Dinheiro para armas e operações: Quem financia o Talibã?

O Talibã tomou o controle de Cabul e está de volta ao poder no Afeganistão. O grupo fundamentalista islâmico foi derrubado do poder em 2001 mas, desde então, manteve suas operações e conquistou territórios rapidamente nos últimos meses, no contexto da retirada das tropas americanas do Afeganistão. O retorno do Talibã foi possível porque o movimento tem acesso a milhões de dólares; o grupo é financiado principalmente por atividades ilegais, mas também por doações.

Especialistas dizem que é difícil estimar quanto exatamente o grupo arrecada com suas atividades, mas diferentes relatórios chegam a ordens de valores similares sobre a situação financeira do Talibã.

Um documento confidencial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de 2020, obtido pelo Radio Free Europe/ Radio Liberty, mostra que o grupo, naquele momento, estava perto de alcançar independência financeira e militar.

No ano fiscal que encerrou em março de 2020, o Talibã faturou US$ 1,6 bilhão, de acordo com o documento da Otan. Em comparação, o governo afegão arrecadou US$ 5,5 bilhões no mesmo período.

De acordo com um relatório de junho de 2021 da Organização das Nações Unidas (ONU), com base em informações de inteligência de países-membros, a maior parte do dinheiro do Talibã vem de atividades ilegais, como tráfico de drogas, produção de ópio, extorsão e sequestros.

Apenas com o tráfico de drogas, o Talibã teria arrecadado US$ 460 milhões, de acordo com uma das agências de inteligência. O dinheiro que financia as atividades do grupo extremista também teria vindo da exploração ilegal de recursos naturais em áreas sob o seu controle no Afeganistão, incluindo até US$ 464 milhões em mineração, diz o relatório da ONU.

Além das fontes ilícitas de financiamento, o Talibã também recebe doações de uma “rede de fundações de caridade não governamentais”, como descreve a ONU, e de apoiadores ricos. Muitas dessas doações vêm de entidades localizadas em países do Golfo Pérsico que apoiam a insurgência religiosa do movimento – e que estão na lista do governo americano de grupos que financiam o terrorismo. Essas doações chegam a até US$ 200 milhões por ano, segundo o Centro para Estudos do Afeganistão.VEJA TAMBÉM:

O analista de política econômica Hanif Sufizada, que estuda as finanças do Talibã como pesquisador do Centro de Estudos do Afeganistão (EUA), detalhou a origem do financiamento do grupo militante em artigo para o site The Conversation em dezembro de 2020.

Segundo o analista, o tráfico de drogas é a principal fonte de renda do Talibã. O Afeganistão é o maior produtor mundial de ópio, e boa parte dos lucros com a produção e tráfico de drogas cai nas mãos do Talibã, já que o grupo impõe uma taxa de 10% em cada etapa da cadeia de produção da droga, incluindo sobre fazendeiros que produzem a papoula, que é usada na fabricação do ópio.

Em seguida, a mineração de minério de ferro, mármore, cobre, ouro, zinco, outros metais e terras raras no Afeganistão é uma fonte lucrativa para o Talibã. Mineradores grandes e pequenos do país precisam pagar aos militantes para manter suas operações funcionando.

Nas áreas sob o seu controle, o Talibã também cobra impostos de pessoas e indústrias, o que na verdade é uma forma de extorsão sobre atividades como mineração, telecomunicação, comércio, agricultura e uso de estradas por motoristas, relata Sufizada. O especialista diz ainda que o Talibã é financiado pela importação e exportação de bens de consumo, que ajudam na lavagem do dinheiro; pela renda de imóveis no Afeganistão e no Paquistão; e com a doação de alguns governos.

Acredita-se que o Talibã receba fundos de países do Golfo e também dos governos de Rússia, Irã, Paquistão e Arábia Saudita.

Bernardo Mota, presidente do Instituto de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo (IPLD), lembra que existem resoluções do Conselho de Segurança da ONU que buscam impedir que o Talibã tenha acesso a qualquer tipo de financiamento.

“Nessa lógica, se você tem um controle, um monitoramento dos acessos que esses criminosos, ou terroristas, têm a operações financeiras, você vai ter êxito em impedir o crime”, disse Mota à Gazeta do Povo, sobre movimentações financeiras em bancos ou outras instituições por grupos criminosos em geral.

Grupos terroristas muitas vezes usam o sistema financeiro como qualquer cidadão ou organização, e o monitoramento dessas atividades pode servir para bloquear o acesso a esses recursos de forma preventiva, diz o especialista. “Se o banco controla os acessos aos meios de pagamento, sabe-se que aquelas pessoas estão utilizando o sistema financeiro, e provavelmente você tomará medidas com as autoridades para bloquear esse dinheiro”.

O Talibã no poder

Ao mesmo tempo em que o Talibã teve capacidade militar e financeira para tomar o Afeganistão, território a território, os levantamentos indicam que o grupo não tem recursos suficientes para governar o país sozinho.

O governo do Afeganistão gastou cerca de US$ 11 bilhões em 2018, segundo os dados mais recentes do Banco Mundial. Desse total, cerca de 80% vieram de auxílio internacional.

Alguns analistas argumentam que a dependência de ajuda estrangeira para governar o Afeganistão pode representar uma vantagem de negociação para os Estados Unidos, que poderiam ter alguma moeda de troca para garantias de alguma estabilidade. Zalmay Khalilzad, representante especial dos EUA para a reconciliação com o Afeganistão, disse no Fórum de Segurança Aspen, no início do mês, que o governo americano ainda tinha alguma vantagem porque o Talibã compreende que a ajuda internacional será crítica para o seu regime.

Bernardo Mota, do IPLD, acha improvável que os países ocidentais utilizem essa possível vantagem nesse momento. “Entendo que nesse primeiro momento, a posição de Estados Unidos e Europa vai ser de isolamento”, avalia.

“A posição clara de Estados Unidos, Reino Unido, França, é de mobilizar o Conselho de Segurança para criar embargos políticos, diplomáticos e financeiros para governos ilegítimos que tomam o poder por meio da violência, de forma não democrática. Eu não consigo ver EUA e a Europa Ocidental estimulando, com qualquer tipo de financiamento, que o governo se instale”.

Por outro lado, Mota ressalta que China e Rússia, que também são membros permanentes do Conselho de Segurança, têm uma visão diferente. “Esses países têm fronteiras ali perto e estão acerca da zona de controle deles”, lembra. “Então, eles podem tentar buscar uma forma mais ‘amistosa’, ou diplomática, de tentar acenar para um possível diálogo”.VEJA TAMBÉM:

“Nesse sentido posso imaginar, em termos de financiamento, russos e chineses tentando impor algumas regras mais amenas para que o governo, mesmo que tenha tido uma origem ilegítima, funcione de forma não radical, já que já está tomado”, diz Mota.

Outros analistas também estão céticos quanto a essa possibilidade, porque não apostam que o grupo extremista barganhará ajuda para governar. “O Talibã não liga para ajuda internacional, legitimidade internacional. O seu objetivo primário é governar”, disse Bill Roggio, da Fundação para Defesa das Democracias, para o Voice of America.

FMI bloqueia acesso do Talibã a recursos

O Fundo Monetário Internacional (FM) bloqueou, nesta quarta-feira (18), o acesso do Talibã a cerca de US$ 400 milhões das reservas de emergência da organização.

“Há uma falta de clareza dentro da comunidade internacional em relação ao reconhecimento de um governo no Afeganistão. Como resultado, o país não é elegível para DES (Direito Especial de Saque) ou outros recursos do FMI”, declarou o Fundo em comunicado.

O FMI aprovou, no início de agosto, uma nova alocação de DES (a moeda doméstica do FMI) equivalente a US$ 650 bilhões em auxílio a países para o enfrentamento da crise causada pela pandemia. Cerca de US$ 275 bilhões desta alocação serão destinados a países em desenvolvimento e nações de baixa renda, como é o caso do Afeganistão, um dos países mais pobres do mundo.

O FMI deveria dar acesso a essa verba ao Afeganistão a partir da próxima semana, mas bloqueou a alocação após pressão da comunidade internacional, especialmente dos EUA, após a tomada de poder pelo Talibã.

Confira a matéria na Gazeta do Povo

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