlego com a dita CPI das Fake News e com a campanha do TSE contra as mesmas. Aliás, o inquérito do STF também gira em torno das fake news, que não são crime.
O último passo da tríade STF-CPI-TSE foi a censura ao canal do Youtube de uma dona de casa que fala sobre política. Ela fez sucesso e ganha dinheiro com a monetização do canal. O TSE mandou que o Youtube pare de lhe pagar, sendo que sequer explica qual foi a “fake news” divulgada por ela. Trata-se de Bárbara, dona do canal Te Atualizei. Você pode vê-la conversando sobre isso com Cristina Graeml no canal desta Gazeta. A novidade aqui é a tentativa de imitar o modus operandi da censura norte-americana: parceria entre governo e Big Techs.
Antes, tivéramos uma provinha disso com o Humaniza Redes, uma página estatal hospedada nas Big Techs que tinha por meta o fomento de denúncias contra supostos violadores dos direitos humanos — como se memes e textões pudessem violar direitos humanos. Surgiu com Dilma e caiu com Dilma, a presidente que pôs Barroso no Supremo.
Exército nas ruas contra os cidadãos na Austrália
A Austrália vinha sendo uma pedra no sapato da China, e uma provável aliada militar dos EUA no Pacífico em uma eventual guerra.
Agora a Austrália está com o Exército nas ruas aliado à polícia, com a finalidade de manter os australianos trancafiados em lockdown. O estado de coisas lembra a Wuhan do começo de 2020, quando a internet via imagens de gente trancada em prédios gritando desesperada, em surto. O que se passa na Austrália não é nada ocidental, e parece muito improvável que não tenha dedo chinês.
Mais que direito constitucional brasileiro, a liberdade de ir e vir é um direito humano universal, só suspendido em estado de sítio. (Quando Bolsonaro falou isso, propagandistas da nossa ex-imprensa inferiram que ele queria implementar tal estado aqui.)
Poucos meses depois daquelas imagens chocantes de Wuhan, Átila Iamarino era repercutido pela imprensa brasileira. Repetia a tese de que a China lidava melhor com o vírus por ser autoritária — como se os dados chineses fossem confiáveis. A Itália ia mal não por ter um monte de velhinhos, grupo de risco da covid, mas por ser democrática. Estamos assistindo a uma erosão dos direitos humanos e das liberdades democráticas.
Não está claro quantos agentes há, ou até que ponto os interesses de um monopolista ocidental (um Bill Gates, um Klaus Schwab) convergem com os de Xi Jinping. Mas está muito claro que enfrentamos uma ameaça à democracia da magnitude da época da II Guerra.
Be the first to comment on "Governos e Big Techs se unem para desrespeitar os direitos humanos"